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‘Peças Fáceis’ parte de estudo ‘sonorocoreográfico’ de músicas de Bach e Petzold num fazer antropofágico, barroco e híbrido

O compartilhamento de saberes e afeto entre duas gerações da dança contemporânea brasileira é celebrado em mais um espetáculo do grupo Pró-Posição: “Peças Fáceis” que será apresentado no dia 10 de agosto, sábado, às 20h, no Espaço Tugudum (rua Maestro Francisco Manoel da Silva, 690 – Jardim Santa Genebra).

(Foto: Paola Bertolini)

Aos 78 anos de idade, Janice Vieira, uma das pioneiras da dança contemporânea no país (que recentemente foi agraciada com o Prêmio Governador do Estado por sua trajetória na dança), sobe ao palco mais uma vez ao lado da filha Andréia Nhur, que aos 36 anos é considerada uma das expoentes da área (professora na USP, coleciona prêmios importantes na carreira como o APCA e o Denilto Gomes).

“Peças Fáceis”, que foi finalista do APCA em 2017, é considerado pela dupla mais um espetáculo que une humor, poesia e engajamento político, tônicas do grupo Pró-Posição (desde sua fundação em 1973 por Denilto Gomes e Janice Vieira e também quando de sua retomada em 2007).

O tema do espetáculo, que parte de um estudo “sonorocoreográfico” a partir de músicas (minuetos) de Johann Sebastian Bach (1685-1750) e Christian Petzold (1677-1733), pode não deixar evidente num primeiro momento o tom político do trabalho, mas é na trajetória da dupla que a militância artística se faz presente e contundente em várias camadas: trata-se de uma bailarina de 78 anos que segue com forte atuação nos palcos brasileiros, de um trabalho ininterrupto e de resistência desenvolvido por um grupo artístico fora do eixo Rio-São Paulo (são cinco espetáculos em dez anos), de um projeto de pesquisa de linguagem desenvolvido a longo prazo (em 2013, o grupo foi laureado com o Prêmio da APCA pela Pesquisa Continuada em Dança).

Janice ressalta ainda que “celebrar o afeto” no mundo atual já é, em si, um ato político. Andréia designa o espetáculo como um “festejo de resistência” num mundo regido pelo modelo neoliberal que pretere “tudo o que demora, o que gera vínculos, o que é perene, em prol de uma prática cotidiana imediatista e descartável”. E o espetáculo dá ênfase justamente a uma outra lógica: “a lógica da persistência, que não se furta do passado, que se orgulha da velhice e se faz em trabalho contínuo, silencioso e diário”. 

“Peças fáceis”, que conta com o apoio do Programa de Ação Cultural (ProAC), da Secretaria Estadual da Cultural, tem como ponto de partida músicas escritas por Bach e Petzold e que tanto Janice como Andréia tiveram contato ainda na infância. Essas composições de contraponto são frequentemente utilizadas no processo de aprendizado de instrumentos musicais.

A dupla tomou como desafio trazer essas músicas ao palco através do corpo. Do corpo que dança e também do corpo que emite sons, já que toda música do espetáculo é produzida pelas próprias bailarinas em cena: seja cantando, tocando um instrumento ou mesmo pelos sons percussivos emitidos pelo corpo, seus grunhidos ou suspiros. A composição “sonorocoreográfica” se dá em duas vias que se retroalimentam: tanto no estímulo sonoro que reverbera no corpo, quanto no movimento corporal que reverbera no som, num amálgama vivenciado com liberdade nos corpos criativos das bailarinas.

No espetáculo, Andréia toca violão e pandeiro, já Janice, castanholas e acordeom. A dupla também canta. “Não somos cantoras ou instrumentistas visando excelência musical, mas bailarinas que musicam sua dança, na busca de um pensamento coreográfico que é sonoro e musical ao mesmo tempo”, reitera Andréia. 

Nas mãos de Andréia, o violão não é apenas um instrumento que emite som, seja por suas cordas ou em seu percussivo corpo de madeira. Com talento e ludicidade, a bailarina parece retirar o violão para dançar em uma coreografia por vezes sutil e graciosa, por vezes dramática e forte. Há algo Chapliniano na composição dramatúrgica da cena. Já com o pandeiro, a artista explora seu caráter sonoro e também o encara como objeto que compõe plasticamente uma cena. O pandeiro se transforma no rosto da bailarina lembrando um quadro de Magritte. Janice potencializa o caráter híbrido da castanhola, que já nasce com dança e som indissociáveis, e embala seu acordeom em um bailado suave e potente.

Para a crítica de dança Helena Katz, a música entra em “Peças Fáceis” como “uma terceira presença”. “Um violão-corpo, um acordeom-corpo, um corpo-pandeiro, um corpo-castanhola”, pontua.

Nos 45 minutos de duração do espetáculo, além de fragmentos de Bach e Petzold, o repertório traz também referências a outras musicalidades: brasileira, portuguesa, espanhola, oriental, num fazer antropofágico, barroco, híbrido. “Peças Fáceis” propõe-se a um dançar polifônico e engajado profundamente com a pesquisa da linguagem da dança.

Vale ressaltar que os laços familiares-artísticos aparecem também em outras contribuições em “Peças fáceis”. O músico Ramon Vieira — irmão de Andréia e filho de Janice — deu a consultoria rítmica do espetáculo. O diretor de teatro Roberto Gill — pai de Andréia e esposo de Janice — fez todo o trabalho de iluminação e colaborou na concepção dramatúrgica. A peça ainda tem colaboração da bailarina Helena Bastos e da musicista Andrea Drigo.

A entrada é gratuita. (Carta Campinas com informações de divulgação)

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