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É preciso ir além da questão social e econômica em relação aos negros no Brasil

O racismo conforma a subjetividade

.Por Ricardo Corrêa.

“Ser negro não é uma condição dada a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro.” Neusa Santos Souza

Djamila Ribeiro, mestre em filosofia política e feminista, participou de uma entrevista no programa Voz Ativa e proporcionou ao público que a acompanhou reflexões muito interessantes. Destaco um dos momentos do programa que será o guia para o desenvolvimento deste texto.

No decurso da entrevista perguntaram-na sobre qual o sentimento que a aprisionava nas oportunidades em que estava como a única negra em determinados lugares. Djamila respondeu sentir solidão, igualmente a outras mulheres negras quando estão em espaços, historicamente, negados a elas.

Na essência dessa narrativa existem duas opressões comuns na sociedade brasileira, e que  potencializam-se quando imbricadas: o racismo e o sexismo. Estes ao atravessarem a subjetividade das mulheres negras produzem a solidão revelada pela entrevistada. Em vista disso, penso que seja fundamental trazer uma reflexão focalizando a conformação imaterial decorrente do racismo − sem a pretensão de hierarquizar as opressões −, ensejando a penetração desse assunto com maior intensidade nas pautas reivindicatórias de combate ao preconceito e discriminação racial.

Os debates que abordam a situação dos afro-brasileiros focalizam, essencialmente, os aspectos socioeconômicos. Essa característica, possivelmente, se deve por causa da facilidade em mensurar as consequências nefastas que sujeitam o grupo étnico. No entanto, para a construção de uma dignidade coletiva e reparadora de séculos de escravidão não devemos abstrair  elementos de um todo tão complexo que sustenta a estrutura racista, por isso é fundamental a ampliação do espectro de discussões envolvendo a questão racial.

Da mesma forma que aquela solidão de Djamila, outras subjetividades emergem do racismo: angústia, dor, desesperança, ausência de autonomia, negação da identidade étnica, rebaixamento da autoestima. E nessa devastação psicológica soma-se o adoecimento da população negra: depressão, ansiedade, hipertensão arterial, taquicardia e ataques de pânico são algumas patologias já constatadas em pesquisas.

Desde cedo, o racismo apresenta as suas marcas na vida dos afro-brasileiros: há inúmeros relatos dos tratamentos atenciosos e afetuosos que os professores dispensam às crianças brancas em detrimento das crianças negras;  programações televisivas, voltadas para o público infantil, têm como conteúdo personagens, apresentadores e apresentadoras, majoritariamente, brancos; os brinquedos, em sua maioria, são constituintes de características que não representam as crianças negras. Diante desses exemplos, podemos deduzir que essa exposição ao racismo engendra um sentimento de inferioridade, dificuldade de relacionamento, desprezo pela origem étnica etc.

Outra situação contumaz é a previsão de um esforço duplo – dos negros − ao longo da vida social; poucos jovens afro-brasileiros não devem ter ouvido que para ser “alguém na vida” precisavam se esforçar mais do que as pessoas brancas; um argumento irresponsável porque contribui para um provável conflito psíquico no instante em que o racismo obstaculizar qualquer esforço desses jovens, além de desmobilizar possíveis questionamentos contra as desigualdades raciais.

Na obra da psicanalista Neusa Santos Souza “Tornar-se Negro” (1990) há um repertório de evidências perniciosas, acerca da vida emocional dos negros em ascensão social, surgidas na esteira do racismo, assim, corroborando e expandindo o conteúdo desta reflexão aos que resolverem apreciar a obra. Mas, deste ponto de vista e provocado pelas conclusões da psicanalista, ficou esclarecido que os negros ascendentes socialmente ao assimilarem os valores da branquitude tornaram-se sujeitos caricatos e afastados de qualquer valor social e político que abarque a identidade negra.

Nesse aspecto, o antropólogo Kabenguele Munanga (2004) oferece um questionamento vital: “como formar uma identidade em torno da cor e da negritude não assumidas pela maioria cujo futuro foi projetado no sonho do branqueamento?”. Exercitemos, então, um pensamento reflexivo para colocarmos em prática a superação deste “sonho do branqueamento”.

Até aqui as ideias postas permanecerão inacabadas, mas com a certeza de ter conseguido impulsionar a novos olhares, já que a discussão principal fora evidenciada. Está claro de que a exposição ao racismo promove consequências negativas, afetando a saúde e refletindo socialmente na vida de suas vítimas. Desse conjunto, não restou dúvidas de que a abolição da escravidão não trouxera a liberdade irrestrita, uma vez que o aprisionamento acontece, também, através da subjetividade.

Precisamos reivindicar políticas de combate ao racismo que contemplem os tratamentos e cuidados pautados na saúde e danos psicológicos das mulheres e homens negros; trabalhemos, inclusive, para o fortalecimento da identidade negra, pois assumir-se negro e seus valores é um importante caminho para a emancipação e resistência contra o racismo e a subjetividade por ele conformada.

REFERÊNCIAS

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus Identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

SILVA, M. L. Racismo e os efeitos na saúde mental. I Seminário Saúde da População Negra. 2004. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov. br/bvs/publicacoes/sec_saude_sp_saudepop negra.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2018

SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro: ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Graal, 1990.

WERNECK, Jurema. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, sep. 2016. ISSN 1984-0470. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf> Acesso em: 17 fev. 2018.

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