‘Legalidade’ traz história que pedia para ser contada
.Por Wagner de Alcântara Aragão.
Estreou em 26 cidades brasileiras no último dia 12 – e em breve deverá estar em cartaz em salas de exibição em mais municípios – o longa-metragem “Legalidade”, que acima de tudo cumpre uma função social imprescindível para este momento de deturpação dos fatos que o Brasil vem enfrentando.
O filme conta, misturando realidade e ficção, um dos episódios mais importantes da história brasileira, e (por isso mesmo) ainda não difundido da forma que merece. “Legalidade” retrata a resistência popular à tentativa de golpe em 1961, quando o presidente Jânio Quadros renunciou e forças políticas e econômicas conservadoras tentaram impedir a posse do vice, João Goulart.
A resistência, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, a partir do Palácio Piratini, em Porto Alegre, e difundida por uma rede de rádios a partir de transmissões no porão do palácio, foi vitoriosa.
Foram 14 dias de mobilização, sintetizados pelo filme. À medida que o tempo passava e os intentos golpistas se intensificavam – inclusive com ameaça de bombardeios ao Piratini – mais o povo se unia em defesa do cumprimento da Constituição. Gaúchos do interior se dirigiam à trincheira estabelecida na capital. Ainda que sob a concessão da implantação do regime parlamentarista, as forças golpistas se renderam e João Goulart assumiu a Presidência da República.
É verdade que o golpe acabou vindo, em 1964, e foram 21 anos de ditadura. E então a história da Campanha da Legalidade, ou Rede da Legalidade, foi sonegada a gerações. Não aparecia em livros didáticos, não aparecia no noticiário, não aparecia nos debates de televisão, não era relembrada nos jornais. Mesmo com a redemocratização, o episódio nunca foi reverberado, ao menos na indústria da cultura de massa, com a dimensão que fizesse jus à sua importância.
Sobre o filme
“Legalidade” vem preencher essa lacuna. Com competência. Leonardo Machado (que morreu em 2018) interpreta magistralmente Leonel Brizola. Consegue reproduzir a entonação da fala e os gestos do governador com fidelidade, sem cair na caricatura de imitações. Os detalhes de cenário, os objetos de cena, a colorização e a textura das imagens, e a fotografia, tudo muito caprichado, requintado, transporta-nos para aquele início dos anos 1960.
Há também a reprodução de imagens da época, principalmente da concentração popular no entorno do Piratini, o que ajuda na narrativa, deixa a obra mais didática. É como se o diretor, Zeca Brito, fizesse questão de mostrar que, embora parecesse coisa de filme, tudo aquilo era real. Ocorreu de verdade. Sim, não nos contam, mas ocorreu. As inserções deixaram o filme com aspecto de documentário em certos momentos, mas considerando que a Campanha da Legalidade não é um episódio da história brasileira tão difundido, lançar mão do recurso pareceu imprescindível.
Como dito, o filme tem momentos de ficção também, e que se dão em dois núcleos. Um, em torno de um triângulo amoroso entre três personagens – Cecília Ruiz, jornalista, interpretada por Cléo (ela tirou o sobrenome “Pires” de sua identificação artística); e os irmãos Luís Carlos (Fernando Alves Pinto) e Tonho (José Henrique Ligabue).
Outra passagem de ficção se dá em um fato que ocorre em 2004 – a jornalista Blanca (Letícia Sabatella) em busca de informações sobre sua mãe, desaparecida política da ditadura. O problema é que os enredos desses dois núcleos de ficção são diretamente ligados ao enredo central. Passam ao espectador a impressão de que aqueles personagens existiram na vida real e que de alguma forma interferiram no episódio histórico.
De acordo com informações oficiais da produção, o roteiro de “Legalidade” (assinado por Zeca Brito e Leonardo Garcia) começou a ser escrito em 2010. Foram seis anos de elaboração, fundamentada em todos os livros que já publicados sobre a Campanha da Legalidade. A produção da obra é da Prana Filmes e a distribuição, da Boulevard Filmes. A produção executiva é de Luciana Tomasi. (Do Brasil Debate)
Veja trailer: