.Por Alessandra Caneppele.
A adolescência é comumente descrita como um momento de mudanças radicais, no qual o indivíduo deixa suas perspectivas de criança para começar a viver aquelas da vida adulta. Trabalho árduo que pode ser esquematizado em três momentos: um momento de destruição das certezas infantis do passado; um de tristeza – pois não é alegre perder o que se tinha; e um de reconstrução, no qual a criança/jovem se recria como um novo adulto. Muito já foi dito sobre a importância dos rituais de passagem para a vida adulta, ajudando o jovem nessa tarefa – e também sobre as consequências da ausência desses rituais em nossa cultura. Vários indicadores nos mostram como esse período da vida está hoje particularmente difícil de ser vivido – o que reforça a atualidade de pensarmos os dilemas e impasses de nossa democracia a partir de sua qualidade de jovem.
Voltemos, então, a nossa jovem. De um lado, não há dúvidas sobre a presença de uma massa de sujeitos em estado de juvenil revolta: eleitores mais ou menos convictos de Bolsonaro expressam abertamente sua sede de destruição de tudo o que está posto pelo passado como razoável. Fervorosamente, eles negam as lições da história e, atirando a esmo para todos os lados, desejam não deixar pedra sobre pedra. Adolescentes em estado puro de rebeldia!
Logo a seguir, vemos chegar o grupo dos nossos adolescentes deprimidos: votando branco, nulo ou não sei, esses não têm mais o passado nem para nele viver, nem para apedrejá-lo, mas não encontram qualquer força capaz de movê-los na direção da construção de algo novo – estão paralisados.
Por fim, o que dizer do terceiro grupo que, genericamente, podemos definir como aquele que se aglutina nesse momento pela oposição à revolta destrutiva do primeiro grupo e à apatia do segundo? Pergunta fundamental se quisermos compreender qual maturidade estamos construindo como saída para nossa crise de adolescência democrática.
Antes de prosseguirmos a discussão sobre nossa democracia, pensemos dois aspectos do que seria essa tal passagem pela adolescência. Primeiro: essa passagem implica necessariamente, embora em diferentes graus e intensidades, os momentos de destruição, depressão e reinvenção, todos necessários para que o sujeito saia de um estado de tutelado por um outro superior e passe a ser tutor de si mesmo no convívio entre pares.
Segundo: uma superação total dos passos dessa transição é impossível, na medida em que a destruição das certezas, a tristeza das perdas e a reconstrução de ideais seriam elos do processo de reformulação contínuo e insuperável que caracterizaria a própria maturidade. O adulto não seria aquele que, dono do mundo, finalmente sabe tudo, mas sim aquele que aceita conviver com o que não sabe, com a mudança, com o que os outros trazem de diferente dele e que ele aprende a escutar – é aquele que aprende que nem ele criança nem seus pais são o centro do mundo, mas que também ele adulto não poderá ser um novo centro absoluto de certezas.
Concebendo o Brasil como um corpo único, voltemos então ao nosso terceiro grupo democrático e seus dilemas, supondo-o como representante de uma tentativa de saída da crise de adolescência e chegada à maturidade política.
Qual das saídas acima descritas estamos escolhendo? Responder a essa questão é fundamental se lembramos que a rebeldia de um adolescente pode crescer desmedidamente e seguir por caminhos de delinquência com consequências violentas, drásticas e irreversíveis para todos quando seu entorno é incapaz de reconhecer e transformar o sentido de seu comportamento violentamente em crise. Não assistiríamos agora justamente a uma tal exacerbação perigosa de uma revolta juvenil à qual não conseguimos dar um sentido?
Membros desse terceiro grupo espalhados mais ou menos à esquerda, parecemos ter envelhecido mais rápido do que nossa democracia – mas podemos dizer que reagimos nesse atual episódio como adultos? Ou, como incompetentes genitores, somos incapazes de ouvir o filho rebelde e apenas repetimos exaustivamente uma lamúria sobre a ingratidão de nossa jovem prole: afinal, nós, seres perfeitos, não “demos tudo para eles”?
E assim não esqueceríamos que o filho rebelde reclama com a sua revolta não a entrega de um objeto material de satisfação, mas sim que compartilhemos com ele nossa própria condição de humanos imperfeitos e insatisfeitos, permitindo que ele também encontre um lugar para o seu próprio mal-estar de sujeito privado de verdades absolutas e em estado de eterna reconstrução.
E assim não falharíamos em aprender e ensinar a nós e a eles que a humanidade, feita de divergências, insatisfações e diferenças, resulta apenas e tão somente de nosso imperfeito e partilhado empenho em reconstruí-la dia a dia melhor?
Desse modo, surdos a o que os demolidores dizem sobre nós e para nós, horrorizados com esse tão outro e tão inominável, a fim de manter intacto o ideal que temos de nossa própria e perfeita humanidade, jogamos a rebeldia cada vez mais longe de nós à direita – onde, perigosamente e em despropósito, deixada sozinha, qual adolescente incompreendido ela cresce raivosa e descontrolada até a mais pura delinquência.
Para uma democracia que quer sair da crise da adolescência e chegar à maturidade, há o que aprender com a juvenil rebeldia iconoclasta que agora nos questiona e ameaça colocar tudo a perder. Cabe a nós decidir se lhe daremos ouvidos ou se continuaremos a ser os grandalhões à espera do Papai Noel, tristes e atônitos porque os vilões insistem em rasgar a nossa bonita fantasia – enquanto ao lado o circo pega fogo!
A saída da crise não está em opor infantilidades, mas em abrir em nós mesmos um espaço de diálogo maduro entre as diferenças que hoje, infelizmente, se mostram em estado de absoluto antagonismo. Tão importante quanto lutar contra Bolsonaro é encontrar em nós mesmos também o significado da adesão a ele. Difícil? Mas quem disse que superar os conflitos de nossa adolescência seria tarefa fácil?