Pandemia expõe fracasso prático da ideologia neolibreral
.Por Sandro Ari Andrade de Miranda
Basta abrir um livro de história ou de sociologia para reconhecer que a ideologia política que sustenta o “estado mínimo” fracassou no universo prática em todos os países onde foi aplicada. Por trás do discurso de controle fiscal, redução da despesa pública e dos impostos sobre a fatia com maior renda sempre foi possível observar uma fragilização do sistema monetário, a redução drástica dos serviços públicos e o aumento da pobreza.
Um breve pesquisa sobre a origem das políticas de bem-estar demonstrará que antes mesmo da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, muitas países estabeleceram regras de previdência, saúde pública e assistência social para enfrentar duas grandes crises: o desastre econômico decorrente da Primeira Guerra Mundial e os milhões de mortos resultantes da disseminação do vírus influenza entre 1917 e 1920, a chamada “Gripe Espanhola”. Na época eram raras as políticas públicas universalizadas, salvo em alguns países onde as revoluções dos séculos anteriores impuseram a educação e a saúde públicas, como na França.
A mortandade da gripe espanhola foi o resultado de uma série de fatores: ausência de políticas públicas de saneamento e saúde, desmantelamento dos serviços de saúde existentes pela guerra (o que inclusive aumentou a demanda por este tipo de serviços), aumento gigantesco da circulação da população em torno do globo (outra consequência da Guerra), urbanização sem planejamento e predominância ideológica do estado mínimo. Não existem números precisos sobre os mortos da grande pandemia do início do século XX, calculados numa escala larga entre 17 e 50 milhões, podendo chegar a 100 milhões de pessoas.
Também é muito difícil separar quem morreu só do influenza, de pobreza extrema ou como consequência da guerra. Nesta mesma época países como os EUA, Inglaterra, Alemanha e França desenvolveram as primeiras políticas sociais, o que somente foi consolidado com o pós-guerras, na década de 1940.
No momento atual observa-se com rigor as consequências do renascimento da nefanda política neoliberal, do conservadorismo e do neofascismo em diversos países. Até o momento, os melhores resultados no combate aos efeitos do vírus COVID-19 foram obtidos em países com forte atuação do estado, como Coreia, Taiwam e Malásia.
A própria China só superou o problema porque o estado atuou fortemente, inclusive com investimento na construção emergencial de hospitais e em pesquisa. Na outra ponta, onde o estado foi omisso, atrasando as medidas de controle e onde um subproduto do nascimento da direita neofascista esta presente, como na Itália e a campanha anti-vacinas, o índices de mortes ultrapassam o nível do razoável.
No Brasil, depois de 4 anos de controle fiscal exacerbado e do corte de recursos fundamentais aos programas de saúde, além do negacionismo oficial, o país caminha para um colapso. Não existe uma base de dados sólidas, mas o certo é que se não forem adotadas medidas de controle rigorosas, como as da Espanha, França, Malásia e da própria Itália pós-crise, o número de mortos pode atingir números surreais, até porque não existem UTIs suficientes para enfrentar uma situação semelhante à italiana.
Mas não é apenas no campo da saúde que os problemas gerados pela ideologia neoliberal induzem uma tragédia. Na economia as moedas começam a dissolver com a especulação e a fuga de capitais, ainda mais em países em recessão técnica como o Brasil. A abertura de mercados aumenta a fragilidade dos sistemas econômicos nacionais. Lembrar que a crise de 1929 também foi uma crise monetária, assim como a hiperinflação alemã que levou o país ao nazismo e ao holocausto. Países em crise econômica estrutural são área livre para ideologias totalitárias.
Como a principal medida para controlar a disseminação do coronavírus é a precaução e o esvaziamento dos espaços públicos, a falta de uma política pública sólida de assistência social tende a criar uma crise econômica ainda mais séria. Lembrar que o Brasil só conseguiu superar a “crise de 2008” porque o mercado interno manteve a economia aquecida e este somente tinha poder porque a política econômica contava com elevado investimento público. Desde 2019, o resultado de uma população de 13% de desempregados, ocasionada pela cultura do estado mínimo, é uma economia sem capacidade de consumo. Com a reforma da previdência, também é um país sem mecanismos de proteção social para conter os prejuízos concretos que serão causados pela crise sanitária. Ou seja, o livre mercado e a ideologia neoliberal acabam fomentando políticas irresponsáveis como a governadores que se negam a adotar medidas de controle mais rígidas para evitar a disseminação da doença. A situação deve ficar ainda mais grave em regiões de difícil acesso e onde não existem médicos.
Desta forma, além de um número elevado de doentes e de vítimas fatais decorrentes do desmonte dos serviços de saúde, a tendência é que o país mergulhe dentro de um caos econômico sem precedentes. Claro, que a descoberta de uma vacina pode amenizar os problemas. Mas é importante ressaltar que o Brasil ainda não conheceu nem o início do pico da doença, até porque faltam alguns meses para o inverso e o aumento das doenças respiratórias.
A única alternativa real que se apresenta no momento é a adoção de medidas drásticas voltadas à reorientação da política fiscal e econômica. Caso isto não aconteça, o pós-COVID19 seve ser um país em crise semelhante à de uma guerra. Infelizmente, não se vislumbra uma mudança positiva de imediato.