.Por Marcelo Mattos.
“Infelizmente, há aberta e deliberadamente execuções sumárias de jovens que moram em favelas”.
Estas foram as palavras de Asma Jahangir, relatora especial para Execução Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais da Organização das Nações Unidas (ONU) em outubro de 2003 em visita a favela do Jacarezinho/RJ, relatando suas impressões sobre os direitos humanos no Rio de Janeiro. A recente “operação exceção” ou chacina por forças da policia civil para cumprir 26 mandados judiciais, culminou num terror generalizado com 25 mortes, 24 delas de moradores da favela em represália.
Tal exceção premeditada se dá em vários eixos: No descumprimento da decisão do STF que proibia expressamente a inserção em área de favelas e periferias do RJ durante a pandemia da Covid-19; Por ser uma operação de força repressiva cuja competência é da polícia militar; Por exterminar “suspeitos” que deveriam se submeter a um regular processo judicial; E pela desmesurada crítica do delegado Rodrigo Oliveira interpretando nefastamente como “ativismo social” a decisão do STF que buscava impedir que esta e outras chacinas e assassinatos por forças do Estado se perpetuassem nas áreas de favelas.
Nada, em absoluto, a estranhar que o atual Governador Cláudio Castro tenha se reunido com o ora presidente da República às vésperas dessa horrenda chacina. Nada? O que dizer então da antevéspera onde a Receita Federal promoveu a destruição de 97 mil aparelhos de TV box piratas importados da China, avaliados em 13 milhões, destinados às milícias da Zona Oeste e da Baixada Fluminense.
Represália? “Tudo é tudo e nada é nada” já dizia o filósofo Tim Maia, pois até onde a execução-incursão no Jacarezinho se traduz numa “limpeza” para ocupação da milícia, como ocorre tantas vezes? Não a toa, as forças de intervenção militar no RJ em 2018, sob comando do Gal. Braga Netto, o mesmo e atual ministro de defesa bolsonarista, fizeram 20 operações em favelas e zonas carentes em oito meses, nenhuma delas em territórios “protegidos” e comandados pelas milícias.
Pergunta-se: os armamentos apreendidos ontem na operação-chacina do Jacarezinho como chegaram lá? Acaso foram devidamente periciados? A quem pertence as suas reais impressões digitais encontradas? Sim, pois o maior traficante de armas do Brasil, Frederick Barbieri, conhecido como o Senhor das Armas, preso em 2017 após a apreensão de 250 fuzis no aeroporto do Galeão, contrabandeou entre 2013 e 2017 entre 2 e 3 mil armamentos pesados para o mercado paralelo de armas e a milícia. Também, coincidentemente, os mesmo 117 fuzis encontrados na casa de Alexandre Mota, amigo íntimo e suspeito de ser “laranja” de Ronnie Lessa (o chefe e miliciano-vizinho), apontado como executor da vereadora carioca Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, tinham a mesma e idêntica origem do armamento apreendidos no Aeroporto do Galeão.
Talvez, se as autoridades públicas seguissem os rastros de pólvora ou dos armamentos, certamente encontrariam seus reais mentores em algum bairro nobre, quem sabe tomando um espumante prosecco na Barra ou Miami; talvez se seguissem o rastro dos 37 kilos de cocaína apreendidas em bagagens no avião da comitiva presidencial no ano de 2019 em Sevilha, encontrassem o fio da meada, a marca chancelada da elite que fomenta o tráfico de armas, drogas e a barbárie das chacinas de gente sem rostos e nomes das favelas.