.Por Luís Fernando Praga.
Um observador isento, alguém que olha de cima, enxerga o seguinte panorama:
Um país dividido às vésperas da eleição.
Um homem preso, que detém o maior índice de intenção de voto, acusado pela mídia, por uma parcela de políticos e da população, de ser o chefe de uma grande organização criminosa.
Entretanto, a justiça que prendeu esse homem só o prendeu sob a acusação de que ele tivesse sido favorecido na aquisição de um apartamento que jamais esteve em seu nome ou em suas mãos.
A justiça que prendeu esse homem, assim como a mídia que o desqualifica a todo tempo são omissas e condescendentes para com os políticos que o incriminaram, que ainda o condenam e ofendem; e sobre os quais pairam graves acusações e provas concretas.
Outra parcela da população, assim como grande parte das comunidades jurídica, científica, artística e docente não confiam na mídia, na justiça, nos políticos nem na parte da população que acusa em tom prepotente e ameaçador. Para este lado da polarização, de pouco valem novas acusações partidas de pessoas e instituições cuja credibilidade se perdeu.
Os que acusam se consideram defensores da moral, pois pensam que é preciso condenar e punir o “bandido” que tanto os prejudicou, independente do fato de que uma grande quantidade de amigos, parentes, juristas locais e estrangeiros, jornalistas renomados locais e estrangeiros, personalidades do mundo todo, vencedores de prêmios Nobel da paz, o Papa e até a ONU aleguem que há injustiça, abuso de autoridade e parcialidade no julgamento.
Sensíveis à percepção de que insistir numa condenação tão questionada, no castigo a qualquer custo e numa hostilidade tão cega, de forma tão unilateral e alheia a tantos alertas e argumentos é um comportamento de manipulados ou de hipócritas e não de “detentores da moral”, as pessoas que consideram que o homem está preso injustamente, sob a força de um golpe de estado (logo, é um preso político, injustamente privado de ampla defesa), afastam-se, gradativa e crescentemente, daqueles dominados pela certeza de que o homem preso precisa continuar preso e ser ainda mais castigado.
Aquele lado se coloca em pé de guerra, temendo que os defensores da inocência do homem preso (novamente: a ONU, o Papa, o Noam Chomsky, eu, o Bono Vox, minha mãe, meu pai, meu irmão, o Chico Buarque, a Monja Coen, a Madona etc.) sejamos perigosos defensores de bandidos, que possamos eleger o candidato do homem preso (“o chefe de uma grande organização criminosa” que nem conseguiu passar a mão naquele apartamento inacabado e de classe média que usaram para prendê-lo). Temem que venhamos a libertar o homem que consideramos inocente e, assim, instalar a desordem, a corrupção, a bandalheira, a “pouca vergonha” e o banditismo no País.
Para evitar a tragédia de recolocar no poder o partido do homem preso, que, quando esteve no governo, pagou a dívida externa, descobriu e explorou o pré-sal, amenizou o flagelo de uma seca secular ao transpor as águas do Rio São Francisco pelo sertão nordestino, colocou a economia do País na inédita 6ª colocação do ranking mundial, criou o Bolsa Família, criou o Prouni, o Pronatec, o Ciência sem Fronteiras e assumiu o compromisso de destinar os lucros oriundos da exploração do pré-sal às áreas da saúde e da educação, promoveu um período de harmonia popular, e saiu do governo com mais 80% de aprovação popular; o lado que tem a certeza de que este homem é um grande criminoso internacional escolheu apoiar um homem “de moral”.
Esse lado, que condena intransigentemente e desconsidera o princípio do “in dubio pro reo”, a fim combater os defensores de “bandidos” (o meu lado), escolheu um homem “de moral”, um militar da reserva que serviu o exército por 17 anos (1971 a 1988) e que entrou na reserva após ter sido condenado por unanimidade, num tribunal militar, à perda do posto e da patente, em 1988, devido a seu plano de explodir bombas no quartel em que prestava serviço, como forma de pressionar por melhores salários para sua categoria. Posteriormente, a pena foi abrandada e a punição foi só entrar para o corpo da reserva do exército, com a patente de Capitão.
Esses que não querem ver, nem pintado de ouro, aquele nordestino barbudo e nascido na miséria, que elevou o Brasil à condição de potência respeitada no mundo, como jamais fora antes e como já não é mais hoje, escolheram, para dirigir o País e impedir que o mal prospere, aquele militar honesto da reserva, que não abre mão de seu auxílio moradia, que já usou seu auxílio moradia para comer gente, que, há vinte e sete anos recebe benefícios do exército e do congresso nacional, que está, há mais de vinte e sete anos, defendendo a tortura e os torturadores, a ditadura e os ditadores, o discurso misógino, o discurso xenófobo, sexista e racista, aquele que diz que “preto gordo não vale o que come”, aquele que diz que seus filhos (ambos, recebendo salários e benefícios do poder legislativo brasileiro e multiplicando seus patrimônios) jamais namorariam uma negra, porque foram bem educados.
