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A distopia ultraliberal no capitalismo predatório de Paulo Guedes

Afinal, que projeção de mundo é defendida por Paulo Guedes?

.Por Bruno Lima Rocha.

Diante de tantos desmandos, com tamanho absurdo à frente do governo Bolsonaro e o alinhamento externo subordinado, combinando com a proposição distópica da dependência pós-colonial, fica a pergunta: afinal, o que Paulo Guedes quer? Em escala de país vemos os projetos, um mais nefasto que o outro. Mas, em escala mundo, no que implicaria?

(foto tania rego – agencia brasil)

Neste texto tento fazer uma síntese da distopia ultraliberal, a que marca o período atual do capitalismo mundializado e das evidentes fragilidades que tal projeto gera para países como o nosso, eterna quase potência da semiperiferia. Assim, busco o reforço de alguns aspectos centrais já apontados por mim e que dezenas de outros analistas vêm fazendo incessantemente no Brasil, desde quando a reeleição de Dilma Rousseff implicou em ceder muito espaço na política econômica para o que de pior já surgiu no Brasil e na América Latina. Não que o projeto anterior fosse “socialista”, nem chegava a “social-democrata”, mas apontava para algum marco de crescimento com desenvolvimento limitado do capitalismo periférico. Longe de ser o projeto socialista e democrático que defendo, tampouco estava alinhado com a subordinação total reiniciada com o “governo Joaquim Levy” ainda no final de 2014. Desde então o país vem sendo empurrado ladeira abaixo, pela soma de mentes colonizadas internas, sabotagem da indústria nacional (tendo na ponta o desmonte dos complexos de óleo e gás; construção pesada e engenharia naval) e desmonte da proteção social.

Nas linhas que seguem, observamos as mazelas em escala global às quais o pinochetista que o Bolsonaro chama de “posto Ipiranga” quer submeter nossa sociedade.

Características fundamentais da hegemonia ultraliberal (através do capital financeiro) em escala mundo

O “super” ministro da Economia que nada entende e nada quer entender de política industrial, não faz o menor esforço para defender a indústria instalada no Brasil. Verdade seja dita, uma parcela importante do segundo setor, a começar pelos golpistas da FIESP – os que impuseram uma agenda aceita pela ex-presidenta e depois puxaram seu tapete – tampouco querem nada em sua defesa. Defendem sim, e ardorosamente, suas vantagens básicas dentro da correlação de distribuição de poder espacial.

As duas barreiras clássicas encontradas em qualquer manual de economia política que preste: a político-institucional (onde os poderes fáticos são mais acessíveis para o topo da cadeia alimentar em diferentes espaços geográficos) e a técnica-produtiva (onde as normativas tendem a proteger quem já se instalou e vai compondo o parque “produtivo”). Ocorre que, com cada vez mais intensidade, as “indústrias” tropicais ou os parques industriais que não dominam cadeias de valor com alto valor agregado, vão dependendo mais e mais de insumos importados, com preços cotados em dólar. Logo, os “industriais” sabem que, na média, o investimento produtivo, o que gera emprego vivo, direto e regular, tende a levar uns 10 a 12 meses para dar retorno.

Enquanto isso, a cadeia voraz do capitalismo em regime de acumulação financeira quer ver as metas batidas a cada 4 meses em média. Isso implica que, para acumulação dos controladores, acionistas majoritários e grupo diretor (board no anglicismo colonizado), a indústria em si é tanto um parque “industrial” (ou uma casa importadora de componentes para realizar a manufatura de pré-moldados) como uma instituição intermediária junto às autoridades constituídas e com capacidade de oferecer “garantias” (mesmo que com operações muito alavancadas) para girar a ciranda financeira.

Os efeitos desta não proteção da indústria, “preguiçosa” que seja, podem ser mais que nefastos. Em termos de sociedade, o emprego vivo industrial garante – ou pode garantir – empregos indiretos, como nas cadeias de sistemistas em torno dos parques automotivos. Mas, se tudo for desnacionalizado, se não tiver setor de autopeças incrustrado nas montadoras por exemplo, a “fábrica” vira maquiladora como no norte do México. Empregos precários, abusos de mulheres e alta rotatividade da mão de obra formam o tecido social “ideal” para o domínio dos cartéis de narcotráfico mexicanos. Não se iludam, com exceção de Sinaloa, estado com agricultura próspera, os demais estados mexicanos com fortes carteis estabelecidos territorialmente, também são praças de maquiladoras satisfazendo o voraz apetite do NAFTA contra o qual Donald Trump hipocritamente diz querer estar contra.

