Com elenco formado por Ella Bellissoni, Jean Dandrah e Regina Maria Remencius, a história traz três personagens que podem estar em qualquer lugar, em qualquer tempo: duas mulheres, sem nenhum tipo de memória acordam todos os dias na mesma hora, à espera de algo – até que um dia recebem a visita inesperada de um homem que veio comemorar um aniversário.
A ação acontece no despertar do que deveria ser um sono profundo, Uma (Remencius) e Outra (Bellissoni) se deparam com o sol que insiste em nascer todos os dias, numa indecifrável realidade. Uma é a mais velha. Não anda, vive na cadeira de rodas, não dorme nunca, não sonha e gosta de falar. À noite, conta os pingos que caem de uma torneira e, durante o dia, ocupa-se ouvindo relatos dos sonhos de Outra. Uma não tem memória, nem lembrança do passado. Outra é jovem e cuida de Uma. Sente medo. Dorme, sonha e inventa sonhos para entreter Uma. Ela também não tem memória de quem foi. Ambas não sabem como foram parar ali e esperam que um dia haja explicação para tamanha espera.
Ele (Dandrah) chega sem avisar para uma festa de aniversário, trazendo duas garrafas de bebida, a promessa de um bolo e algumas histórias. Ele conta que em uma festa já foi capaz de cantar 137 vezes uma mesma canção. Logo após sua chegada, Outra aproveita para sair e conhecer o mundo lá fora, e volta com algumas respostas.
Sérgio Roveri diz que o texto, escrito há cerca de dois anos, foi inspirado em uma imagem do juízo final que sempre o perseguiu, desde criança. “Como seria acordar em um (não) lugar apocalíptico e nada acontecer? Embora não saibam exatamente o que estão fazendo ali, os personagens têm as mesmas inquietações, têm a consciência de que haja algum propósito. Estariam aguardando o tal dia do juízo final?”. Ele explica ainda que, nessa espera atemporal, o que os une talvez seja a esperança. “Eles podem representar o fim, mas nada impede que seja também um início. Ainda que o juízo final seja um conceito muito ligado à religião, não é esta particularidade que o texto aborda, completa o autor”.
Ao contrário do que seria um espetáculo realista, À Espera coloca o espectador diante da intrigante historia dessas personagens que se encontram em lugar e tempo indefinidos. “Apesar de não terem qualquer pista que as remetam a alguma ideia de tempo e identidade, essas mulheres não se desesperam”, diz Bellissoni. “Ao levar uma existência misteriosamente rotineira, acreditam que algo maior está por acontecer, que alguma coisa pode alterar ou mesmo dar um sentido a um cotidiano tão vazio. Não é uma espera por acomodação. Não tem outra possibilidade”, diz Remencius.
Embora se encontrem em uma situação de contornos extremados, os três personagens podem ser uma metáfora do ser humano diante do risco, do perigo, do desconhecido e, principalmente, diante da necessidade de reconstrução. Abordando a impossibilidade de entendimento da vida, do significado da nossa existência, a peça questiona dois caminhos possíveis, o da desistência ou da possibilidade de enfrentá-la. Para o diretor Hugo Coelho, “À Espera é um texto que induz à reflexão. Não reafirma certezas, propõe questionamentos sobre nossos posicionamentos diante da vida, fazendo do teatro um espaço de reflexão crítica sobre a realidade. A falta de memória – dos personagens assim como da nossa história – nos impossibilita de construirmos uma identidade e decidirmos o nosso destino”.
Sobre a encenação, Sérgio Roveri diz que sua expectativa é estética: ver no palco o olhar do diretor e dos atores para algo que ele, talvez, nem enxergasse ao escrever a peça. “O que me surpreende sempre é a expansão do entendimento”, afirma ele. “À Espera pretende ser um espelho por vezes poético, por vezes trágico, por vezes comovente de um mundo onde aflição e conformismo travam um debate eterno”, finaliza o autor.
Segundo o diretor, Sérgio Roveri escreve um drama fantástico que também pode ser uma tragédia contemporânea. “E, por requinte, ele compõe seu texto nos moldes clássicos, com unidade de lugar, tempo e ação. Paradoxalmente, desconstrói a tragédia clássica nos provocando a questionar o lugar, o tempo e a ação da peça, onde passado, presente e futuro se entrelaçam numa desconexa realidade. Roveri tem uma densidade poética que eu espero alcançar: traduzir sua poesia de forma cênica”.
