O atual provedor da Organização Social de Saúde (OSS) Irmandade Santa Casa de Bariri, Maurício Rodrigues, disse em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura irregularidades nos contratos de gestão das entidades com as secretarias de Saúde, que a OSS teria sido criada como saída para resolver os problemas financeiros do hospital próprio da Santa Casa. A ideia era cobrar uma taxa de administração pela gestão dos serviços de unidades de saúde públicas e direcionar os recursos para bancar o déficit financeiro da unidade da cidade de Bariri, no interior paulista.
Segundo o provedor, em 2015 a Santa Casa de Bariri tinha déficit de R$ 110 mil por mês. Paulo Câmara e Ronaldo Foloni, dois empresários do ramo da saúde, sugeriram a abertura de uma OSS, de forma que a taxa de administração fosse direcionada para cobrir o rombo. Eles intermediaram a transição do estatuto da Santa Casa para o modelo Organização Social de Saúde (OSS) por meio da criação de uma empresa chamada Vitale Saúde, da qual se tornaram gestores. O depoimento foi dado em reunião da CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo na última terça-feira (14).
Com as alterações no estatuto, a Vitale passou a ser o nome fantasia da organização social da Irmandade Santa Casa de Bariri. Pouco tempo depois conseguiu a qualificação como OSS nos municípios de Barueri, São José, Ouro Verde, São João da Boa Vista, Várzea Paulista, Mogi das Cruzes e Campinas. Conseguiu quatro contratos de gestão, entre eles o do Hospital Ouro Verde, em Campinas, onde foi descoberto um suposto esquema de fraudes e desvios de verbas em 2016. Atualmente, a OSS mantém contratos com as prefeituras de Mogi das Cruzes, Várzea Paulista e São João da Boa Vista.
Rodrigues disse desconhecer totalmente como funcionavam as organizações sociais e que esperava utilizar a taxa de administração dos contratos de gestão para bancar o hospital. “Chegamos à Vitale pela necessidade de manter a Santa Casa de nossa cidade aberta. Procurávamos recursos e parcerias com o empresariado. A partir de um certo tempo tivemos imensas dificuldades. Até que apareceram pessoas que deram a ideia de montarmos uma OSS. E assim nós fizemos”, declarou.
Esse tipo de ação, no entanto, é ilegal. Presidentes de outras OSS que prestaram depoimento à CPI declararam que não existe taxa de administração. No entanto, deputados já receberam denúncias de que a prática existe e fica em torno de 5% a 10% do valor total dos contratos. “O gerenciamento dos projetos viriam para a nossa Santa Casa. E esses recursos cobririam os eventos que a gente faria para suprir a nossa Santa Casa e mantê-la de pé. Hoje nós sabemos que não existe isso daí. Nós não tínhamos know-how nenhum sobre OSS”, afirmou.
O administrador hospitalar da OSS Santa Casa de Bariri, Diogo Fernandes, também ouvido na CPI, disse que os empresários “são referência no mercado das OSS”. Segundo ele, na gestão do Hospital Ouro Verde, em Campinas, a OSS Vitale teve muitos problemas financeiros, pois o contrato de gestão seria deficitário em R$ 3 milhões por mês. No entanto, a organização é alvo de investigação do Ministério Público por um suposto desvio de R$ 4,5 milhões na administração do hospital. A prefeitura de Campinas repassava até R$ 10,9 por mês milhões para a organização.
Para o deputado estadual Carlos Neder (PT), membro da CPI, a situação evidencia uma preocupação dos parlamentares de que, a partir da instituição de um contrato de gestão com uma OSS, o dinheiro público da saúde esteja sendo drenado para outras finalidades e interesses particulares. A contratação dessas organizações é legal desde 1998, mas nos últimos anos essa forma de gestão dos serviços públicos tem crescido exponencialmente.
“Essa é a forma ‘moderna’ que encontraram para o desvio de recursos públicos. Além da falta de controle estatal e de transparência na prestação de contas do uso desse dinheiro que vai para as organizações sociais e que deveria estar sendo utilizado em benefício da população, a prática combina também com o modelo de gestão adotado pelos atuais governos, levando a gestão dos serviços, equipamentos e políticas públicas para às mãos de empresas com interesses privados”, afirmou.
Ouro Verde
A Vitale recebeu a gestão do Hospital Ouro Verde em maio de 2016. Em novembro do ano passado o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) deflagrou a 1ª fase da “Operação Ouro Verde” e prendeu cinco empresários, dentre eles os dois que sugeriram a criação da OSS.
Segundo o Ministério Público havia indícios de superfaturamento na compra de medicamentos, insumos e prestação de serviços no hospital, além da suspeita de recebimento de propina por agentes públicos. Desde então o contrato está suspenso. A OSS ingressou com ação judicial contra a prefeitura requerendo os valores deficitários do contrato.
Os servidores do Departamento de Prestação de Contas da Secretaria de Saúde de Campinas, Anésio Corat Júnior e Ramon Luciano Silva, também foram presos. Eles seriam responsáveis por garantir a aprovação das contas da Vitale apesar do superfaturamento e de contratações fraudulentas de empresas de consultoria em troca de propina.
Amanhã, às 11h, a comissão vai ouvir o lobista Fernando Vítor, que foi preso na ação e seria responsável por realizar negociações com a prefeitura para que a OSS conseguisse o contrato. (RBA/Carta Campinas)