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‘Rafael e a Definição da beleza’ traz livros históricos, pinturas, tapeçarias, gravuras e objetos raros

Massacre dos Inocentes, gravura de Marcantonio Raimondi (1480-1534)

Em São Paulo – Os primeiros anos do século XVI abarcam um dos mais ricos e importantes períodos da história da arte ocidental, a Idade de Ouro do Renascimento. Rafael de Urbino (1483-1520), o mais jovem da tríade formada também por Leonardo da Vinci e Michelangelo, foi considerado o maior e mais perfeito representante desta época. Sua obra inspira-se tanto na Antiguidade Clássica quanto na natureza, materializando-se como síntese de elegância e naturalidade. É para ele que se volta “Rafael e a Definição da beleza – Da Divina proporção à graça”, exposição que o Centro Cultural Fiesp recebe de 19 de setembro a 16 de dezembro, com entrada gratuita.

Com curadoria de Elisa Byington, a mostra se antecipa às celebrações que marcam os 500 anos de morte de Rafael, em 2020. A exposição traz obras de grandes mestres do Renascimento de diversas coleções italianas como a Galleria Nazionale da Umbria e de Modena, a Galleria Borghese e o Palazzo Barberini de Roma, a Santa Casa e o Museo del Tesoro de Loreto, e o Museo Nazionale di Capodimonti de Nápoles. Conta também com obras inéditas da coleção Yunes, de São Paulo, da Fundação Eva Klabin, do Rio de Janeiro, e um conjunto de mais de 50 gravuras produzidas no ateliê de Rafael e seus discípulos que hoje integra o acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Além das obras, a exposição conta com diversos recursos visuais que auxiliam o visitante a compreender o processo de elaboração dos trabalhos gráficos, como é o caso de O Massacre dos Inocentes, gravura influente e de elaboração meticulosa. Entre os destaques, uma projeção monumental de Escola de Atenas, seguindo a escala original da famosa pintura de Rafael que decora o salão Stanza della Segnatura, no Vaticano.

Perla de Modena, Rafael (1518-1520)

Organizada em oito seções, a mostra convida o público a um passeio pelo percurso criativo de Rafael e pelas mudanças que a ideia de beleza sofreu ao longo do Renascimento. A mostra tem início na seção intitulada A Divina Proporção, destacando as medidas exatas que orientavam a concepção da beleza à luz dos estudos tanto matemáticos, como o de Luca Pacioli, quanto artísticos, como os tratados de Vitrúvio e de Leon Battista Alberti. Esta seção aborda também a obra de Pietro Perugino, possível mestre de Rafael, que exerceu sobre ele forte influência estética durante parte de sua vida.

O percurso segue pela seção Virtudes da Imitação, que aborda o conceito de imitação como recurso fundamental ao sistema moral e estético do Renascimento. As obras dessa seção apresentam inúmeras referências ao mundo antigo, à natureza e ao próprio mundo das artes. Aqui o público conhece uma das discussões mais importantes da exposição: a imitação e a cópia não excluem a invenção e a originalidade, pelo contrário, instituem um sistema de referências e um clima de competição que vai caracterizar o ambiente renascentista.

A seção Idade de Ouro é dividida em duas partes. A primeira é a Escola de Atenas, famoso afresco de Rafael que decora a Stanza della Segnatura, no Vaticano. Executado entre 1508 e 1511, o afresco faz uma homenagem à Filosofia. A mostra apresenta uma projeção em tamanho real, em 5 por 7,7 metros, além da exibição digital de um cartão preparatório do afresco. A segunda parte trata da rivalidade entre Michelangelo e Rafael, representada pelos dois termos que intitulam a seção Terribilidade e Sprezzatura – em referência ao virtuosismo atormentado da arte de Michelangelo e à elegância e à harmonia da arte de Rafael, respectivamente.

A quarta seção Uma nova beleza marca a ascensão da maneira moderna, com a substituição da objetividade do pensamento matemático pela subjetividade do olhar artístico. A beleza feminina inaugura essa seção com três Madonas com menino, representantes da típica graça rafaelesca, e com La Perla di Modena, pequeno óleo sobre tela de Rafael, que traz a cabeça de uma mulher, revelando o sublime dos traços do artista. Vê-se também O Triunfo da Galateia, gravura de Marco Dente executada a partir do célebre afresco de Rafael destinado a decorar a Villa Farnesina, acompanhada por uma bacia em maiolica decorada com a mesma imagem.

“Não se trata mais da beleza exata, de proporções matemáticas, noções que haviam orientado o século anterior”, afirma a curadora, referindo-se ao pensamento ligado à divina proporção. “A nova beleza é contaminada pelo julgamento subjetivo que avalia a doce expressão dos sentimentos, o colorido harmonioso, a naturalidade da articulação entre as figuras, a variedade das fisionomias e a elegância dos gestos”, conclui Elisa.

Em Invenção e Execução aborda-se a importância do ateliê na produção e difusão das obras e da fama do artista. Neste segmento apresentam-se dois óleos dos célebres discípulos Giulio Romano e Perin del Vaga, além de diversas composições de Rafael gravadas pelas mãos de discípulos, como no caso da Batalha de Constantino, afrescada postumamente na parede do Vaticano.

Em um período anterior à criação da fotografia, a gravura foi essencial para a difusão do artista e sua obra entre seus pares, colecionadores e mecenas. Rafael compreendeu o papel de propagação do desenho gravado e isso logo tornou suas composições conhecidas por toda a Europa – este núcleo de gravuras produzidas no seu ateliê aparece no módulo Instrumentos da Fama.

