Como o Hospital Ouro Verde chegou nessa situação?
.Por Marcelo Nisida.
Esse parágrafo é de uma notícia publicada dia 29 de abril de 2016. Na mesma matéria, a Prefeitura e a Vitale estavam otimistas de que a transição, que se daria em maio, viria para ajudar a melhorar a situação do Hospital Ouro Verde.
Quase dois anos depois, agora o Hospital vai completar 10 anos numa das maiores e mais necessitadas regiões da cidade envolto num esquema de corrupção que vazava dinheiro público destinado à saúde da nossa cidade.
Desde o berço
O Hospital está manchado de escândalos desde sua inauguração. Recentemente, o ex-prefeito Hélio de Oliveira Santos (PDT), e dois de seus ex-secretários (o ex-secretário de Assuntos Jurídicos, Carlos Henrique Pinto, e o ex-secretário de Planejamento e Diretor de Obras, Flávio Augusto Ferrari de Senço), foram condenados por fraude na licitação para a construção do Ouro Verde.
Em 2006, foi firmado um contrato com a Schain Engenharia de quase R$ 39 milhões para a expansão do Hospital no qual não se previu itens básicos. Por causa disso, o governo criou uma despesa extra, sem licitação e irregular de R$ 2,3 milhões pra fazer o que já deveria estar feito. Além disso, a Justiça apontou um superfaturamento de mais de R$ 500 mil nas obras.
Trator da lei
Em 2015, o governo de Jonas Donizette (PSB) propôs e aprovou a lei que permitiu a gestão terceirizada do Hospital. A votação foi feita sem discussões e dentro de um prazo humanamente impossível para se debater com qualidade merecida uma questão de tamanha importância.
No dia 11 de março de 2015 (uma quarta-feira), a Prefeitura protocolou seu projeto na Câmara. No dia 16 (segunda), os vereadores da base governista marcaram de surpresa uma sessão extraordinária para a manhã do dia seguinte. No dia 17 (terça), os vereadores fizeram duas sessões — uma em seguida da outra — para aprovar o Projeto de Lei 10/2015, que possibilitou a gestão por Organizações Sociais dos equipamentos de saúde e educação em Campinas.
Os vereadores que votaram sim para a lei foram: André von Zubem (PPS, hoje secretário de Jonas), Antônio Flores (PSB), Aurélio Cláudio (PDT), Campos Filho (DEM), Carmo Luiz (PSC), Cid Ferreira (SDD, não foi reeleito), Cidão Santos (PROS, hoje fora da base do governo), Edison Ribeiro (PSL), Pastor Elias Azevedo (PSB), Gilberto Vermelho (PSDB), Jaírson Canário (SDD, não foi reeleito), Jeziel Silva (PP, não foi reeleito), Jorge da Farmácia (PSDB), Jorge Schneider (PTB), Zé Carlos (SDD, hoje do partido do Prefeito PSB), Jota Silva (PSB), Luis Yabiku (PDT, hoje secretário de Jonas), Luiz Henrique Cirilo (PSDB), Luiz Rossini (PV), Marcos Bernardelli (PSDB, hoje líder de governo), Neusa do São João (PSD, não foi reeleita), Paulo Galtério (PSB), Professor Alberto (PR), Thiago Ferrari (PTB, não foi reeleito), Tico Costa (SDD, que renunciou em 2017) e Vinícius Gratti (PSD, hoje do partido do prefeito, o PSB).
Transição polêmica
Agora totalmente dentro da lei e com o fim da gestão da SPDM (Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) — que teve problemas também, mas não será foco neste texto -, a Prefeitura abriu o chamamento para uma nova gestão dentro do modelo de OSs (Organizações Sociais). A vencedora da licitação, OS Vitale, participou da transição em maio e assumiu completamente em 1 de junho de 2016.
Na época, a Comissão Especial da Secretaria e Saúde atrasou o processo de licitação dizendo que duas concorrentes haviam questionados as regras do processo. Entretanto, para o MP, as empresas “concorrentes” tinham relações próximas com pessoas que seriam gestores da OS Vitale.
De acordo com o MP depois da exposição da Operação, a Vitale deveria desenvolver atividades de ensino e pesquisa para ganhar a concorrência, como mostra o edital. Entretanto, a organização social não atuava nesta área.
Além disso, futuramente saberíamos que a OS Vitale tinha o nome sujo e devia R$ 6,8 milhões.
“De acordo com a Serasa, a Vitale foi alvo de 1,1 mil protestos entre novembro de 2016 até e quinta-feira (25) que correspondem a R$ 6,2 milhões, além de cinco ações judiciais entre outubro do ano passado e a data de consulta feita pela reportagem, que totalizam outros R$ 294,8 mil.”
O ano do caos
Em julho de 2017, atrasos na entrega de materiais causaram adiamento de 9 cirurgias das 40 que, normalmente, o Hospital faz por dia. Na mesma matéria, a boa notícia dada foi que os telefones fixos haviam voltado a funcionar após uma pane.
Em setembro de 2017, cerca de 80 médicos residentes entraram em greve reivindicando melhores condições de trabalho. Eles já denunciavam atraso na remuneração, faltas insumos e equipamentos básicos quebrados, inviabilizando seu trabalho. Além disso, médicos especialistas em endoscopia pararam as atividades por que não concordaram com a redução de salários proposta pela OS Vitale.
