.Por Marcos Francisco Martins e Cristiane Machado.
Hossri (PSD) protocolou, na Câmara Municipal de Campinas, o Projeto de Lei (PL) que cria o “Programa ‘Comunismo, não!’”. Pelo divulgado em 14/07/21 no site da Casa de Leis, o PL visa a ensinar os malefícios do comunismo, pois “ele matou, entre execuções e consequências da política, como fome e miséria, mais de 94 milhões de pessoas”. Dada a falácia que sustenta o PL e equívocos de encaminhamento, cabe contra-argumentar conceitual, política e pedagogicamente.
Recorrentemente, quando perguntado o que é o comunismo a quem mais o ataca, não se tem resposta. Termo polissêmico, o comunismo identifica desde movimentos sociais, que buscam superar injustiças e construir um mundo mais humano e fraterno, até sociedades pretéritas e presentes com estrutura em que as classes sociais são ausentes porque não é presente a propriedade privada. Contudo, o significado mais forte e hodierno do termo o caracteriza como um estágio societário futuro, marcado pela igualdade, sem Estado e sem propriedade privada, com cada cidadão(ã) consciente o suficiente para se autogovernar e desenvolver plenamente as próprias potencialidades, sem as limitações da alienação e da exploração inerentes ao capitalismo. Então, como o vereador, quando critica o comunismo, refere-se a países com Estados fortes, conceitualmente, sequer como comunistas eles poderiam ser tratados; talvez pudessem ser chamados de socialistas, mas não é esse o termo empregado pelo nobre edil.
Politicamente, é estranho atacar o comunismo pelas “execuções, miséria e fome” e nada dizer dos crimes do capitalismo. Aliás, ataca-se Cuba por ser comunista e, logo (pela “lógica formal”, descontextualizada, da direita), pobre economicamente, mas se esquece da miséria em países capitalistas dolorosamente empobrecidos, como alguns do continente africano e latino-americano; o Haiti, por exemplo. A propósito, acusar Cuba de ser pobre, sem mencionar o bloqueio econômico que ela sofre há 60 anos (o que a impediu de adquirir respiradores na pandemia), é ignorância ou desonestidade intelectual.
Quantas mortes o capitalismo promoveu e promove? Difícil responder com precisão, o que vale também para o “comunismo”. Mas, observe-se que o livre mercado capitalista resulta, diariamente, em milhares de mortes em países que, como o Brasil, joga comida fora… sem falar nas perdas de vida pela crise climática, pois o individualismo e o consumismo capitalistas não veem limites à exploração da natureza para transformá-la em mercadoria (100 milhões de mortes no mundo, entre 2012 e 2030, foram projetadas para ocorrer pela organização humanitária DARA). Além disso, das ações imperialistas do maior país capitalista do mundo desde o século XX, os EUA, resultaram guerras, invasões, atentados, revoluções e contrarrevoluções pelo globo, com milhões de mortes, algumas, inclusive, para “impor a democracia ocidental”, o que, no mínimo, é uma contradição em termos.
É óbvio que tanto o capitalismo quanto o comunismo são – e devem continuar sendo – conteúdo escolar, mas não cabe a vereador nenhum intervir no cotidiano escolar e/ou atentar contra o direito à liberdade de cátedra, que docentes legalmente têm (Constituição Federal, Art. 206), impondo a ideologia pessoal como diretriz ao trabalho escolar. A propósito, segundo Bobbio, é próprio da esquerda primar pela igualdade, enquanto a direita faz a defesa da liberdade (e do inigualitarismo); então, por que o vereador, que se diz de direita, quer negar a professores(as) uma liberdade, a de cátedra? Difícil entender o vereador sugerir debater o “comunismo” com a técnica do “júri”, muito conhecida nas escolas, mas não mencionar outros regimes, como o fascismo. Será essa a noção de liberdade de expressão?
Se Hossri tem sido procurado por pais de alunos(as), “inconformados pela forma como o comunismo é apresentado em sala de aula” (Correio Popular, 16/07/2021), que o problema seja levado pelo(a) reclamante aos(às) professores(as). Caso não seja superado, que se encaminhe pelos meios democráticos recomendados pela ordem legal-pedagógica vigente (Art. 3º, 14 e 56 da LDB: gestão democrática). No caso específico, a questão poderia ir ao Conselho de Escola e/ou mesmo ao Conselho Municipal de Educação. É autoritário querer legislar pela própria ideologia, ainda que em nome da “liberdade”, intervindo na dinâmica das escolas. Porém, cabe reconhecer coerência nisso, pois autoritarismo é postura histórica da direita, embora ela acuse de ditatorial o comunismo.
Prof. Dr. Marcos Francisco Martins é docente da UFSCar, campus Sorocaba e Profa Dra. Cristiane Machado é docente da Faculdade de Educação da Unicamp.