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A origem dos crimes ambientais da mineração como os de Bento Rodrigues e Brumadinho

Mineração: como nascem crimes ambientais como Bento Rodrigues e Brumadinho

.Por Sandro Ari Andrade de Miranda.

O Brasil produz anualmente 396 milhões de toneladas de ferro (IBRAM, 2016). É o segundo maior produtor do mundo, perdendo apenas para a Austrália. Segundo dados de 2011, 85% desta produção era exportada, especialmente para a União Europeia e para a China, sem nenhum tipo de processamento. Tais dados referem-se ao apogeu da indústria nacional, em pleno desenvolvimento das políticas do PAC e do Pré-sal. Hoje, com a nossa economia em recessão, o consumo é muito menor e as exportações já superam 90%. Se fizermos uma projeção com as políticas de pleno emprego de 2014, o Brasil poderia cortar pela metade a produção de ferro e a economia nacional seguiria normalmente. Retorno mais adiante.

(foto corpo de bombeiros mg)

Outro exemplo de metal cujo Brasil domina o mercado é o Nióbio, 98% da produção mundial é brasileira e em apenas 2 minas (Catalão e Araxá). O Mercado está abastecido pelos próximos 40 anos e não há necessidade de expansão na produção. O metal sai do Brasil ao custo de R$ 16 o Kg e é vendido na Bolsa de Londres a US$ 1.2000 o Kg. Como se observa, existe um esquema de sonegação fiscal gigantesco no comércio de nióbio que não é investigado.

Outro produto muito consumido no mercado nacional é o titânio. Aqui é impossível definir a real necessidade do país, pois ele exporta e importa titânio em relação de equilíbrio. Pelo menos em um dos metais produtores do titânio, o rutilo, o Brasil é autossuficiente e possui elevadas reservas. Quanto à Ilmenita, disputa com a Austrália um mercado mais amplo.

Como se observa, não existe nenhuma necessidade de expansão nas cadeias produtivas de metais e, em pelo menos duas, o Brasil pode até reduzir a produção sem nenhum prejuízo interno. A redução da produção não é uma novidade, os países OPEP fizeram isto diversas vezes para combater o baixo preço do petróleo das Bolsas Internacionais. Não acredito que uma diplomacia subserviente e isolacionista, como a nossa atual, seja capaz de enfrentar o poderio das grandes potências e barganhar vantagens econômicas para o país. O discursos patético de Bolsonaro (PSL/RJ) em Davos, na Suíça, é o maior símbolo disto.

Mas porque tantos problemas acontecem com um segmento onde o país é praticamente autossuficiente e produz sem necessidade?

Daí é necessário um pouco de estudo histórico, uma análise técnica e uma crítica pesada aos nossos sistemas de mineração e de falta de controle ambiental, dento de uma lógica sistêmica

1º) A Internacionalização do Capital da Indústria de Mineração

Não existe nenhuma empresa de mineração que detenha capital 100% nacional. Ao contrário, em alguns segmentos, como o Nióbio, o peso do capital internacional é superior a 90%. Não é à toa que este é um setor escandaloso, campeão em subempregos, crimes ambientais, dano à saúde e, principalmente, SONEGAÇÃO FISCAL. As holdings nacionais vendem nióbio a valores irrisórios para as sedes, agregando renda para outros países.

O nióbio sai hoje do Brasil com um valor de menos de 0,0001% do seu preço internacional. Isto é um escândalo que não passa na mídia. Só a sonegação fiscal do nióbio pagaria todo o deficit nominal anual do orçamento da União sem prejudicar nenhuma política social. Mas não parece ser esta a preocupação do atual governo, cujo foco é na expansão da produção e consequente desvalorização do produto em mercado saturado.

Outra questão que envolve o nióbio é o seu consumo ético. Se metade da produção vai para a construção de tubulações de petróleo, a outra vai para a indústria bélica. Em síntese, o Brasil financia crimes contra a humanidade, como a invasão de Israel à Cisjordânia e Gaza quando não discute o uso ético do nióbio no mercado. Uma coisa é produzir energia, outra é produzir armas (especialmente tanques e foguetes) e colocar a própria segurança do país em jogo.

Se o Brasil tomasse conta da definição do preço do nióbio e estatizasse a produção, poderia reduzir esta, sem nenhum prejuízo, pois consome menos de 10% da sua produção anual.

Quanto ao Ferro e ao Titânio, nada muda, quem manda no mercado é o capital internacional, especialmente depois da privatização da Vale do Rio doce na década de 1990 por um preço escandalosamente baixo. A Vale mantém 85% do mercado do ferro e somada à sua holding Samarco, chega a 90%. É um monopólio que degrada o ambiente, destrói vidas, invade territórios tradicionais e não deixa nada ao país, salvo um imenso passivo ambiental.

