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Darwinismo social miliciano é um escárnio fúnebre para o Brasil

Coronavírus: a encruzilhada do pós-epidemia

.Por Alexandre Padilha.

O mundo tal qual conhecíamos não existe mais e o que faremos, neste momento, é o que determinará que planeta teremos após a pandemia. Existem dois projetos fundamentais, um que defende a vida e resgata a solidariedade como eixo norteador das relações humanas e, o segundo, que resgata o darwinismo social e retira a vida humana do centro das preocupações da ação social, colocando todos em um tétrico cassino, cujas fichas são milhares de corpos empilhados.

(foto semop – fp)

O governo Bolsonaro, desde o início dos primeiros relatos dos casos e dos avisos sanitários que vieram da China e das organizações mundiais sanitárias, optou por um darwinismo social miliciano, uma repaginação do conceito surgido há mais de um século. Basicamente, essa opção se traduz na inércia ou descaso na aplicação e cumprimento de medidas econômicas que poderiam possibilitar o enfrentamento da pandemia por todas as classes sociais, basta lembrar que a proposta do governo era a de que cada um recebesse míseros 200 reais de renda mínima, um escárnio fúnebre com o país.

No âmbito da saúde, em que pese o esforço do corpo técnico do ministério e de institutos públicos sólidos e reconhecidos como Fiocruz e outras instituições de pesquisa, – que aliás foram abandonados pela política neoliberal aplicada nos últimos anos, mas que milagrosamente se mantêm graças à altivez e compromisso dos seus pesquisadores – não há como se dissociar da escolha deliberada de Bolsonaro de jogar por terra qualquer tentativa de enfrentar a crise com outro eixo que não o do desprezo pela vida. Em vão qualquer esforço em sentido contrário dentro do governo, porque não há como desenvolver uma política nacional de saúde com a proporção que a pandemia exige, sem o engajamento dos outros órgãos da esplanada e, por óbvio, do próprio presidente.

Não a toa dos cerca de 28 mil leitos de cuidados intensivos do SUS, 18 mil foram abertos nos governos Lula e Dilma antes da pandemia da influenza de 2009 até o golpe da EC95 em 2016. Além disso, foram criados mais 2,5 mil leitos nas UPAs 24h, também fundamentais no combate a pandemia, e a rede de vigilância de laboratórios públicos para síndromes virais respiratórias e a soberania tecnológica para a produção da vacina da gripe também foram priorizados segundo as melhores recomendações internacionais.

Movimentos sociais, frentes populares, igrejas, pesquisadores, profissionais de saúde, partidos políticos, governadores, autoridades sanitárias, organismos internacionais, STF e o Congresso Nacional, por outro lado, não apenas têm buscado se dissociar da homicida inércia do governo federal, como aplicado recomendações internacionais de saúde pública, criado e fortalecido laços de solidariedade. As milhões de caixas de máscaras doadas pela China a Itália vinham com a seguinte frase “somos ondas do mesmo mar, folhas das mesmas árvores, flores do mesmo jardim”. Tudo para tentar evitar que a crise sanitária e econômica se traduza em tragédia social e humanitária de proporções incalculáveis.

Os movimentos do campo, por exemplo, têm doado arroz e colocado Armazéns do Campo para distribuir marmitas. Em Heliópolis, uma parceria com a Associação dos Moradores (Unas) com o Centro Estadual de Educação Tecnológica (CEETEPS), possibilitou que 64 costureiras do bairro possam se dedicar à produção de máscaras. Com isso, não apenas se contribui para o sustento dessas famílias, como a própria produção servirá para a não disseminação do vírus.

A indústria e instituições públicas passaram a converter sua produção para álcool gel, máscaras, peças e manutenção para respiradores e ventiladores mecânicos sem qualquer apoio ou coordenação do governo federal. É possível enfrentar a pandemia e garantir renda.

Bolsonaro cria uma falsa dicotomia sobre cuidar da saúde e economia. Na realidade, esse falso e pobre dilema serve para tentar camuflar que ele é único que não está trabalhando nesta crise.

O Congresso Nacional tem debatido e aprovado propostas fundamentais para o enfrentamento à pandemia. Apresentei, na Comissão Externa, vários projetos de lei e fui parceiro em uma dezena de outros. Tenho colocado meu mandato à disposição de profissionais de saúde, especialistas e movimentos sociais pra denúncias, elaboração de propostas legislativas e de cobranças ao governo federal.

Desde o início da crise, são 42 medidas por mim apresentadas. Entre elas, a necessidade de editarmos licença compulsória aos medicamentos e vacinas eficazes que surjam, se as nações ricas do hemisfério norte negam máscaras a América latina, imagine o que farão com suas patentes.(Todas as medidas apresentadas estão disponíveis neste link: https://bit.ly/2V09rDh)

Essa crise está nos custando e vai nos custar muita dor e sofrimento. Que a páscoa nos traga e possibilite uma profunda reflexão tendo por norte o cuidado, naquilo que Boff melhor sintetizou. Cuidado com o planeta, com o meio ambiente, com cada um de nós próprios para que o amanhã possa existir e, existindo, que seja melhor que o ontem.

Temos que repensar nosso modo de vida, a forma como se conduz as relações de produção, a política econômica, a saúde pública e as nossas cidades. O que fica cada dia mais evidente é que Bolsonaro e o seu governo, são incompatíveis com a vida, com o amanhã e com o futuro dessa nação. Oxalá que a vida prevaleça.

Alexandre Padilha é médico, professora universitário e deputado federal (PT-SP). Foi Ministro da Coordenação Política de Lula e da Saúde da Presidenta Dilma Rousseff. Foi Secretário de Saúde de São Paulo na gestão Fernando Haddad.

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