Japão e suicídio: uma crônica sobre os danos da sociedade de resultados
.Por Sandro Ari Andrade de Miranda.
Ao realizar um estudo sobre a cinematografia japonesa, a constante citação de uma sigla inglesa entre personagens jovens acabou chamando atenção: NEET (not in education, employment, or training). Tal expressão é utilizada especificamente para designar uma categoria de jovens/adolescentes, em regra entre os 15 e os 34 anos que não trabalham, não estudam e nem participam de políticas públicas de treinamento.
Trata-se de um problema relevante, em processo de crescimento no âmbito internacional e cujos resultados acabam se expressando de forma diferente em cada sociedade. No mundo nipônico, como veremos adiante, este é um dos principais fatores responsáveis pela elevada taxa de suicídios na juventude.
Aliás, o Japão é um dos países com um dos índices mais altos de suicídio no planeta, em torno de 30 mortes para cada 100 mil habitantes, ou 70 casos por dia. Nesta estatística não constam os números das tentativas fracassadas ou que resultaram em lesões corporais ou traumas psicológicos. O certo é que os indicadores são 3 vezes maiores do que a média dos países europeus e chama atenção em razão do elevado grau de desenvolvimento econômico do país.
Alguns pesquisadores utilizam cortes limitados e associam às mortes a fatores culturais e religiosos, como a questão da honra e a prática milenar do sepukku/haraquiri, executada pelos antigos samurais. Entretanto, o problema está longe disto. As boas pesquisas mostram o cruzamento de fatores, como a ausência de um sistema público eficiente de saúde mental, o isolamento individual, as dificuldades crescentes com o mercado de trabalho, a repressão social e sexual e os excessos da competitividade.
É importante destacar que a taxa de suicídio entre idosos já é elevada há alguns anos, tendo como causas abandono familiar, a desconstrução do tecido social, e o desmonte dos sistemas públicos de previdência social pelo modelo neoliberal, adotado no país na década de 1990.
Muitos idosos vivem em casas isoladas, endividados e sem condições de buscar assistência.
Entretanto, com os jovens o problema é mais recente e tem sido retratado, inclusive, na produção de “animes” e “mangás”, onde cresce o número de personagens com perfil isolado, deprimido e vítima de “bullyng”. Na maior parte das obras é possível notar a pressão para que os jovens decidam muito cedo as suas carreiras ainda dentro da escola e a necessidade constante de vários empregos de meio período ou subempregos como forma de sustento ou de aprendizado.
O excelente anime “ReLife” que aborda a vida de um jovem recém-formado na universidade, que abandona um emprego de prestígio depois de descobrir as práticas violentas da empresa onde trabalhava contra uma de suas colegas, tornando-se, depois disto, um “neet”, é um exemplo evidente de como esta questão tem sido retratada.
Aliás, dentro de um país dominado por empregos temporários, a falta de estabilidade causa uma pressão gigantesca sobre os jovens, submetendo os mesmos à condições de trabalho abusivas e sem vínculos. Daí o crescimento do sentimento de fracasso que é sentido ainda muito cedo e duas consequências graves, o hikikomori (isolamento) e a depressão. Imersos dentro de um universo onde precisam apresentar respostas, com muita pressão social e familiar, os jovens adquirem conhecimento sem prática e muitos acabam desistindo e se entregando ao aprisionamento doméstico ou virtual.
O excesso de competitividade e de pressão para sobreviver a um mercado de trabalho precário acaba impactando, também, a vida social e os relacionamentos, daí a busca de satisfação no álcool, nas drogas e no mundo eletrônico. Uma prova disto é o crescimento do consumo entre os jovens japoneses de jogos voltados à aprendizagem de formas de interação social ou amorosa (jogos bishõjo), o que funciona muito mais como outra ilusão e desculpa para o isolamento.
Embora o Japão ainda seja um dos países com maiores índices de qualidade de vida do planeta, o tecido social aos poucos está sendo destruído pela influência de um modelo econômico-social com desenho neoliberal, pautado exclusivamente na produção e no consumo. A renda elevada é mantida por 2 ou 3 empregos precários, diminuindo a oportunidade de uma vida social completa. E como seres humanos não podem ser tratados como máquinas sem emoções, quando isto ocorre, os resultados são trágicos.
Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado e mestre em Ciências Sociais e mantém o blog Sustentabilidade e Democracia.