Em São Paulo – Pode ser vista na Caixa Cultural São Paulo até o dia 20 de maio a exposição “Emblema da Cultura Brasileira – Retrospectiva da Obra Gráfica de Claudio Tozzi”.
O conhecido retrato com a frase de Che Guevara está logo na entrada da exposição. Criado em serigrafia, esse mesmo retrato foi reproduzido e colado, pelo próprio artista, nos muros da cidade nas manifestações de 1968. Uma obra em que tentou imprimir a voz dos estudantes que, como ele, então aluno da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, participavam das passeatas contra a ditadura.
“Hoje, 50 anos depois, o mesmo retrato de Che está de frente para a Praça da Sé”, conta Claudio Tozzi, hoje professor da FAU. “Esse lugar tem um significado social, político, cultural muito importante. Daí a razão de essa exposição estar aqui no centro com obras que acompanham a história dessas décadas.”
Perto do retrato está o painel Guevara Vivo ou Morto, que em 1967, ao ser exposto no Salão Nacional de Arte Contemporânea, foi destruído a machadadas por um grupo de extrema direita. Anos depois, Tozzi restaurou a obra. Integra a exposição, ao lado de outras do início da década de 1970, a obra Multidão, em serigrafia sobre papel, que o artista criou a partir de retratos em branco e preto que tirou nas manifestações da época.
Embora as 93 gravuras não sigam a linha do tempo, o espectador pode detectar o momento em que foram feitas e a história que cada uma conta. Há a célebre imagem Astronauta, de 1969, que o artista reimprimiu neste ano para contar a história da própria gravura brasileira. “Eu quis mostrar as novas técnicas de impressão”, conta. Há imagens de astronautas, de foguete, da Lua e outras que reproduzem a transformação de São Paulo, a cidade onde Tozzi nasceu, vive, trabalha e faz questão de homenagear. Em Especulação está a metrópole em desenvolvimento e em Polution observa-se a cidade mergulhada em uma nuvem negra.
A exposição Emblemas da Cultura Brasileira resultou da pesquisa do crítico de arte Manuel Neves, realizada na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Ao investigar a produção da arte brasileira na segunda metade da década de 1960, Neves se dedicou especialmente à obra de Claudio Tozzi. “Surgido na década dos anos 1960, é um artista fundamental na cena contemporânea brasileira. Sua obra, como a dos artistas mais importantes de sua geração, articula uma mudança radical no estatuto da imagem artística, tomando e reprogramando os modelos visuais projetados pelos meios de comunicação e a indústria do espetáculo, para produzir uma obra figurativa, chamada genericamente de pop art.”
O que impressionou o pesquisador uruguaio foi o impacto visual das obras. “Essas imagens procuram, em sua estratégia formal, ser um reflexo do contexto social e político, dramático e convulsionado onde o artista viveu, como foi o processo, em meados dos anos 1960, de começo da ditadura militar”, observa. “Esse momento se traduziu numa perda das liberdades fundamentais e na consequente violência política da censura posta em prática em todos os âmbitos da cultura e da educação.”
Manuel Neves fez uma seleção cuidadosa das obras gráficas de cada fase do artista. Conseguiu uma apresentação que revela a arte como espelho da sociedade. “Essa muito breve revisão de sua obra, produzida em mais de cinco décadas e que se desenvolve em pintura, escultura e metais, teve igual e complexo desenvolvimento na produção gráfica. É um emblema da cultura brasileira.”
Neves observa a obra gráfica de Tozzi como uma ferra-menta de investi-gação e experimentação formal. “Esse conjunto de obras demonstra também a reflexão política sobre o espaço da arte na sociedade atual e seus mecanismos de distribuição dentro de uma consciência permanente do artista da importância da popularização da arte.”
O público vai poder acompanhar todas as fases da ditadura militar. Na série Parafusos, do início dos anos 1970, está o endurecimento do regime. São parafusos que pressionam o cérebro, que estão por todos os lugares. Vem o processo de abertura política, a redemocratização. Tozzi pinta uma série de escadas. Um sobe-e-desce à procura de novos caminhos. A cidade vai sendo simulada em novas cores e uma multidão de formas. São obras que continuam a sua busca infinita. Mas sem perder a luz da frase de Che Guevara, “Hay que endurecerse. Pero sin perder la ternura jamás”.
A exposição Emblema da Cultura Brasileira está na Caixa Cultural São Paulo (Praça da Sé, 111, centro, em São Paulo). Pode ser vista até 20 de maio, de terça-feira a domingo, das 9 às 19 horas. A entrada é franca e livre para todas as idades. Informações pelo telefone (11) 3321-4400. (Por Leila Kiyomura/ Jornal da USP)