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Ressentindo

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.Por Luís Fernando Praga.

Fui convidado, recentemente, para um sarau, com amigos de esquerda, na casa do meu irmão. Música boa, comes e bebes. Estava ótimo, e agradeço pelo ar esperançoso que pude respirar.

Nesse dia o Rafa, meu sobrinho, me chamou num particular e alertou-me de que, talvez, eu devesse ser menos duro com parentes próximos e amigos de quem acabei por me afastar. Não nego, foi mesmo duro e continua sendo duro demais esse afastamento, entretanto…

Minha decisão nunca foi baseada em desamor, não é inflexível ou vitalícia, e todo o amor que eu sentia por aqueles de quem me afastei, continuo sentindo, desejando o melhor e esperançando que a confiança possa ser reconquistada, só precisa acontecer.

(imagem: erick hrz aguirre )

Minha decisão é baseada no que considero o melhor para a sociedade em que vivo, e, logo, para minha vida. Ela não visa o prejuízo de ninguém. Se me afastei de alguém, não foi para castigar.

É duro dizer, mas, me afastei por considerar que, manter inalteradas certas relações, mesmo aquelas com estreito vínculo afetivo e familiar, seria me omitir de ser eu mesmo, justo na única vida que tenho.

Seguir feliz ao lado de quem escolheu um fascista para o governo, como se isso fosse só a escolha de um assento que não me agradasse no cinema, não foi uma opção para minha vida.

Fingir que nada aconteceu quando eles deram voz e razão à mentira, ao discurso de ódio e a todo tipo de preconceito, abalaria severamente a minha confiança em mim mesmo.

Esquecer que eles se posicionaram em favor de uma direção suicida e assassina para o país, abriria um precedente para que eu me tornasse, pouco a pouco, insensível à vida humana.

Não atentar ao fato de que serão no mínimo quatro anos de sofrimentos, impostos por eles, a mim e a meu país, seria a desatenção mãe da alienação social, e eu não estou disposto a engrossar o coro dos alienados políticos e históricos.

Não me ressentir (sentir, e sentir de novo e de novo…) a cada dia, do fato de que eles foram muito bem alertados, por anos a fio, do caminho equivocado que optaram por seguir, o caminho da opressão, da tortura, das ofensas gratuitas, do entreguismo econômico e da escravidão humana, me tornaria um cúmplice, hipócrita acomodado na desgraça. Eu não quis.

Cegar-me para o fato de que eles foram usados por uma elite escravagista, com a única finalidade de manter os luxos e as regalias da exploração do povo por essa elite, seria abrir mão de minha condição de enxergar; e eu não abri mão disso.

Negar que eles optaram por defender o mais rico e poderoso, desprezando a humanidade de quem não “prospera” no jogo do capitalismo, seria desprezar minha própria humanidade.

Não perceber que eles se posicionaram ao lado da grande e superpoderosa mídia, dos políticos mais comprometidos com os interesses da elite e do retrocesso, ao lado de um judiciário (o mais injusto que já houve) mais onipotente que deus, seria abrir mão de informações históricas essenciais para quem vive a fim ser feliz e de melhorar o mundo em que vive.

Fazer-me de morto perante o fato de que eles ainda “argumentam” com fake news, com preconceitos, com o ódio vingativo, com a empáfia hipócrita de quem não quer se misturar e com a soberba fanática de quem se acha mais filho de deus que seus irmãos, seria, sim, “passar a mão na cabeça” de gente perigosa, e eu quis não me submeter a isso.

Eu não os culpo, porque não despejo culpas sobre as costas dos outros, entretanto, é claro, eu os responsabilizo pela atual e deprimente situação de nosso país.

Se eu deixasse tudo pra lá, jamais me lembraria de que foram eles os que acreditaram em Aécio Neves, herdeiro de um lobby político com raízes na década de 1930, herdeiro bilionário de banqueiros e intimamente envolvido com a corrupção e o tráfico internacional de drogas, quando este perdeu a eleição de 2014 e deu a solução mágica para o país: Tirar o PT.

Foram eles que, como fiéis cordeiros do Senhor, xingaram a Dilma de tudo o que já foi inventado em termos de palavras baixas, foram eles que bateram panelas para derrubar um governo legítimo, foram eles que fizeram piada com a morte da Marielle, da Dona Marisa e do netinho do Lula, e foram eles que legitimaram o ódio como um desejo nacional. Foram eles que elegeram o fascista, foram eles que votaram pela entrega do Pré-Sal, pela pilhagem dos direitos trabalhistas e por essa monstruosa reforma da previdência.

Foram eles que votaram num ignorante contrário à educação e à ciência; eles votaram pela disseminação de ignorâncias, das armas e dos preconceitos mais estúpidos.

Eu me lembro, havia um professor na disputa…

A responsabilidade histórica pelo nosso atual retrocesso e desgoverno é muito deles e ninguém tira.

Mas, não quero me eximir de minhas responsabilidades históricas. Estou disposto a enxergar meus erros, para, só assim, conseguir corrigi-los. Eu busco o diálogo, pois penso que só o diálogo nos tornará um povo autônomo e unificado em nossas reivindicações mais democráticas, porém, busco o diálogo onde ele me pareça possível, e, para mim, o diálogo só é possível com quem já assimilou o óbvio.

Que fique claro para todos, especialmente para meu pai e minha mãe (cujo sofrimento, quando filhos se afastam, sou bem capaz de imaginar) que eu não deixei de amar! Aquilo em que mais creio é no potencial do amor como ferramenta transformadora de pessoas e do mundo.

Às vezes, quem ama precisa endurecer. Eu não perdi minha ternura.

Sigo amando as pessoas, estou aberto e receptivo à reconciliação, mas, não estou cego nem amnésico.

É por isso, Rafa, meu sobrinho, mãe, pai e entes queridos, que sim, o afastamento foi uma decisão minha e eu assumo todo o desgosto e o constrangimento embutidos nessa decisão, mas não vejo motivos para a reconciliação enquanto os motivos para o afastamento ainda poluírem o meu ar, enquanto os envolvidos não perceberem a gravidade do ocorrido, enquanto não assumirem que prejudicaram, diretamente, a eles próprios, a mim, ao Brasil e ao Planeta todo, com sua postura desastrosa.

Então, enquanto a vida for minha, não haverá reconciliação com o retrocesso e a injustiça social! Não haverá reconciliação com o fascismo e o desprezo por gente! Não haverá reconciliação com o esquecimento da História!

Não haverá reconciliação até que assumam sua dificuldade monstruosa em aceitar que erraram e em dar nome às suas próprias imperfeições.

Até lá, que os cientes sigam unidos, fortes e amando!

Luís Fernando Praga mantém a Coluna Flexível com crônicas em prosa e verso, além de atuar como médico veterinário.

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