.Por Maíra Menezes (IOC/Fiocruz).
Casos graves de Covid-19 estão associados a um processo de envelhecimento do sistema imunológico e imunodeficiência aguda. É o que aponta um novo estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado na revista científica Journal of Infectious Diseases.
Analisando amostras de sangue de pacientes hospitalizados pela doença, os pesquisadores detectaram sinais de hiperatividade, exaustão e envelhecimento de células de defesa conhecidas como linfócitos T auxiliares. Segundo os cientistas, os dados indicam perda da capacidade de resposta dessas células na Covid-19 grave, o que pode facilitar infecções secundárias e reinfecções.
Além do IOC/Fiocruz e da UFRJ, a pesquisa foi realizada pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), pelo Hospital Naval Marcílio Dias, pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). No IOC/Fiocruz, os Laboratórios de Imunoparasitologia e de Pesquisa sobre o Timo participaram do trabalho. A publicação foi dedicada à pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz Juliana de Meis, que faleceu em julho devido à Covid-19.
Exaustão e senescência
Coordenador do estudo, o pesquisador do Laboratório de Imunoparasitologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e professor da Faculdade de Medicina da UFRJ, Alexandre Morrot, explica que os linfócitos T auxiliares atuam como maestros do sistema imune. No combate à infecção, essas células reconhecem as proteínas virais e ativam as células de defesa responsáveis por combater o vírus e produzir anticorpos.
“Nos pacientes com Covid-19 grave, observamos que os linfócitos T CD4 [auxiliares] estão em estágio final de diferenciação, apresentando marcadores de exaustão e senescência. São células que perderam a capacidade de expansão clonal, ou seja, não vão se multiplicar ao entrar em contato com as proteínas virais e não vão conseguir comandar uma resposta imunitária eficiente”, afirma o imunologista.
De acordo com o pesquisador, o quadro pode ser caracterizado como um estado de imunodeficiência aguda. A queda na imunidade deixa os indivíduos mais vulneráveis para contrair outras infecções, como as pneumonias bacterianas, que são comuns em pacientes hospitalizados por Covid-19.
A imunodeficiência aguda também ajuda a explicar um fenômeno que tem chamado a atenção na pandemia: as reinfecções. Desde o começo da emergência de saúde pública, registros de indivíduos reinfectados pelo Sars-CoV-2, mesmo após casos graves de Covid-19, surpreenderam os cientistas. Isso porque infecções virais agudas costumam produzir uma memória imunológica forte, que evita, por exemplo, que a mesma pessoa contraia sarampo ou catapora duas vezes.
“A reinfecção ocorre em uma fração pequena dos casos, mas é mais comum do que seria esperado. A disfunção das células T CD4 [auxiliares] pode explicar a ausência de memória imunológica de longo prazo na Covid-19 grave”, avalia Morrot.
Hiperativação imune
A pesquisa comparou amostras referentes a 22 pacientes internados com casos graves de Covid-19 com amostras coletadas de indivíduos saudáveis. Além da presença de moléculas consideradas como marcadores de senescência e exaustão nos linfócitos T auxiliares, os pesquisadores encontraram altos níveis de substâncias inflamatórias liberadas por essas células no soro dos pacientes.
Segundo os cientistas, os dados indicam um processo de hiperativação, que leva os linfócitos ao estágio final de diferenciação celular, resultando em exaustão e envelhecimento do sistema imunológico. “Tudo isso reforça a importância de terapias anti-inflamatórias, voltadas para controlar a resposta imune exagerada, que é uma vilã na Covid-19”, comenta Morrot.
As análises contemplaram apenas a fase aguda da infecção. Portanto, o pesquisador acrescenta que não é possível apontar se haverá prejuízo para o sistema imunológico dos pacientes no longo prazo. “A Covid-19 ainda é uma doença nova e não sabemos como será a sua evolução. A literatura científica indica que células exauridas podem recuperar sua função. Já as células senescentes podem morrer e ser substituídas por células jovens. É possível que alguns meses após a doença, os pacientes não apresentem mais essas alterações, mas isso terá que ser acompanhado”, pondera o imunologista.
O estudo foi financiado pelo programa Inova Fiocruz, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul (Focem). A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neuroimunomodulação (INCT-NIM) e da Rede de Pesquisa em Neuroinflamação do Rio de Janeiro. (Da Agência Fiocruz)