A mostra conta ainda com um conjunto de gravuras da Fundação Biblioteca Nacional, realizadas pela primeira geração de gravadores do artista, jovens assistentes que receberam os originais do próprio mestre ou de seus discípulos. Ainda que não fossem gravadas de próprio punho, as estampas eram marcadas pela inscrição Raphael Invenit – invenção de Rafael, em português -, artifício que distinguiu, pela primeira vez, o papel do gravador do papel do criador, a quem cabiam os direitos autorais e a propriedade da matriz. As gravuras de quase 500 anos despertam a curiosidade de especialistas em todo mundo e ainda são pouco conhecidas do público brasileiro, que terá essa grande oportunidade de vê-las.

O potencial propagandístico da gravura foi compreendido por Rafael através da gravura A morte de Lucrécia, presente na mostra, que Marcantonio Raimondi teria feito a partir de um desenho de seu mestre. O resultado final o surpreendeu e Rafael então passou a executar desenhos para serem gravados – a exemplo do processo de composição de Massacre dos Inocentes, presente na mostra por meio de reproduções luminosas dos desenhos preparatórios.

Uma seção direcionada à Fortuna das Tapeçarias demonstra a versatilidade da arte de Rafael e a diversificação das linguagens artísticas de sua obra quanto à influência exercida nas artes do Norte da Europa, para onde os cartões eram enviados para serem tecidos. Na mostra, encontram-se a tapeçaria com a cena da famosa Pesca Milagrosa, da série dos Atos dos Apóstolos, destinada a cobrir as paredes inferiores da Capela Sistina.

Por fim, o núcleo ADifusão da Maneira aborda a disseminação do estilo amadurecido por Rafael e estimulado pela presença de numerosos artistas em Roma e pela sucessiva diáspora destes artistas em razão do Saque de Roma em 1527. Nesta seção há tanto gravuras realizadas sob a inspiração de seus modelos, quanto três pinturas que sofreram influência do seu estilo, além do cartão para tapeçaria da coleção da Fundação Eva Klabin com o tema da Idade de Ouro, que se baseava em uma tapeçaria realizada por Rafael 100 anos antes.

O auxílio de uma vasta e produtiva equipe em seu ateliê e a propagação de sua arte por meio de gravuras foram fundamentais para o prestígio que adquiriu ao longo de sua breve vida – faleceu no dia dos seus 37 anos causando uma comoção em Roma. Figura de personalidade afável, que conseguia organizar as personalidades mais dispares em torno de si no ateliê, e amigo dos grandes eruditos de seu tempo, Rafael se destacava entre seus pares.

Segundo Giorgio Vasari, pintor e arquiteto tido como o primeiro historiador da arte, enquanto os grandes gênios eram dotados de certa dose de loucura e selvageria, “o que, além de torná-los seres extravagantes e geniosos, fazia com que neles sobressaísse muitas vezes a sombra e a escuridão dos vícios, mais do que a luz e o brilho das virtudes que tornam os homens imortais”, Rafael Sanzio de Urbino cumulava em “uma só pessoa com a infinita riqueza de seus tesouros e dons mais raros (…) o qual foi doado ao mundo quando a natureza, vencida pela arte de Michelangelo, quis ainda ser vencida – a um só tempo – pela arte e pelos costumes de Rafael”.

Na exposição encontra-se um original de Le vite de’ più eccellenti pittori, scultori e architettori (As vidas dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos), de Giorgio Vasari. Trata-se de um compêndio de biografias dos artistas do Renascimento, de Cimabue a Michelangelo. Publicado pela primeira vez em 1550, recebe uma segunda edição ampliada pelo autor em 1568, da qual a Fundação da Biblioteca Nacional possui uma cópia, cedida à mostra.

Para o historiador da arte Ernst Gombrich, quando Rafael chegou em Florença, deparou-se com um estimulante desafio: Leonardo e Michelangelo. “Deve ter sabido que levava desvantagem sob alguns aspectos. Não tinha imensa gama de conhecimentos de Leonardo nem a força de Michelangelo. Mas, enquanto esses gênios eram de difícil convívio, imprevisíveis e refratários para o comum dos mortais, Rafael tinha uma doçura de temperamento que o recomendava aos mecenas influentes. Além disso, era capaz de trabalhar – e trabalhou até alcançar o nível dos mestres mais velhos”, afirma em A História da Arte (1950). “Mais novo, Rafael pisou em ombros de gigantes e isso permitiu que enxergasse além deles”, completa Elisa Byington.

Depois de alguns anos em Florença, Rafael foi para Roma. Não por acaso, já era reconhecido e respeitado. Logo, o papa Julio II pediu-lhe que decorasse seus aposentos do Vaticano – nos mesmos meses que Michelangelo iniciava a Capela Sistina. Os trabalhos de ambos artistas, considerados como exemplos de plenitude nas artes e superação do modelo antigo, receberam reconhecimento imediato.

Villa Farnesina, construída no início do século XVI pelo banqueiro Agostino Chigi, é um palacete destinado à contemplação e às artes. A decoração da Loggia Amor e Psique Idealizada para celebrar as bodas com Francesca Ordeaschi, plebeia que se casava com um dos homens mais ricos, tratava-se de uma verdadeira exaltação ao amor que vence obstáculos. (Carta Campinas com informações de divulgação)

Exposição Rafael e a Definição da Beleza – Da Divina proporção à graça
Período expositivo: de 19 de setembro a 16 de dezembro de 2018
Horários: de terça a sábado, das 10h às 22h e domingos, 10h às 20h
Local: Galeria de Arte do Centro Cultural Fiesp
Endereço: Avenida Paulista, 1313 – Cerqueira César (em frente à estação Trianon-Masp do Metrô)
Agendamentos escolares e de grupos: (11) 3146-7439 ou ccfagendamentos@sesisp.org.br
Grátis. Mais informações em www.centroculturalfiesp.com.br

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