.Por Marcelo Sguassábia.
– Se você fosse assim, um grande vulto como diz, não estaria aqui vendendo pastel.
– Você fala de um jeito… vergonha é vender pastel ruim. O pessoal vem aqui comprar ouro com recheio de carne, queijo e palmito, meu amigo. Estou muito bem com meus 50 mil por dia.
– 50 mil reais?
– Não, 50 mil pastéis. A 3 reais cada um. Faz as contas.
– Nossa! Tá de brincadeira…
– Tendo em vista que 100% da humanidade considera o pastel frito a iguaria das iguarias, e sendo eu o autor do melhor pastel do mundo, não tenho do que reclamar… Meu amigo, a verdade é que muitos buscam a Deus, mas a maioria acaba cansando, baixa um pouquinho a expectativa e vem buscar pastel comigo.
– Mas…
– Ainda assim, fazem pouco do nosso ofício. Por exemplo, quando as pessoas usam a expressão “fritar pastel” no sentido figurado, querendo significar algo realizado às pressas, que se faz de qualquer jeito. Nada tão longe da verdade, pelo menos no meu caso. Se bem que, por outro lado, eu até acho bom que os outros pasteleiros “fritem pastel” mesmo, assim eu me sobressaio ainda mais. Existem pastéis e existe o meu pastel, compreende?
– E a garapa da sua banca? Vai me dizer que também é a melhor do sistema solar?
– É a única à altura da minha obra-prima. Mais cremosa, impossível. Tem Certificação ISO desde 2002 e título de patrimônio imaterial da humanidade, pela Unesco.
– Espera aí, eu acho que…
– E digo mais: tá vendo aquele quadrinho do lado do alvará da prefeitura? É o autógrafo do Paul McCartney. Quando veio aqui pediu só de palmito, porque é vegetariano. Depois de se entupir, tirou foto com os empregados e saiu com dois rolos de massa de pastel debaixo do braço. Toda quarta, às quatro e meia da manhã, o Alex Atala aparece na minha barraca. Disfarçado, mas vem. Pede sempre dois de carne, um de palmito e se empapuça de garapa direto no bico da jarra, nem pede copo. Outra freguesa firme é a Glorinha Kalil. Mas essa eu nunca vi, a gente entrega a encomenda em casa. O Caetano, quando vem fazer temporada em São Paulo, liga pedindo uma boa remessa pro camarim dele. Aliás, numa das nossas conversas ele jurou que a minha banca fazia parte da letra de “Sampa”, mas no fim ele teve que tirar porque não dava rima…
– Mas você concorda que eles não admitem publicamente o vício do pastel, certo?
– Olha, você pensa o que quiser. Sua inveja não vai diminuir minha fama e nem minha autoestima. No tempo em que você está aí me atirando pedra, a assessoria da Dilma me manda torpedo pedindo pra entregar duas dúzias no salão do Wanderley Nunes, para a ex-presidente dar uma forrada enquanto corta o cabelo.
– Tá, no seu caso a distinta freguesia é distinta mesmo. Então porque não faz uma versão “select” da banca, com pastel de caviar e Prosecco?
– Porque ia ser um fiasco. A graça está na comida suburbana, no delito que a celebridade comete comendo de pé, com o sol castigando a carcaça, mosca pousando no nariz e correndo o risco de ter uma intoxicação alimentar por causa do vinagrete vencido. Se você quer saber, usar palito de dente é quase um fetiche sexual pra esses endinheirados. Aqui eles ficam mais à vontade que no banheiro das casas deles. E ainda tem a perspectiva de serem pegos pelos paparazzi, o que aumenta a adrenalina da empreitada. Eles gostam de correr perigo… e aí, mais um de queijo?