.Por Luiz Carlos de Oliveira.
Há 20 anos não andava pelos corredores da Universidade Católica de Campinas. Embora vazios, meus pensamentos lotaram cada vão da Faculdade de Comunicação e me levaram de volta aos tempos de estudante tardio. Passando pelas salas pude ouvir as marteladas secas das Remingtons e Olivettis nas aulas de textos jornalísticos; as luzes avermelhadas do laboratório de fotografia em PB (preto e branco) invadiram meus olhos.
As salas tinham tamanhos distintos. Em uma delas, talvez a maior, havia grandes mesas ocupadas por futuros arquitetos de jornais impressos (ou não) para o aprendizado de diagramação, utilizando-se de réguas e outros instrumentos de medidas, papéis e canetas, em uma época que aplicativos para editoração eletrônica (DTP) já existiam há pelo menos 10 anos. Antes das aulas práticas, todos deviam ler o livro de Rafael Souza Silva (Diagramação, o planejamento visual gráfico na comunicação impressa).
No andar de cima, ficavam o estúdio de televisão e de rádio, além das ilhas de edição. Descendo as escadas, à esquerda, era o laboratório de informática e à direita a cantina que ficava bem junto ao DCE (Diretório Estudantil) onde funcionava uma rádio comunitária bastante atuante. Ainda no térreo, à esquerda, o teatro para aulas de expressão oral de onde podia-se ouvir os motores dos carros e ônibus que chegavam e que iam embora. E o vento soprava, castigando, cortando…
Grande parte dos professores, se não todos, dividia o seu tempo entre a docência e o trabalho nas redações de grandes jornais e grandes emissoras de rádio e televisão. A faculdade formava para o mercado de trabalho, mas sempre com a preocupação de introduzir a Ética, a Filosofia e a Religião em todos os cursos. As aulas aos sábados: Antropologia Teológica.
Da sala utilizada podia-se alcançar a pequena Capela que oferecia um espaço sagrado para o encontro com o Divino e também missas regulares pelo menos uma vez por semana. “A Vida na Verdade: a poética política de Vaclav Ravel”, do padre José Antonio Trasferetti, era a prova viva da esperança que nasce em terra árida, recalcitrante.
Nem todos os alunos estavam na faculdade pensando apenas no mercado de trabalho. Era comum ouvirmos dos professores que o mercado era cruel, mas que era possível um embate, agir nas brechas do poder para garantir uma sociedade plural, justa e solidária.
Os professores da resistência mostravam um mundo diferente, mas nas aulas práticas o que tínhamos era a imitação grosseira do modus operandi que aprisiona as almas diletantes, que impulsiona o ciclo vicioso escravocrata dominado pela Igreja e pelo Estado.
Longe 20 anos, é possível verificar as diferenças entre o que propunha a faculdade e em que, de fato, nos transformamos. A faculdade é vitoriosa, a sociedade é vitoriosa, a Igreja e o Estado estão felizes.
Na colação de grau que participo, o antigo prevalece no cerimonial requintado. Pela primeira vez, soube que a faculdade tinha um hino. Homenagens, piadas internas e declarações de amor institucional dão o tom celebrativo, embalado por canções de língua inglesa que ninguém dá atenção por causa da música chiclete apresentada ao vivo por um violinista (Despacito).
Estamos em uma colação de grau de uma escola de Comunicação que cresceu até o ponto de se tornar um Centro de Linguagens, na semana de morte do jornalista Ricardo Eugênio Boechat. O Ministério da Educação acaba de declarar a morte das faculdades “para quem precisa contribuir com o mercado de trabalho” e a volta da educação moral e cívica para que os brasileiros reconheçam “os verdadeiros heróis do Brasil”.
As palavras do Ministro colombiano ainda repercutem: “A universidade não é para todos”, somente para os intelectuais; os brasileiros, viajando, “são canibais, roubam os hotéis”. Apesar da gravidade do momento e das declarações, nenhuma palavra a respeito foi dita na cerimônia. Quem sabe, tortamente, o Ministro tenha até alguma razão.
Luiz Carlos Oliveira é Jornalista