Outro problema sério nas fanfarronices de liquidação do parque industrial e transnacionalização de todos os setores de uma economia instalada é a comodificação, ou a ênfase da economia primário – agro-mineral – exportadora como parcela fundamental do país. Como já explicamos em textos anteriores, no capitalismo integrado, a simplificação de uma economia é a certeza de sua subordinação. Quanto mais complexa for uma economia, mais capacidades ela vai ter e menos “exposta” ficará aos ataques especulativos em produtos comodificados (cuja composição de preços passa pelas negociações em mercados futuros), e também às ações de outros centros de tomada de decisão (como a disputa entre Arábia Saudita e Rússia na produção de petróleo e derivados, por exemplo). De forma sintética tentei expor acima como é relevante duas assertivas na economia de um país:

– Ter indústrias, pois quem não tem fica refém de ações de tipo sabotagem ou guerra econômica, tomando por exemplo o mais longo bloqueio como o exercido pelo Império contra Cuba ou as sanções contra o Irã atingindo sua capacidade médico-hospitalar no tratamento de enfermidades crônicas;

– Ter estas indústrias dotadas de complexidade econômica necessárias para, em estando no Sistema Internacional das economias capitalistas integradas (e nestas incluo China, Rússia e Índia, ainda que nos dois primeiros Estados o capital se subordina ao Poder Executivo tecno-político-militar), não ser determinado por conglomerados econômico-financeiros que controlam (ainda que parcialmente), cadeias globais de valor.

Neste sentido, dois elementos implicam uma composição de domínio interno importante para projetar poder em escala mundo. Mesmo países que não contam com relevantes forças militares, ou ao menos não têm capacidade bélica com presença mundial (como os EUA), ascendente (como a China) ou regionalmente importantes (como Rússia, Índia e União Europeia), precisam desenvolver empresas de tipo Transnacionais, vinculadas aos Tesouros de países-sede ou ao menos países de origem (já que uma parcela importante das TNCs têm suas sedes formais em Jurisdições Especiais através de holdings financeiras para evasão e elisão de divisas e tributação).

No pós-2ª Guerra, Alemanha Ocidental (e na sequência o país unificado), Coreia do Sul e Japão são exemplos de como é possível projetar e gerar excedentes de poder dotando o capitalismo dentro de suas fronteiras de algum grau de coesão social e apostando em planejamento econômico para desenvolver indústrias de alta tecnologia embarcada. Logo, o quarto setor, o de pesquisa e desenvolvimento (P&D) é fundamental para a competição capitalista mundial. Quem tem controla, quem não tem depende.

Quem conta com tais conglomerados econômico-financeiros pode usá-los como elementos de pressão externa ou internalização de interesses, como a presença do 5G sob códigos-fonte chineses que apavora a segurança nacional dos EUA, ou as já conhecidas redes sociais que operam como motor de “revoluções coloridas” ou manobras eleitorais – a exemplo dos eventos ocorridos na América Latina nos últimos dois anos. Não haveria Vale do Silício sem contratos do Pentágono. Simples assim. Mas, nada impede a acumulação financeira em todas as escalas, diminuindo o Poder dos Estados não para o co-governo de uma economia, mas no conflito distributivo, fazendo com que a captura do aparelho estatal seja fundamental para aumentar a concentração de riqueza e a assimetria do poder. Operando a favor desta acumulação em escala mundo, temos os longos braços do sistema financeiro e as legislações favoráveis ao capital volátil, a intensa e extrema mobilidade de capitais e a integração dos sistemas de créditos sob vigilância eletrônica permanente.

O uso e emprego de Jurisdições Especiais – “paraísos fiscais” – offshore (em tese, ilhas com regimes jurídicos distintos) ou onshore (como os estados de Nevada e Delaware no território continental dos EUA) não é exclusivo de pessoas jurídicas, mas também de pessoas físicas que alcançam cifras consideráveis. É como se para o padrão de riqueza atual seja uma vantagem estratégica na acumulação utilizar todas as capacidades do sistema financeiro, tanto o formal sob alguma regulação, como os complementares, a exemplo das empresas subsidiárias nos “paraísos fiscais” (já demonstrado em artigos anteriores), assim como as operações de risco e shadow banking (ainda não abordadas por mim).

Assim, a financeirização se torna o regime padrão de acumulação de todos que têm fortuna financeira. Parece uma redundância, mas é a regra de poder do capitalismo mundial no século XXI. Desconheço grandes TNCs de capital aberto – de quaisquer países – que não estejam com operações financeiras ou não tenham na composição acionária a presença de fundos de investimentos. Ocorre que este conceito de “investimento” também está vulgarizado. Supostamente, investimento é de risco e se dá sobre “capital produtivo” e aplicação é D-D-D-D linha, se destina à jogatina financeira, às relações com poderes de fato, operações a descoberto, alavancagem quase criminosa e outras irresponsabilidades capitalistas típicas do comportamento predador.

Logo, para existir no Sistema Internacional de forma soberana e com algum grau de autodeterminação, um país do porte do Brasil não deveria se expor a tamanho grau de presença dominante externa. Como, por exemplo, permitir presença de capital transnacional em todos os setores com participação de licitações públicos sem restrição, desnacionalização do solo e do subsolo, perda da indústria bélica, concentração do sistema financeiro (as empresas que operam o “tal do mercado de capitais”), não defender o capitalismo ainda gerador de emprego vivo e direto praticado no Brasil, e aceitar a condição de exportador de matérias primas ou commodities fragilizadas por determinações de preços externos (como a compra da China ou a disputa de segurança energética entre sauditas e russos).

