Em São Paulo – Fica em cartaz até 1 de março de 2020, no Instituto Moreira Salles (IMS), na Av. Paulista, a exposição “Susan Meiselas: mediações”.
Esta retrospectiva da fotógrafa norte-americana Susan Meiselas (1948) reúne obras de 1970 até os dias de hoje. Integrante da agência Magnum desde 1976, Meiselas tornou-se conhecida principalmente pelo trabalho em zonas de conflito na América Central, em especial por suas poderosas fotos da revolução sandinista na Nicarágua.
Cobrindo uma vasta gama de temas – direitos humanos, identidade cultural e indústria do sexo, por exemplo –, ela mistura fotos com filmes, vídeos, documentos e imagens de arquivo para construir relatos que têm os fotografados como protagonistas.
Mediações é a retrospectiva mais abrangente de sua obra, que atravessa o tempo e chama a atenção para indivíduos e comunidades sujeitos à violência e à opressão não só na América Central, como também no trabalho sobre a diáspora do povo curdo ou no projeto com mulheres sobreviventes de abuso doméstico no Reino Unido.
Mais sobre a exposição
Susan Meiselas é especialmente reconhecida no mundo da fotografia pelo trabalho em zonas de conflito na América Central na virada dos anos 1970/80, com destaque para sua cobertura da revolução popular na Nicarágua. Mas Mediações, a maior retrospectiva da obra da fotógrafa, reúne um acervo bem mais abrangente, produzido ao longo de toda a sua trajetória profissional, com mais de 180 fotografias, videoinstalações, cartas e outros documentos de época. A mostra chega ao IMS Paulista depois de itinerar pela Fundació Antoni Tàpies, em Barcelona, pelo Jeu de Paume, em Paris, e pelo SFMOMA, em São Francisco, com curadoria de Marta Gili (diretora da École Nationale Supérieur de la Photographie, em Arles, na França), Pia Viewing (curadora do Jeu de Paume) e Carles Guerra (diretor da Fundació Antoni Tàpies).
Integrante da agência Magnum Photos desde 1976, a fotógrafa notabilizou-se também pela vasta gama de temas e países que inspiraram sua obra. A exposição Susan Meiselas: Mediações apresenta um panorama de quatro décadas de trabalho, misturando as famosas imagens da Revolução Sandinista com fotos de strippers da Nova Inglaterra e uma extensa convivência com a comunidade curda, dentre outras séries.
A convivência com os protagonistas das imagens produzidas por Susan Meiselas caracteriza a artista desde sua formação. Segundo a curadora Pia Viewing, “a maneira pela qual ela se envolve com as pessoas que retrata é essencial em toda a sua obra, pois ‘ativa’ uma forma de intercâmbio com eles, e, assim, desenvolve relacionamentos duradouros com muitas pessoas que retrata”.
Seus trabalhos mais antigos – expostos na primeira sala da mostra do IMS Paulista – já apontavam na direção da empatia e da construção de narrativas conjuntas. Foi assim que ela fotografou seus vizinhos de pensão em Cambridge, Massachusetts. Da mesma forma que, durante 15 anos, acompanhou o crescimento de um grupo de moças de Little Italy, o bairro onde morava em Nova York, para compor a série As meninas da Prince Street. Não menos envolvente foi sua relação com habitantes de uma área na Carolina do Sul em que lecionou fotografia enquanto trabalhava na série Retratos na varanda.
A famosa série Strippers de festivais – atração da segunda sala da exposição – foi seu primeiro grande ensaio fotográfico. Meiselas acompanhou strippers trabalhando em festivais na Nova Inglaterra ao longo de três verões consecutivos, entre 1972 e 1975, e passou a expor essas imagens com gravações em áudio das mulheres com seus clientes e cafetões. “Eu queria ver o mundo completo das strippers de festivais por dentro e também olhando para fora”, diz. “Queria saber o que as motivava.” O tema mobilizou a fotógrafa: “Eu me identifiquei profundamente com as mulheres que sentiam que estavam determinando as próprias vidas. Elas estavam resolvendo a própria necessidade de movimento; há uma certa atitude desafiadora nisso.”
Em 1978, dois anos após ingressar na prestigiada agência Magnum, Susan Meiselas desembarcou na Nicarágua para cobrir a insurreição popular que depôs a ditadura de Anastasio Somoza Debayle. Produziu por lá uma crônica do levante, registrando desde as ações dos civis até os bastidores da guerrilha e as comemorações populares após a vitória. Foi um marco em sua vida e carreira. Durante o mesmo período, capturou a violência da ditadura militar e a guerra civil desencadeada após o golpe de Estado ocorrido em El Salvador, em 1979.