Hugo Coelho comenta que os três personagens vivendo em um cenário pós-apocalíptico, esperando por algo que não se sabe o quê, possibilita múltiplas interpretações. “O texto nos desafia a não identificar onde se passa a ação. Esse cenário poderia ser mera representação dos lares modernos, dentro dos quais as pessoas se enclausuram com medo do diferente, do outro, do que está do lado de fora”.
O diretor explica que a ação da peça se constitui pela palavra, pela força do ator. A clareza das falas, a densidade, o ritmo e o fluxo são fundamentais para o entendimento do espetáculo. “Esta é a celebração de um ato teatral intenso, uma experiência forte. O texto traz questões filosóficas numa situação em que estamos perdidos em um mar de possibilidades”, reflete. “À Espera também tem humor. Seus diálogos são vibrantes, seus personagens pulsam, sua ironia e desespero são cotidianos e prosaicos. A nossa tragédia é estarmos diante do tempo e procurar entender o significado da existência. Estamos à espera de dias melhores, de uma sociedade mais justa e menos violenta onde a alegria e a vontade de viver sejam possíveis”, completa.
A ambientação não é realista, é uma instalação cenográfica (de David Schumaker) feita de tecidos em tons de branco, dispostos em simetrias e assimetrias geométricas e simbólicas para que todos os universos sejam possíveis. “Pode ser uma casa ou o mundo interno de cada um”, explica Hugo. O figurino (de Adriana Vaz Ramos) também escapa à configuração realista para pessoas que não sabemos quem são nem o que representam. “Tipificar os personagens seria reduzi-los, estreitar as possibilidades de leitura que eles oferecem”, argumenta o diretor. Os figurinos trazem tons de cinza com predominância de brancos, tão difusos como o espaço e a condição de vida de Uma, Outra e Ele.
A iluminação (Fran Barros) explora as muitas possibilidades que o cenário permite, desde o foco fechado no rosto dos atores para realçar a palavra, passando pelo amarelo intenso do nascer do sol que invade “a casa” todas as manhãs, até o preenchimento do ambiente fazendo uso de cores, alternando e enfatizando os climas das cenas. E a trilha sonora (Ricardo Severo), originalmente composta, descreve o clima, o vazio, a incerteza e pontua a repetição dos dias. Ora comenta, ora pontua, ora acentua a ação dramática.
Uma não pode andar. Ironicamente, seus sapatos que trazem as marcas de outro tempo, ganham a cena. É nos sapatos que estão impressas as memórias que ela não consegue lembrar. O público, então, é convidado a tirar seus sapatos para compor a instalação. E, no transcorrer do espetáculo, suas memórias, através dos sapatos iluminados na cena, podem dialogar com o texto e com a encenação de forma mais próxima e sensível, para além da fruição intelectual que muitas vezes o teatro propicia. (Carta Campinas com informações de divulgação)
Ficha técnica
Texto: Sergio Roveri. Direção: Hugo Coelho. Elenco: Ella Bellissoni, Jean Dandrah e Regina Maria Remencius. Cenário: David Schumaker. Iluminação: Fran Barros. Design de aparência de atores: Adriana Vaz Ramos. Música original, produção musical e desenho de som: Ricardo Severo e Rafael Thomazini. Assistência de direção: Fernanda Lorenzoni e Larissa Matheus. Direção de produção: Fernanda Moura. Produção: Palimpsesto Produções Artísticas. Assistência de produção: Fernanda Ramos. Fotos: Heloísa Bortz. Identidade visual: Denise Bacellar. Mídias sociais: Verá Papini. Assessoria de imprensa: Verbena Comunicação. Realização: Ella Bellissoni, RMR Produção Artística e Núcleo 137.
Sinopse – Duas mulheres acordadas do que deveria ser um sono profundo se deparam com o sol que insiste em nascer, todos os dias, na mesma hora numa indecifrável realidade. Elas recebem a visita inesperada de um homem para uma festa de aniversário. Embora não saibam exatamente o que estão fazendo naquele lugar, os personagens têm consciência de que estão ali por algum propósito.
Espetáculo À Espera
Estreia: 11 de maio. Sexta, às 20h
Temporada: 11 de maio a 7 de julho
Horários: Quintas e sextas (às 20h) e sábados (às 16h e 18h)
Ingressos: Grátis – Retirar com 1h de antecedência.
Classificação: de 14 anos. Gênero: Drama. Duração: 60 min.
No período de 24/5 a 2/6 não haverá apresentação.
Oficina Cultural Oswald de Andrade (Sala 7)
Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro – São Paulo/SP
Tel: (11) 32215558. Capacidade: 30 lugares.
Acessibilidade. Café. Não possui estacionamento.
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