O caso da Petrobrás pós-golpe é exemplar. O “mistério” de um país como o nosso, nadando em petróleo e dotado de capacidade tecnológica para exploração em grandes profundidades. Eis que acionistas minoritários da Bolsa de NYC (SEC) entra com uma ação judicial contra a estatal brasileira e um país soberano aceita a decisão de 1ª instância federal de uma vara dos Estados Unidos. Com isso, muda a política de composição de preços da Petrobrás, mesmo com o Brasil sendo soberano na extração e quase autônomo no refino. Os derivados de petróleo no Brasil começam a oscilar segundo a pressão especulativa do indicador do Brent, uma situação que não faz parte da segurança energética de países produtores – como Arábia Saudita e Rússia, por exemplo – e sim de países compradores.

Não apenas isso. Por determinação entreguista, os colonizados tentam desmontar os complexos petroquímicos e estamos com refinarias com capacidade ociosa (não operando) e o Brasil comprando óleo refinado. Para que? Se alguém projetar em termos “schumpeterianos” de estratégia econômica, de desmontar o que existe de modo a não mais permitir políticas de soberania ou “mais grave”, de protagonismo popular, acertou. É a meta chilena do golpe do 11 de setembro da América Latina, em 1973. Desmontar tudo o que possibilite a soberania do território caso o poder político passe para o povo organizado. No caso do Chile, vacilações de Allende à parte (como a composição de gabinete cívico-militar em agosto de 1973, sendo que uma parte dos ministros do “companheiro presidente” terminou na Junta Militar, incluindo o próprio Pinochet), o poder real balançou diante da autogestão dos cordões industriais e comandos comunais. As forças militares entreguistas, vende-pátrias, gorilas comandadas pelo fascista Pinochet, operam como braço armado do neoliberalismo extremado, ou ultraliberalismo, fazendo do cotidiano uma distopia em tempo real.

Nada do que eu narrei acima é novidade. Ao contrário, é senso comum para quem estuda com algum grau de rigor tanto economia política internacional como globalização capitalista (reconheço que prefiro o termo-conceito francófono de mundialização). Tampouco as afirmações de geração de excedentes de poder são fortes o bastante para com isso gerar sistemas produtivos e sociedades mais justas e solidárias. Não dá para confiar nem na milicada da periferia e menos ainda no “patriotismo” dos capitães da indústria. O dirigente empresariais são exemplo disso. No Sistema Internacional, quando parcelas de frações de classe com poder real, tal como o baronato financeiro (também representado por Paulo Guedes) são uma força geradora de mais dependência e entreguismo, é um sinal tenebroso de que o mínimo de soberania nacional jamais será alcançado com essa composição. O inverso também é verdadeiro.

Linhas conclusivas:

Reconheço, não abordei todos os temas relevantes no desmonte da farsa projetada por Paulo Guedes e sua trupe de especuladores. O tema mais importante hoje é acabar com a farsa fiscalista baseada em PEC do Fim do Mundo (teto de gastos), da noção absurda que o “dinheiro pode acabar” e a mentira de que um país soberano pode quebrar na própria moeda. É urgente debater a Moderna Teoria Monetária (MMT na sigla em inglês) e entrar nessa disputa sobre a mais censurada das pautas midiáticas: as editorias de economia sempre cativa dos interesses parasitários de especuladores, financistas, consultores, opinólogos, palpiteiros com caras e bocas e mentirosos sistemáticos defecando teorias tóxicas de ilusão baseada na falsa premissa da teoria neoclássica e outras excrescências. Sugiro, implico, suplico a leitura das obras recentes de David Graeber e Yanis Varoufakis para desmontar as mentiras. Textos pós-2008 de arrependidos da globalização, como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e Jeffery Sachs ilustram a panaceia furada defendida pelo Império na década de ’90 do século XX.

Voltando ao desgoverno Bolsonaro-Guedes, é importante compreender minimamente as facetas visíveis desse projeto distópico onde o Brasil e suas camadas populares se tornam alvos fáceis para o capitalismo em posição mais que predatória. As assimetrias verificadas entre classes numa sociedade, entre países na escala mundo, também se verificam entre empresas de diversas escalas e capitalismos (avançados, tardios, atrasados, periféricos e etc). As ilusões modernizantes deram em nada além de capitulação, não se trata disso. Trata-se de compreender o modelo pinochetista do “super ministro” da Economia proto-fascista, uma versão agigantada da linha chilena e suas terríveis consequências. Quanto mais subordinados estivermos a centros de decisões externos (sendo estes estatais, privados e mesmo multilaterais como FMI e Banco Mundial), mais frágeis seremos como povo e sociedade. É isso, somado com a posição doméstica pró-capital no conflito distributivo, que se trata a “política econômica” de Paulo Guedes. É capitalismo de desastre e financeirizado. E justo por isso deve se impedido e derrotado o quanto antes.

Bruno Lima Rocha (blimarocha@gmail.com) é pós-doutorando em economia política; doutor e mestre em ciência política e professor universitário nos cursos de relações internacionais, jornalismo e direito.

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