.Por Ricardo Alexandre Corrêa.
Indivíduos brancos dirigindo carros de luxo. Nos corredores, e elevadores dos edifícios, esses brancos − vestidos a caráter − apertam os passos para não se atrasarem à reunião. Nesta, haverá outros brancos – talvez, executivos, diretores ou presidentes de algumas corporações; outros estão desembarcando no heliponto. Nesse contexto embranquecido, o contraste: vigias, seguranças, profissionais de limpeza, e nas calçadas, mendigos, moradores de rua e vendedores ambulantes. Todos negros, com raras exceções.
Esse é o cotidiano nos arredores da Avenida Paulista, centro econômico e empresarial da cidade de São Paulo. Caso não acredite faça um passeio na região, mas é necessário abandonar a naturalização dos arranjos humanos que esta sociedade incutiu na nossa mente. Não podemos aceitar os afro-brasileiros como subalternos. Escandalize-se, ao menos.
Em outras regiões pode até mudar a paisagem, no entanto, o racismo estrutural continua mantendo a mesma ordem: afro-brasileiros ocupando posições de desprestígio profissional e pessoas brancas em cargos de elevado status social, ou no mínimo, superior aos primeiros. Uma marginalização forjada sob o signo do racismo ao longo de um pouco mais de 500 anos.
Contudo, os marginais resistem e reclamam as condições indignas em que estão historicamente sujeitados. Nesse sentido, a poetisa Elisa Lucinda comentou que a sociedade brasileira está em “maus lençóis” por não conseguir sustentar o discurso da democracia racial.1 Decerto o cenário da Avenida Paulista é um exemplo pedagógico, já que desestrutura toda a falácia do principal apóstolo desse discurso, o sociólogo Gilberto Freyre.
Um dos caminhos para a ruptura dessa dinâmica, enraizada na sociedade, está em eliminar os privilégios pertencentes às pessoas brancas, beneficiárias do racismo estrutural que expõe os afro-brasileiros a situação de vulnerabilidade social. Esses privilégios apresentam inúmeras faces que passam desde a situação econômica até o direito constitucional de “ir e vir”.
Partindo desse princípio, destaco alguns exemplos do privilégio branco: circular livremente sem a necessidade de inquietar-se a uma batida policial ou temor de ser produto das estatísticas de violência que aniquilam a vida de milhares de negros, não ter a preocupação em atender esteticamente o entrevistador quando concorre a uma vaga de emprego, não precisar justificar se foi beneficiário, ou não, das cotas raciais – algo extremamente constrangedor −, não precisar “contar nos dedos” quantas pessoas de sua raça estão representadas nos espaços de poder etc.
São situações que merecem a reflexão da intelectual e feminista negra − Lélia Gonzalez (1979) − que atinge o ponto fulcral do privilégio branco “enquanto o capitalista branco se beneficia diretamente da exploração ou super-exploração do negro, a maioria dos brancos recebe seus dividendos do racismo, a partir de sua vantagem competitiva no preenchimento das posições que, na estrutura de classes, implicam nas recompensas materiais e simbólicas mais desejadas”.
Assim, entendemos que o desafio primário está em fazer os privilegiados – insere-se o branco rico ou branco pobre, e esse foi um ponto abordado por Lélia Gonzalez − compreenderem que a responsabilidade em eliminar o racismo não é dos afro-brasileiros.
O racismo é problema dos brancos e desapegar-se dos privilégios é um necessário caminho. Não aceitamos o argumento de que não podem saldar a dívida histórica da prática dos antepassados que escravizaram os africanos e afro-brasileiros, porque os descendentes da população escravizada, também não têm culpa de terem nascido num país onde se construiu a subjugação de quem tem a negrura na pele. Ao eximirem-se do problema estão compactuando com o passado, tornando-se meramente cúmplices.
Em vista dessa discussão, ocorre à pressão sistemática dos afro-brasileiros, tencionando a ampliação em todos os espaços de convivência social, seja no público, ou privado. Exigimos mudanças de caráter estrutural onde a inexistência do privilégio branco esteja como pauta central, e a inserção da população negra distante da subalternidade. Não usamos mordaças como nossos ancestrais, agora estamos reescrevendo uma nova história. Sartre bem que compreendeu.
REFERÊNCIAS
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala, 50ª edição. Global Editora. 2005.
SARTRE, Jean-Paul. “Orfeu Negro” In: Reflexões sobre o racismo. São Paulo: Difusão européia do livro, 1963.
BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicaocompilado.htm> . Acesso em: 30 abr. 2018.
GONZALEZ, L. (1979), Cultura, Etnicidade e Trabalho: Efeitos Lingüísticos e Políticos da Exploração da Mulher. Disponível em: <https://coletivomariasbaderna.files.wordpress.com/ 2012/09/cultura_etnicidade_e_trabalho.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2018.