No mês seguinte, foi a vez dos funcionários do Hospital. Todos os trabalhadores estavam com salários atrasados e cirurgias eletivas foram canceladas. Pararam as atividades enfermeiros, técnicos em enfermagem, faxineiros e técnicos de exames. Na mesma notícia, a Prefeitura se pronunciou dizendo que adiantaria R$ 3 milhões que seriam compensados ao longo do contrato de 5 anos (que durou apenas 17 meses).
Ainda em outubro, os médicos também entraram em greve. Se mantiveram apenas serviços de urgência e emergência. Os funcionários CLT recebiam os salários atrasado, e os PJ estavam com o pagamento atrasado há quatro meses. E os funcionários não tiveram depositados os valores do FGTS e INSS desde maio de 2016.
Pra piorar, o Secretário de Saúde Cármino de Souza disse achar a greve abusiva e demonstrou confiança na OS Vitale: “As informações que eu tenho é que ele [Ouro Verde] tem condições de funcionar. A Vitale disse que tem condições”
No meio de novembro, antes da Operação Ouro Verde aparecer, o Conselho Municipal de Saúde continuou sua mobilização e fez um ato no Hospital contra os cortes da Prefeitura e os atrasos no recebimento dos direitos dos trabalhadores do Ouro Verde.
A administração municipal disse, ainda, que “as questões relativas ao Hospital Ouro Verde, assim como as principais pautas da área da Saúde, têm sido amplamente discutidas nas reuniões do Conselho”.
Operação Ouro Verde
No dia 30 de novembro de 2017, acordamos com a Operação Ouro Verde.
“Em Campinas (SP), mandados foram cumpridos no Hospital Municipal Ouro Verde, administrada pela Organização Social (OS) Vitale, na Prefeitura e em residências de um condomínio. Uma pessoa foi presa e foi apreendido R$ 1,2 milhão, além de dois carros de luxo, dos modelos Ferrari e BMW.”
Hoje, há 6 empresários da OS Vitale e 2 ex-funcionários da Prefeitura de Campinas presos. O prefeito Jonas Donizette (PSB) e seu vereador líder de governo Marcos Bernardelli (PSDB) são investigados, além de seu braço direito Silvio Bernardin, que foi citado por ter falado diretamente com os dirigentes da OS Vitale sobre verba extra para a administração do Hospital.
Estima-se uma perda de pelo menos R$ 4 milhões aos cofres públicos, além de haver indícios de superfaturamento na compra de medicamentos, insumos, prestação de serviços no hospital e suspeita de recebimento de propina por agentes públicos.
Após a abertura dos processos descobrimos que a Pró Saúde, uma empresa maior, comandava a Vitale. Ela tem denúncias de má gestão, precarização e fraude em licitação por todo Brasil e teria criado a Vitale para ganhar a licitação, inclusive precisando de tempo para adequar a atuação da recém nascida Vital às necessidades da licitação.
O esquema funcionava assim: A Prefeitura repassava dinheiro para a Vitale, que contratava serviços terceirizados inexistentes e apresentava notas falsas para a Prefeitura, onde tinham contatos com servidores como Anésio Corat Júnior e Ramon Luciano Silva para colaborar.
Além disso, em gravação, a presidente da Vitale Aparecida Bertoncello disse que até fecharia partes do Hospital para forçar mais repasses de verba da Prefeitura, precarizando o serviço como desculpa para conseguir mais repasses.
Concluindo
Fica claro que os problema no Ouro Verde não são de hoje. A Saúde é o setor com maior orçamento de Campinas e um Hospital grande e caro, com abertura para gestão de OS, foi um enorme chamariz para quem tinha interesses escusos. A atuação do GAECO e do Ministério Público foi fundamental para jogar luz e comprovar que tem caroço nesse angu.
Agora, se tem uma coisa que não se alterou desde o nascimento do Hospital Ouro Verde em 2008 (e desde que há politicagem na política) é a posição pretensiosa do governo de isenção. Como se tudo estivesse ocorrendo apesar da Prefeitura, sem qualquer conexão.
O secretário Cármino de Souza chegou a dizer que não se arrepende de ter contratado o funcionário que participou do esquema e a administração municipal, enquanto o caos da Saúde acontecia, fingia que não era com ela. O governo foi eleito por uma expressiva maioria, mas com certeza não a está ouvindo ou representando se acha que de vez em quando sentar com o Conselho de Saúde já é um esforço suficientemente enorme para trabalhar pela nossa Saúde.
O mesmo pode-se dizer da Câmara de Vereadores que continua na lógica arcaica da confiança e não assume seu papel primeiro e republicano de fiscalizar o Executivo, porque diz confiar nele (alguns vereadores já saíram em defesa do Prefeito) e no Ministério Público.
Ora, é óbvio a importância do que o MP já fez e deve continuar fazendo. O que não está óbvio para os representantes do povo é que fazem parte de uma divisão de três poderes independentes e harmônicos entre si. Querem manter a harmonia sem exercer a independência que lhes foi dada pelo voto popular. Voto das mesmas pessoas que ao longo desses anos estão sofrendo com a precarização do serviço de saúde e que clamam para que seus representantes ajam e não fiquem de braços cruzados confiando uns nos outros.
Não podemos e não iremos ficar na lógica da confiança. Se eles não exercem a independência que demos, nós o faremos com a nossa cidadania, exigindo investigações de todos os lados para garantir que essa estrutura corrupta e sanguessuga esteja desmontada. Exigindo imediatamente a instauração de uma CPI da Saúde! São anos de atraso e faltam apenas 3 assinaturas. Pressione agora os vereadores!
Marcelo Nisida é midiálogo e membro da equipe Minha Campinas