.Por Guilherme Boneto.
A mim parece claro o revanchismo dos que comemoram. Grassa a hipocrisia – ou a ingenuidade – nos discursos dos que festejam o que se chama de “a lei é para todos”, interposição que considero para lá de discutível. Mais claro é o fato de que a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, longe da compreensível indignação popular com a impunidade, é resultado e consequência do desejo de retirá-lo da disputa pela presidência da República em outubro próximo.
Já defendi aqui neste mesmo espaço que Lula não deveria ser candidato a presidente. Neste momento difícil de sua história, fragilizado e acuado, o PT faria muito bem em recuar no sentido de apoiar a candidatura de outra liderança de esquerda, em especial a do ex-ministro Ciro Gomes. Num passado recente, em detrimento de seus próprios planos políticos, Ciro apoiou a candidatura de Dilma Rousseff duas vezes. Também esteve ao lado do PT, num peculiar papel de situação crítica, durante todos os quase quatro mandatos do partido na presidência.
Ciro advoga que não é da natureza do PT apoiar alguém, um movimento que o partido considera arriscado demais. Começo a concluir no mesmo sentido. No entanto, a situação na esquerda é grave: a probabilidade de Lula ser o candidato do PT reduziu-se e ele deve, inclusive, ser preso nos próximos dias. O STF negou-lhe o habeas corpus solicitado pela sua defesa. Sem entrar no mérito do processo em si, o qual reservo-me o direito de considerar extremamente frágil, cabe questionar: o que ocorrerá agora?
Lula já não é o presidente mais aclamado da história do Brasil. Ao deixar a presidência, em 2010, ele contava com algo em torno de 80% de aprovação popular. Hoje, diariamente bombardeado pela mídia que não se moveu para democratizar e pelos adversários com os quais se aliou em nome da “governabilidade”, boa parte daquele formidável capital político já foi consumido. Mas nem de longe é desprezível um fato: mais de 30% dos brasileiros, saudosos de períodos mais agradáveis da nossa história, tornariam a votar em Lula se candidato fosse.
A meu ver, num cenário ideal, o ex-presidente deveria fazer política de outra maneira. Poderia ser o dono de uma voz sempre ouvida, à qual todos se voltam quando opta por dizer algo, uma figura de pacificação e conciliação do nosso país, disposta a calibrar as consciências e ajudar a restaurar as instituições. É mais ou menos o mesmo papel que se atribui a FHC, e que ele cumpriria, não estivesse disposto a cacifar como candidatos a presidente da República o animador de TV Luciano Huck ou outros cuja menção vale texto à parte.
Em sua própria avaliação, político habilidoso que é, Lula pensa diferente e analisa que a História lhe reserva outro papel. Ele provavelmente sabia desde o início que o desfecho seria este. Se é o caso, resta saber os motivos que o levaram a sustentar sua candidatura até este momento. É hipótese que alimento há algum tempo, e que será confirmada pelos seus próximos movimentos. Mas o desejo de certa parcela da população de retirá-lo da disputa – de qualquer maneira – me fazem questionar com meus botões: seria tão difícil assim vencê-lo nas urnas?
O passado de Lula apresenta fragilidades que poderiam ser facilmente exploradas – à exaustão – numa campanha eleitoral. Por exemplo, o fato de Michel Temer ter sido escolhido o vice de Dilma e hoje estar onde está. Quem é o responsável por isso? Por mais que haja explicações plausíveis – como a famigerada “governabilidade” e o presidencialismo de coalizão –, é um tema, tal como dezenas de outros, que poderia ser tratado em minúcias por adversários. Não seria preferível, ainda que naturalmente mais trabalhoso e difícil, desmontar o candidato Lula em lugar de impedi-lo de concorrer?
Mundo afora, haverá quem considere a prisão de Lula uma arbitrariedade, independentemente do que pensamos nós. Dir-se-á no futuro próximo que, se candidato fosse, o ex-presidente teria vencido as eleições, numa tentativa de se deslegitimar quem for eleito em outubro – afinal de contas, de acordo com essa ideia, o eleito só será eleito graças à ausência de Lula. Como se argumenta contra isso? Daí o que advogo: seria melhor, de qualquer maneira, permitir que o petista concorresse, para vencer ou perder, pelo bem da própria democracia. Como bom observador que é desse processo todo, o próprio FHC declarou, em dezembro: “Eu prefiro combatê-lo na urna do que vê-lo na cadeia”
De minha parte, preferia que Lula abandonasse a candidatura por conta própria e reservasse a si mesmo um outro papel histórico. É indiscutível que seu governo deixou um legado e a História se encarregará de lembrar seu nome. No entanto, impedi-lo de concorrer levando em conta argumentos tão frágeis é um claro sintoma do processo acelerado de degradação da nossa democracia.