Essas pessoas de bem, que não precisam de defensores de “bandidos” como eu para atrapalhar, escolheram o militar que quer liberar o porte de armas e que, coincidentemente, tem sua campanha financiada pela indústria armamentista; escolheram o homem que quer extinguir as áreas de reserva indígena porque índio é vagabundo e que, coincidentemente, tem sua campanha financiada por mineradoras e ruralistas.
Para esse lado, que tem Deus no coração, chega de corrupção e imoralidades! Por isso optaram pelo militar que acha que bandido bom é bandido morto e empregava a mulher que cuida de seus cachorros, na sua casa de praia, como sua auxiliar de gabinete, em Brasília, cidade onde ela jamais esteve.
Para colocar a moral à frente de tudo na condução do País, o lado que está com Deus quer colocar na presidência um militar disciplinador, um heterossexual de carteirinha, um homem tão “família” que já está na terceira família, um homem tão apegado aos valores morais e tão avesso ao “gayzismo” que tem, como amigo particular, cabo eleitoral e pretenso ministro da cultura, um famoso ator de filmes pornográficos homossexuais.
O lado que tem Deus no coração escolheu colocar esse reservista no poder porque ele também tem Deus no coração e quer matar muitos bandidos! Como ele é bom e de Deus, as pessoas boas confiam em seu senso de justiça e têm fé em que ele irá julgar e matar todos os bandidos, desde os mais perigosos, como o preso barbudo de Curitiba, até os infratores menores, mas não menos bandidos, vagabundos e perigosos, como mendigos, comunistas, homossexuais, mães que amamentam em público e maconheiros.
A gente de bem e humilde deste País escolheu o candidato que prega um estado mínimo, que privatize a saúde, a educação, tudo, e que não dê a mínima para os pobres; porque ele “vai mudar isso daí! Tá ok?” e “vai acabar com essa palhaçada!”; porque ele tem Deus no coração e sua campanha é apoiada, coincidentemente, pela bancada da bíblia, financiada pelas igrejas evangélicas mais “rentáveis” do País e por seus pastores endinheirados e isentos de impostos, diariamente agraciados com milhões de dízimos pagos por milhões de pobres.
Já o outro lado, o meu, o lado dos bandidos, diz ter motivos para crer que essa gente tão inflexível quanto à necessidade de se castigarem os “bandidos”; tão avessa à diplomacia, portadora de um senso de justiça tão deturpado, furioso e superficial esteja prestes a entregar o cargo mais importante do País a um fascista.
Como só um lado é fascista, o outro lado, ao invés de se igualar em comportamento fascista ao adversário, preferiu unir esforços em torno do candidato do homem preso e de seu partido, optando por apoiar um ex-prefeito da maior cidade do País, premiado internacionalmente por sua gestão; o homem que reduziu drasticamente o índice de mortes no trânsito da maior cidade da América do Sul, o homem que foi ministro da educação no período em que o homem preso era o Presidente da República Federativa do Brasil mais popular de todos os tempos, o homem que criou o maior número de vagas em universidades públicas de toda a nossa história.
Sabendo que não existem santos, não existem heróis nem salvadores da Pátria, o lado dos “bandidos” se apoia em seu senso de justiça menos inquisitorial, muito diferente daquele demonstrado pelas pessoas boas que apoiam o fascista, mas muito semelhante ao senso de justiça do Papa e da ONU, por exemplo.
Sabendo que ninguém é perfeito, que todos somos um tanto ignorantes e que a ignorância de um povo sempre foi usada em favor das elites e contra esse mesmo povo, o lado dos “bandidos” se apoia mais na história da humanidade que na bíblia dos pastores milionários.
O lado dos bandidos, sabendo que a ignorância é cultivada premeditadamente para que se torne a principal arma de controle da elite sobre o povo, tristemente reconhece que a elite fez um exímio trabalho e que o que não falta são ignorantes esbanjando sua expertise política, seu orgulho de defender um homem de moral e de desejar matar os bandidos.
Nosso observador isento, que olha tudo mais de cima, não conseguiu computar qual lado vencerá, no entanto, entre o riso embasbacado e a cortante tristeza da decepção humana, partiu nauseado, mas com alguma esperança, e torcendo muito para os bandidos!