2º) Violação do Território das Comunidades Tradicionais

A Resolução 169 da OIT, incorporada ao nosso ordenamento jurídico em 2004, DETERMINA a obrigatoriedade de manifestação dos povos indígenas e das comunidades tribais/tradicionais para aprovar ou não o desenvolvimento de qualquer atividade econômica em seu território. Sinceramente, não conheço nenhum processo de grande mineradora que tenha observado este rito e isto importaria na anulação de várias licenças ambientais, pois entre os povos tribais estão todas as comunidades tradicionais, como quilombolas, mateiros, pescadores artesanais e extrativistas de todos os tipos. Além disso, o território não precisa estar demarcado para a aplicação da Resolução, basta existir a posse ou a referência. O caso lapidar foi o licenciamento ambiental da mineração de titânio em São José do Norte/RS, onde o IBAMA simplesmente omitiu-se de colher a manifestação das comunidades tradicionais que ocupam a região e o entorno há 300 anos, mesmo assim atestou a viabilidade de empreendimento minerário de areias pesadas em processo que é nulo.

3º) As absurdas barragens de rejeitos a montante

Construir uma barragem de rejeitos a montante, dentro de uma bacia hidrográfica, é um convite para a morte. Qualquer vazamento vai contaminar rios, córregos ou, em casos extremos como Mariana e Brumadinho matar em escalas gigantescas. Embora o princípio da precaução já se imponha, assim como o da razoabilidade e da finalidade, os órgãos ambientais continuam aprovando estes projetos genocidas porque são mais baratos. Há um erro grave nesta interpretação: a melhor medida não é a mais cara, mas também não é a mais barata, e sim a mais adequada. Para resolver o problema do excesso de discricionariedade, quando não má-fé dos responsáveis técnicos, o Brasil deveria proibir barragens de rejeitos com locação a montante.

4º) A falta de estudos locacionais de lavras

Este é outro problema gritante. Embora a Lei imponha o estudo locacional, nem as empresas, nem os órgãos ambientais adotam tal exigência em relação às lavras. Um projeto de mineração de areia possui impactos locais, assim como a argila, é muito fácil estudar alternativas locacionais. Já um processo de mineração de metais, possui escala nacional ou regional. Portanto, existe possibilidade de estudar alternativas menos impactantes, menos sensíveis ambientalmente, com menores danos aos territórios tradicionais e menor possibilidade de contaminação de bacias. Mas isto não ocorre.

As empresas alegam que o regime de concessões do DNPM limita a possibilidade de registro de lavras, o que é uma mentira deslavada. Um processo de mineração de metais envolve bilhões de reais e exige algum tempo de planejamento, isto permite registrar, com antecedência 3 regiões potenciais de lavra. As empresas não fazem isto e tentam impor a aprovação dos seus projetos a todo custo. O ideal seria o próprio DNPM apreender com a ANP, licenciar previamente as áreas próprias para lavra e dai realizar um leilão. Isto reduziria a burocracia e os impactos drasticamente e ainda renderia um bom valor ao país com a outorga. É uma medida tão simples que chega a ser vergonhosa a sua não adoção. O atual modelo, criado ainda nas décadas de 1940 e 1950, além de proporcionar absurdos, é um convite à corrupção pela falta de transparência.

|De qualquer forma, a ausência de estudo locacional da lavra é razão suficiente para decretar a nulidade da licença ambiental já na fase de viabilidade.

5º) A Falta de Planejamento das Emergências Ambientais

Grandes projetos de mineração exigem rigorosos planos de emergências ambientais, e isto inclui a disponibilidade imediata de toda a logística e os equipamentos de segurança de forma imediata. Estou indo além das sirenes que não funcionaram, a coisa é bem mais grave, não existe nenhum planejamento de emergência.

Tanto em Brumadinho como em Mariana, os rejeitos tóxicos foram lançados nos corpos hídricos sem a adoção de nenhuma barreira de contenção. Em Brumadinho é muito pior, pois o caso é recente e já havia o crime de Mariana como exemplo. Em situações de emergências, a empresa deve apresentar “n” alternativas de enfrentamento da crise, mas isto não aconteceu. Quem salvou vidas foram os corpos de bombeiros e hospitais públicos. A Vale simplesmente se omitiu da sua responsabilidade e, até hoje, não adotou nenhuma medida de contenção de rejeitos, já tendo matado mais de 120 km do Rio Paraopeba.

6º) Realmente precisamos de tantas lavras?

Esta é uma pergunta que ninguém faz mas é fundamental. O Brasil precisa de tantas lavras de mineração? O dinheiro que é gasto nestes projetos do século XIX poderia ser redirecionando para outros modelos mais sustentáveis e rentáveis, como a biotecnologia. Cada despejo de rejeito tóxico no ambiente significa um enorme prejuízo em termos de perda de biodiversidade. Ocorre que o nosso pensar econômico está assentado em parâmetros do século XVI, ninguém ainda percebeu que a crise ambiental e a crise climática modificaram a economia. A inflação causada pelas mudanças climáticas é uma realidade, afetando desde a produção agrícola até o mercado de alta tecnologia. Entretanto, continuamos assentados em modelos que foram superados pelo tempo. Talvez por preconceito, talvez por cegueira ou pela mais pura má-fé.

Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado, mestre em ciências sociais.

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