As fotos produzidas durante a Revolução Sandinista são exibidas na instalação Nicarágua: mediações (1978-1982). A obra inclui também páginas de revistas onde as imagens foram publicadas. Ao lado, há uma projeção do vídeo Reenquadrando a história, que documenta uma intervenção realizada por Meiselas e Alfred Guzzetti, em 2004, no aniversário de 25 anos da insurreição. Na ação, eles criaram murais com as imagens da revolução expostos nos locais onde as fotos foram tiradas originalmente.
Há ainda uma sala especial dedicada à famosa foto O homem-molotov, feita há exatos 40 anos, que mostra Pablo de Jesus “Bareta” Araúz lançando um coquetel molotov. A imagem foi publicada na imprensa internacional, tornando-se um símbolo nacional da revolução. Na obra, Susan Meiselas discute as diversas apropriações da foto, reunindo cartazes, camisetas, entre outros meios onde ela circulou. Também há uma entrevista em vídeo com o próprio Araúz, na qual ele comenta o registro.
Com esses trabalhos, Susan Meiselas expandiu os limites do fotojornalismo, refletindo sobre o papel da fotografia na construção da memória coletiva. Esse processo se torna ainda mais evidente em Curdistão (1991-2007). O projeto teve início em 1991, quando a fotógrafa foi ao norte do Iraque para registrar a Operação Anfal, uma tentativa de genocídio contra o povo curdo ordenado por Saddam Hussein. Após documentar as exumações e as ruínas, Meiselas sentiu que suas imagens não eram suficientes para expressar a complexidade do conflito. Começou então a reunir fotos, mapas, documentos e depoimentos sobre o tema.
“O mundo das revistas não está interessado no passado, eles estão interessados no que está acontecendo no presente. Eu não queria ir aos campos de refugiados. Estava interessada no que tinha acontecido nos lugares de onde vieram os refugiados”, conta. A instalação apresenta o material compilado, propondo uma reflexão sobre a diáspora do povo curdo e a luta pela preservação de sua cultura e identidade.
O olhar sobre as mulheres, presente no seu trabalho inicial, aparece em duas outras séries: Arquivos do abuso (1992) e Um quarto para elas (2015). A primeira apresenta cartazes realizados para uma campanha de combate à violência doméstica contra as mulheres, na cidade de São Francisco, Califórnia. Exibidos em pontos de ônibus, os cartazes trazem colagens com fotografias de cenas de crimes e relatórios policiais. Na série Um quarto para elas, Susan trabalha com mulheres sobreviventes do abuso doméstico em uma região pós-industrial do Reino Unido. Ela compõe uma narrativa visual de múltiplas camadas, em que as fotos são mescladas com testemunhos ao lado de colagens criadas a partir de um processo colaborativo.
Encerra a exposição no IMS Paulista a série Caixa de Pandora (1995), feita em um clube de sadomasoquismo em Nova York e que, até certo ponto, pode ser vista como uma sequência de Strippers de festivais. Meiselas relaciona as imagens a cartas dos participantes envolvidos: o gerente, as dominadoras e os clientes. Nesse lugar, descobriu um outro tipo de relação com a dor e a violência, focada em atos controlados que provocam dor autoinfligida.
Como parte da programação da mostra, o cinema do IMS Paulista também exibirá gratuitamente o filme Imagens de uma revolução, dirigido por Meiselas, Richard P. Rogers e Alfred Guzzetti. No documentário, a fotógrafa retorna à Nicarágua para entrevistar as pessoas que conheceu durante o levante, propondo uma reflexão sobre as mudanças históricas e as transformações e os limites da revolução. O filme será projetado ao longo do período expositivo. As datas das exibições serão divulgadas no site do IMS.
A exposição apresenta a ampla produção de Meiselas, pautada especialmente pela empatia e a troca com o outro, como pontua a artista: “Fotografias são encontros pessoais imediatos que duram apenas um momento. Esses encontros podem criar uma ponte para a construção de narrativas maiores que vão além da história pessoal de uma pessoa e tocam uma história nacional ou cultural mais abrangente. A imagem é, então, somente o ponto de partida.”
A entrada é gratuita. Mais informações no site do IMS Paulista. (Carta Campinas com informações de divulgação)