Segundo Jerry, já são 890 rádios comunitárias e democráticas. As primeiras transmissões da rede aconteceram em janeiro e fevereiro deste ano de 2018.
Jerry de Oliveira, que atua na Radio Comunitária Noroeste FM, da Vila Boa Vista, em Campinas (SP), tem 47 anos, dos quais 25 anos dedicado à luta pela democratização da comunicação. Ele foi um dos fundadores da Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária) e atualmente é membro da coordenação Nacional do MNRC (Movimento Nacional de Rádios Comunitárias).
Nesta entrevista, Jerry fala da dificuldade de se construir no Brasil uma comunicação mais democrática e plural e comenta a relação dos movimentos de esquerda com a comunicação. “Infelizmente, o golpe contra Dilma reproduziu um efeito desesperador dos movimentos sociais que hoje entendem que este debate é crucial”, afirma. Veja a entrevista exclusiva ao site Carta Campinas:
Carta Campinas: Você tem participado da organização de uma Rede Nacional de Rádios Comunitárias, cerca de 890 emissoras. Esse é um número grande. Explique o que é essa rede, como surgiu e qual o objetivo?
Jerry de Oliveira: A Rede de Rádios Comunitárias já existe desde os anos 2000, que na época era organizada pelo grande companheiro José Guilherme, da Radio Favela de Belo Horizonte, para a cobertura do Fórum Social Mundial. Em 2004, esta rede chega a Campinas para combater e furar o bloqueio midiático durante a discussão de uma lei que regulamentava as rádios comunitárias na cidade, que enfrentou forte oposição da mídia de Campinas. Naquele período, furamos a bolha do monopólio da comunicação com 96 emissoras em rede.
Posteriormente, com o apoio da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e do Sinergia (Sindicato dos Eletricitários de Campinas) construímos um programa diário de jornalismo para as rádios comunitárias, chamado “Jornal dos Trabalhadores”, e que durou ate 2014. O programa teve ramificações nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que chegou a possuir 300 rádios no total.
Carta Campinas: O golpe parlamentar de 2016 atrapalhou essa formação?
Jerry de Oliveira: O processo do golpe de 2016 nos deixou preocupados, porque muitas das rádios que se diziam comunitárias apoiaram o golpe, e diante disso, nos reunimos e formulamos uma política de separação do joio do trigo. O MNRC (Movimento Nacional das Rádio Comunitárias) começa então a construir um programa para que as rádios comunitárias verdadeiras e democráticas se agrupassem numa pauta política contra o golpe e em defesa da democracia. Com isso, conseguimos juntar 890 rádios com este perfil, além do início de uma relação com as rádios livres de diversos países latino americanos.
Carta Campinas: e a Rede já está funcionando?
Jerry de Oliveira: Nossa primeira transmissão em rede foi no dia 23 e 24 de janeiro em Porto Alegre com a participação de aproximadamente 600 emissoras e colocando um transmissor de 1500 watts a 200 metros do Palácio Piratini (sede do governo estadual gaúcho) e relembrando o feito de Leonel Brizola com a Rede da Legalidade que segurou o golpe militar na década de 60.
A segunda transmissão em rede ocorreu no dia 19 de fevereiro de 2018, data que completou 20 anos da Lei de Rádios Comunitárias no Brasil e que culminou no dia nacional de luta contra a reforma da previdência. Neste dia optamos em formar a rede para o rompimento total desta lei e colocar as rádios comunitárias na luta junto com o povo brasileiro, que ajudou derrotar Temer na ‘desreforma’ da previdência.
Carta Campinas: A participação intensa da grande mídia no golpe de 2016 mostrou novamente aos setores democráticos e de esquerda a importância da comunicação na sociedade atual. Como você analisa a posição desses setores em relação à comunicação? Qual a dificuldade de avanços nesse aspecto?
Jerry de Oliveira: Um dos grandes problemas dos governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016) foi o debate da comunicação, sem dúvida nenhuma. Os governos Lula e Dilma avançaram na questão das outorgas, com 5000 emissoras outorgadas, porém houve muitos retrocessos em relação ao marco regulatório das rádios comunitárias.
Infelizmente, o golpe contra Dilma reproduziu um efeito desesperador dos movimentos sociais que hoje entendem que este debate é crucial, porém a esquerda ainda não encontrou uma formulação razoável para este debate. Nós do MNRC, analisando o golpe midiático e a disputa da narrativa, temos claro o enfrentamento que devemos ter neste momento, que é o fim da propriedade privada da comunicação. A esquerda infelizmente desistiu do debate do espectro de radiofrequência que é o meio de produção dos capitalistas da radiodifusão brasileira. Claro que as redes sociais e a internet criaram uma contra narrativa interessante, mas não podemos produzir cenoura em terra arrendada.
A internet não é nossa, a qualquer momento os golpistas vão puxar a internet da tomada e ficaremos a ver navios. Torna-se necessário rever a estratégia, e neste caso, temos que ter claro que se quisermos uma comunicação plural no Brasil, teremos que ter o fim da propriedade privada da comunicação como referencia para nossa luta.
Carta Campinas: e a relação dos grupos sociais democráticos, de esquerda, com a mídia?
Jerry de Oliveira: A dificuldade que a esquerda possui é a falta de clareza nas bandeiras políticas da comunicação. Hoje mesmo eu vi um compartilhamento de uma matéria do Correio Popular sendo comemorado como vitória do movimento de mulheres porque saiu naquela mídia. E se esqueceram que existem dezenas de mulheres no próprio Correio Popular que não recebem salários. A esquerda se equivoca nas suas ações e, ao invés de construir seus atos junto ao povo, acaba construindo seus atos para buscar visibilidade na mídia privada. Tem gente que diz assim… nosso ato teve 20 pessoas, mesmo assim foi bom porque tivemos visibilidade, porque a mídia noticiou. Mesmo de forma negativa, o importante foi que noticiou. Ainda vai demorar muito para a esquerda entender o que de fato esta em jogo na comunicação.
Carta Campinas: O que nos setores progressistas trava o desenvolvimento e a pluralidade da comunicação? Esses setores da esquerda democrática estão preparados para uma comunicação pluralizada? Ou eles só conseguem fazer uma comunicação em que tenham total controle vertical do processo?
Jerry de Oliveira: Não existe comunicação dialógica na esquerda, esta é a realidade. Infelizmente a esquerda nos vê como mídia e não como movimento social capaz de construir uma comunicação dialógica e plural. Existe sim a centralidade e existe a mesma lógica de difusão de valores. Trocar Roberto Marinho por Guilherme Boulos não nos faz democráticos – claro que respeitando a enorme diferença entre ambos. Na Rádio Noroeste quem faz a radio são ajudantes gerais, açougueiros, aposentados, balconistas etc. A diferença está na comunicação dialógica e não a comunicação unilateral