Em São Paulo – Expoente da arte contemporânea brasileira, José Leonilson (1957-1993) é autor de uma obra singular e autobiográfica. O artista cearense radicado em São Paulo tomou os sentimentos, a sexualidade e as relações amorosas de si e daqueles que o cercavam para refletir sobre a condição humana. Como páginas de um diário, seus trabalhos expunham aquilo que tinha de mais íntimo e de mais sensível. Até o dia 19 de maio, o público poderá conferir de perto seu universo em Leonilson: arquivo e memória vivos, na Galeria de Arte do Centro Cultural Fiesp.
Com curadoria de Ricardo Resende, a mostra reúne mais de 120 obras, várias inéditas, entre pinturas, desenhos e bordados, parte delas restrita por décadas a coleções particulares e institucionais, pouco ou nunca antes vistas em São Paulo. A seleção apresentada é resultado da pesquisa e publicação do catálogo raisonné do artista, lançado em 2017. Por ocasião da exposição, será lançado e comercializado pelo Projeto Leonilson um trabalho inédito, de edição póstuma: uma linoleogravura sobre papel japonês, com 100 exemplares numerados*.
“O trabalho de Leonilson é excepcionalmente sensitivo. É no uso do repertório gráfico que ele expressa a sua visão de mundo, inconfundível no manejo dos símbolos, no desenho das palavras, no formato dos textos e nas histórias que criava”, afirma o curador, para quem o artista constituía uma cartografia imagética do afeto. “Ao mesmo tempo que toca pela delicadeza e simplicidade dos materiais utilizados, por outro lado fere como uma punhalada com suas verdades incontestes”, completa Resende.
De caráter retrospectivo, tal como no catálogo raisonné, a exposição divide-se em três núcleos cronológicos, acompanhando a carreira do artista: anos 1970, anos 1980 e, por fim, os anos 1990 (Leonilson faleceu jovem, aos 36 anos de idade, em decorrência da Aids).
Da fase inicial, a exposição traz o primeiro trabalho do artista de que se tem conhecimento: uma pintura sem título, datada de 1971, que traz o desenho de um peixe. Leonilson tinha apenas 14 anos quando pintou a tela em acrílica, provavelmente executada para a disciplina de Educação Artística do antigo curso ginasial. É daqueles trabalhos que ficariam guardados como lembrança, como se estivesse esperando para ser resgatado no futuro e pudesse vir a despertar interesse para a compreensão do conjunto de sua obra.
A década seguinte marcou a segunda fase da carreira do artista, coincidindo com o abandono da universidade e a sua participação em exposições institucionais, no Brasil e no exterior. Desta fase, nota-se a presença constante de desenhos de montanhas, imagens que se repetem ao longo de sua obra. Ora surgem sozinhas, ora aparecem em dupla.
Tal como vulcões, ilhas, rios e cachoeiras, as montanhas aparecem como símbolos que modelam os eventos psíquicos de Leonilson e podem também ser vistos como autorretratos. Um conjunto dessas representações, que para o curador tem o sentido de proteção para Leonilson, foi selecionado e organizado no centro do espaço expositivo. “Tal como uma pausa, silêncio que inspira e acalma todo o entorno constituído pelos demais trabalhos”, pontua Resende.
A terceira e última fase de Leonilson é a mais cultuada pelos críticos de arte. Momento mais intenso e dramático de sua obra, o artista toma coragem para tratar de sua doença e da morte – temas ainda hoje tabus. Seus trabalhos tornam-se então dilacerantes: por meio de palavras, desenhos e figuras, Leonilson expressa uma dolorosa ansiedade quando defronte à finitude de sua vida.
O bordado 1.a., c. 1991, é um dos muitos autorretratos que o artista executou ao longo dos seus pouco mais de 13 anos de carreira. O recurso da palavra é mínimo, como se quisesse deixar toda a extensão do trabalho para esta pequena inscrição no lado esquerdo. Seu significado, entretanto, não se sabe ao certo. O número um, ponto, a letra a e o ponto final, podem significar juntos alguma data – talvez de um relacionamento, de uma paixão ou mesmo da enfermidade que ocupava seu corpo.
O período é marcado por uma simplificação minimalista que reduz os objetos, as formas e as cores em poucas ou únicas palavras a darem um sentido ao estado da alma, em ações e em pensamentos. Uma invenção romantizada e melancólica de sua autobiografia, com os pequenos sentimentos desenhados e pintados, expondo o espírito de sua época.
Ainda no espaço expositivo, a exibição em looping de Leonilson, sob o Peso dos Meus Amores, média-metragem de Carlos Nader que traz entrevistas com figuras próximas ao artista, entre as quais a irmã Ana Lenice da Silva, a amiga Leda Catunda, e os curadores Adriano Pedrosa, Lisette Lagnado e Ricardo Resende.
Nascido em Fortaleza, em 1957, Leonilson mudou-se com a família para São Paulo ainda pequeno e logo cedo começou a demonstrar interesse pela arte. Fez cursos livres na Escola Panamericana de Arte e cursou Artes Plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado, largando o curso incompleto para iniciar sua trajetória artística.
Na década de 1980, fez parte do grupo de artistas que retomou a prática da pintura, conhecido como “Geração 80”. Participou de importantes mostras no Brasil e no exterior, como Bienais, Panoramas da Arte Brasileira, e a emblemáticaComo vai você, Geração 80?.
Viajante apaixonado, Leonilson morou na Europa durante um período de sua vida e viajava frequentemente pelo Brasil e pelo exterior, mantendo-se sempre em contato com os movimentos que agitavam o cenário cultural-artístico da época.
O artista faleceu jovem, em decorrência do vírus HIV, na cidade de São Paulo, em 1993, aos 36 anos de idade. Sua obra e memória é preservada pelo Projeto Leonilson, associação comandada pela família do artista, que cataloga sua obra e promove exposições em parceria com diversas instituições.
Leonilson deixou cerca de 3.400 obras, além de múltiplo acervo documental. Em 2017, com apoio da Fundação Edson Queiroz, de Fortaleza (CE), o Projeto Leonilson lançou um catálogo raisonné, publicação que apresenta a obra completa do artista, com informações catalogadas desde a sua morte. Na ocasião, a exposiçãoLeonilson: arquivo e memória vivos foi apresentada no Centro Cultural Unifor, na capital cearense. (Carta Campinas com informações de divulgação)
Exposição Leonilson: arquivo e memória vivos
Período expositivo: de 20 de fevereiro a 19 de maio de 2019
Horários: de terça a sábado, das 10h às 22h e domingos, 10h às 20h
Local: Galeria de Arte do Centro Cultural Fiesp
Endereço: Avenida Paulista, 1313 – Cerqueira César (em frente à estação Trianon-Masp do Metrô)
Agendamentos escolares e de grupos: ccfagendamentos@sesisp.org.br
Entrada gratuita. Mais informações em www.centroculturalfiesp.com.br