O clima agressivo e por vezes violento que domina o cenário político brasileiro já chegou aos divãs dos psicanalistas de todo o Brasil. Mas uma pergunta que muitos se fazem ao deparar com o clima algo bélico do processo eleitoral de 2018 é como chegamos a esse estado de coisas?
A questão não sugere respostas fáceis, como as que são vendidas atualmente para problemas complexos no debate público. Para o psicanalista Christian Dunker, professor titular da Universidade de São Paulo (USP), é preciso voltar ao processo iniciado em 2013, quando multidões mostraram seu descontentamento e insatisfação com as instituições nas ruas, e que teve outro ponto crucial no impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. O terreno estava pronto para que parte do sentimento de indignação se transformasse em ódio.
Quando esse discurso passou a ser manipulado por segmentos que fizeram desse afeto seu principal ativo, muitos acabaram se retirando das discussões incorporadas à redes sociais, por omissão ou medo. E isso teve consequências, observa Dunker. “O que acontece quando a gente deixa alguém falando sozinho? Essa pessoa começa a falar mais alto, começa a ter que confirmar suas crenças se orientando para fora de si, literal e metaforicamente, para conquistar e para confirmar a certeza que já possui.”
E estes que começaram a falar mais alto passaram a ser ouvidos por muitos que não tinham ou não têm quaisquer pendores fascistas, mas que são levados pelo comportamento de massa. “É um discurso que puxa para fora aquele pequeno fascista que existe dentro de todos, extrai da gente algo que é o nosso pior. E isso é difícil combater porque se está lidando com pessoas normais, só que essas pessoas normais estão em um determinado modo de funcionamento, uma dada montagem, que estudamos como funcionamento em escala de massa. E na massa, posso estar até sozinho, pode estar lá eu e meu Twitter, mas estou pensando como uma massa. Então, o que acontece é uma regressão cognitiva.”
Na entrevista abaixo, o professor da USP fala sobre o contexto que impulsiona as pessoas a buscarem a figura paterna ou, nos dizeres do filósofo alemão Theodor Adorno, do “pequeno grande homem”, que é alguém comum, como nós, e que vai poder fazer “justiça com as próprias mãos” como seríamos impelidos a fazer em determinadas situações.
Christian Dunker também fala sobre o que devemos fazer para além do processo eleitoral como forma de sair dessa situação quase bélica. “O cuidado que a gente não teve com as relações e com as palavras, agora vamos ter que ter redobrado.” (Da RBA, veja entrevista completa de Glauco Faria aqui)