Há mais de 100 dias da morte de Luís Ferreira da Costa, 72 anos, o Acampamento Marielle Vive, em Valinhos (SP), deu mais um passo para transformar o luto em luta, com a inauguração da Escola Popular Luís Ferreira. O evento ocorreu neste sábado (2), Dia de Finados.
Pedreiro, Seu Luís ajudou a construir a escola do acampamento, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), onde também aprendeu a escrever até ser vítima de um atropelamento criminoso, aos 72 anos.
O caso ocorreu em 18 de julho no km 7 da Estrada do Jequitibá, onde ele e outros acampados faziam um protesto pedindo água para o acampamento. Eles deixavam o trânsito fluir e distribuíam alimentos e sementes aos motoristas. Mesmo assim, o vendedor Leo Luiz Ribeiro, dirigindo uma caminhonete Hylux L-200, decidiu avançar sobre a manifestação e atingiu Luís em cheio. O assassino foi preso no mesmo dia.
“Na véspera do acontecido, estávamos formando frases com as sílabas ‘gue’ e ‘gui’. Jogamos algumas palavras e ele formou a frase: ‘Eu sou guerreiro’. ‘Eu vou pra guerra’. E na outro dia veio o acontecido, o assassinato dele. Chocou muito a gente. Quando voltamos aqui pra sala, as frases ainda estavam na lousa. Foi muito emocionante”, contou a professora Cicera Alves Bezerra à reportagem do Brasil de Fato na semana passada.
Assim como Marielle Franco, executada no Rio de Janeiro em 14 março de 2018, o pernambucano nascido no sertão do Cariri também foi assassinado por lutar por direitos e se tornou símbolo.
Diploma de alfabetização de Seu Luís foi exibido durante a inauguração, junto a seus instrumentos de trabalho. (Foto: Marina Rara)
O evento foi realizado com a presença massiva de acampados, integrantes de outros movimentos populares e parlamentares. Na abertura, a professora Cicera puxou as palavras de ordem: “Sim, eu posso ler e escrever. Essa é uma conquista do MST”
“Nós estávamos precisando de uma reanimação, e a inauguração da escola nos trouxe isso hoje. Vamos aproveitar esse momento para reabrir as matrículas e continuar. O nome Seu Luís é um nome muito forte, porque ele era um exemplo em todo acampamento, na estrutura, na horta e mesmo na aula, era muito empenhado”, lembra.
O objetivo é que o espaço continue a promover atividades vinculadas à luta pela reforma agrária, assim como cursinhos populares, Educação de Jovens e Adultos (EJA), reforço escolar, aula de idiomas, ciranda infantil e oficinas.
Aleandro da Conceição, 25 anos, é filho de Seu Luís e agradeceu ao MST pela homenagem. “Representa a história de vida dele. Ele sempre quis aprender a ler e a escrever. Acho que ele ficaria muito feliz com nome dessa escola, assim como nós ficamos”.
Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST, participou da inauguração e ressaltou os desafios da conjuntura. “Essa escola tem uma importância e simbolismo muito grande. Entendemos que a luta pela terra é fundamental, mas não é suficiente. É preciso lutar para termos escola e educação de qualidade, principalmente, para o povo que foi afastado do conhecimento”.
A advogada popular Luciana Pivato representou a viúva da vereadora Marielle Franco, Monica Benício, que não pode estar presente.
“O que une o Seu Luís e a Marielle não são apenas os casos de violência, mas o fato de serem lutadores que sonhavam com um mundo mais justo”, ressaltou Pivato, que atua na organização Terra de Direitos.
Perseguição e ameaça
Criado um mês após o assassinato de Marielle Franco, em 14 de abril de 2018, o acampamento que leva o nome da vereadora é construído coletivamente.
Segundo o MST, o terreno tem pouco mais de 130 hectares e abriga 2,4 mil pessoas. Houve uma tentativa de reintegração de posse, mas o Tribunal de Justiça, que cancelou o primeiro pedido de despejo, considerou que não houve comprovação da posse por parte dos supostos proprietários.
Recentemente, foi assinado outro pedido de reintegração, com data de 2 de dezembro. Desta vez, a ordem judicial é considerada mais grave.
“Não foi uma decisão jurídica. Foi uma decisão política. É um jogo de cartas marcadas, porque a elite deste país está unificada para enfrentar os movimentos de trabalhadores”, lamenta Gerson Oliveira, da coordenação estadual do MST. (Marina Duarte de Souza – Do Brasil de Fato)