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Unicamp proíbe trabalhadores-estudantes de receberem bolsas de auxílio financeiro

.Por Rafael Martarello.

As políticas de assistência estudantil servem para que ao ingressar na universidade o estudante possa efetivamente se dedicar ao seu desenvolvimento intelectual, profissional, cultural e político. Em uma visão não reducionista, servem para que o ingressante possa permanecer no curso e participar da vida universitária (movimento estudantil, grupo de estudos, eventos acadêmicos, rodas de conversa, ação de apoio e intervenção em comunidades, etc).

(foto roberto parizotti – fp)

Isto só pode ser logrado pela criação e provimento de condições materiais tais como: auxílio financeiro (vulgo bolsa); moradia estudantil; serviços de saúde; creches, entre outras formas de orientação estudantil.

Estas condições são importantes para que os filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras que conseguiram furar o bloqueio social do vestibular e adentraram na universidade possam prosseguir cursando o Ensino Superior com as mínimas condições necessárias, e que estas permitam fazer frente às condições materiais e financeiras dos demais colegas, em geral pertencentes à classe média alta e à burguesia.

Mas na UNICAMP, há uma particularidade, embora os filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras podem concorrer a estas condições materiais, os trabalhadores e as trabalhadoras não podem!

Pela Deliberação (003/2012) da UNICAMP, em seus Artigos 3º e 4º estabelece que para receber uma bolsa auxílio (financeira, moradia, alimentação, transporte), o aluno não pode possuir outro rendimento regular, fruto de atividade remunerada, exceto bolsas.

Logo estão proibidos de receberem algum auxílio a empregada doméstica, o porteiro, o ambulante do chopp, o torneiro mecânico, o entregador de aplicativo, a merendeira. Não interessa se o estudante trabalha meio período, vive de bico, procura uma recolocação profissional ou trabalhou para pagar o cursinho, pois essa exclusão independe se a pessoa recebe uma miséria para sustentar a sua família.

Podemos dividir os aptos de concorrer a estes auxílios em dois grupos. O primeiro são aqueles que vivem de renda de aluguel, de renda proveniente do patrimônio ou empresa, pensionistas, etc. Sim, até um acionista que recebe dividendos poderá concorrer.

O segundo grupo, são os desempregados, que ainda conseguem ser mantidos pelas suas famílias ou que recebem algum auxílio de assistência social.

Para ser contemplado, claro, há uma metodologia específica para avaliação socioeconômica que analisa critérios multidimensionais como renda, gasto, histórico, condição de vulnerabilidade. Mas não há um limite de renda estabelecido, o que permite incluir pertencentes ao primeiro grupo em face aos trabalhadores em potencial situação de vulnerabilidade socioeconômica muito maior.

Tomando os dados não cruzados, disponibilizados pela comissão organizadora do vestibular da UNICAMP, quase 20% dos ingressantes do ano de 2020 exercem alguma atividade remunerada e têm participação ativa na vida econômica da sua família. Ressalta-se que a depender do curso e período esse número dobra.

Este é um impedimento que impera há pelo menos 15 anos, e é uma escolha da UNICAMP. Ao que parece é uma exclusividade da desta universidade, não encontrei em nenhuma outra universidade pública estadual, IFSP ou a UNIFESP a adoção de critério de exclusão semelhante.

Como resultado, não há condição material possível para alterar toda vulnerabilidade laboral e social que permite a humilhação sofrida pela empregada doméstica, e as diferentes variantes de violência que a classe trabalhadora enfrenta diariamente. Também, como resultado, impede que pais se tornem exemplos profissionais, logrem um sonho profissional e sejam referências na sua comunidade. Resta ainda pontuar que esse é um círculo vicioso, pois nos anos seguintes, o trabalhador não irá deixar seu emprego/subemprego para concorrer ao valor de uma bolsa que não alcança um salário mínimo.

Tenho claro que estes auxílios podem ajudar a minimizar de desigualdades sociais, etnorraciais e de gênero, e quando não excludentes à classe trabalhadora podem possibilitar um movimento estudantil engajado na vida política nacional, conectado com o movimento sindical, presente nas periferias e atuante nas pautas mais relevantes dentro do Estado Capitalista.

Rafael Martarello é doutorando em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e mestre em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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