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Há algo de podre no reino de Hollywood

.Por Ricardo Pereira.

O Globo de Ouro é a primeira grande premiação do ano em Hollywood, mas o clima na cidade dos sonhos não está muito para festa e o auditório do Beverly Hilton Hotel – onde a imprensa estrangeira que cobre a indústria do entretenimento nos EUA entregará as estatuetas para os profissionais do cinema e da televisão que mais se destacaram em 2017 – não ficará isento dos protestos que devem se repetir por toda a temporada de premiações de 2018.

Um grupo de atrizes já anunciou que vestirá preto para denunciar as agressões sexuais sofridas pelas mulheres na indústria do cinema e a denúncia não deve, obviamente, se restringir ao figurino, deve estar presente também nos discursos de quem subir ao palco da premiação na noite de 7 de Janeiro. Entre as atrizes que fizeram o anúncio estão Meryl Streep, Jessica Chastain e Emma Stone, mas a adesão deve ser maior porque as revelações de assédio sexual que ganharam as manchetes durante todo o ano de 2017 podem vir a ser um divisor de águas dentro de uma indústria que parecia, aos olhos de quem está de fora, mais progressista do que se constatou.

As atrizes de Hollywood já vinham indicando há um bom tempo que todo o glamour que envolve a capital do cinema não estava isento dos mesmos problemas enfrentados pelas mulheres em qualquer área profissional. O famoso discurso de Patricia Arquette, ao receber a estatueta de melhor atriz coadjuvante por “Boyhood” no Oscar de 2015, em que denunciava a desigualdade salarial entre atores e atrizes em Hollywood já os indicava.

Para exemplificar a denúncia da colega, Natalie Portman revelou que Ashton Kutcher, por exemplo, havia ganho três vezes mais do que ela para ser seu par na comédia romântica “Sexo Sem Compromisso”. E Portman é uma atriz premiada com um Oscar enquanto o máximo que Kutcher conseguiu, até agora, na indústria do cinema foi um Framboesa de Ouro (prêmio – que diferentemente do Oscar – premia os piores atores e atrizes de cada ano).

2017 mostrou que a desigualdade salarial era apenas um sintoma de uma cultura muito mais sórdida que imperava inabalável em Hollywood até vir à tona com as denúncias de assédio sexual – e até de estupro – que, primeiro, atingiram Harvey Weinstein, executivo da Miramax, e um dos nomes mais fortes da indústria do cinema.

Se as denúncias ganharam manchetes só agora elas não eram desconhecidas da maioria dos profissionais que atua neste mundo dos sonhos que se revelou “de pesadelos”. Havia toda uma rede de proteção informal aos denunciados que envolvia executivos das mais diversas produtoras de Hollywood e que impedia que fossem revelados: se uma atriz resolvesse por a público o assédio sofrido não conseguiria novos contratos.

Além desta cumplicidade, havia também a omissão por parte daqueles que sabiam do drama passado pelas atrizes, mas mantinham-no sigiloso para não comprometerem suas carreiras. Quentin Tarantino é um exemplo. O diretor de “Pulp Fiction” revelou recentemente que soube da própria Mira Sorvino, atriz com quem teve um relacionamento amoroso, que Weinstein a teria assediado, mas minimizou, à época, o relato que lhe fora feito. A Miramax de Weinstein é a produtora de todos os filmes de Tarantino.

O que aconteceu com Mira Sorvino é um ótimo exemplo de como operava essa rede de proteção a Weinstein que existia em Hollywood. Sorvino, embora tenha ganho um Oscar por “Poderosa Afrodite”, um de seus primeiros trabalhos, foi aos poucos perdendo espaço na indústria do cinema. O “não” à proposta indecente de Weinstein aparece como um dos fatores que explicaria este seu apagamento em Hollywood, ainda mais com a revelação recente do cineasta neozelandês Peter Jackson de que, em 1998, Weinstein o pressionou para que não contratasse Sorvino – a atriz estrelaria a trilogia “O Senhor dos Anéis”.

A lista de assediadores em Hollywood não para de crescer, depois de Weinstein, outras acusações foram feitas atingindo muitos nomes famosos da indústria como James Toback, Louis C.K., Mark Halperin, Brett Ratner, Jeremy Piven, Dustin Hoffmann, Ed Westwick e John Lasseter, entre outros. As punições, até o momento, tem se restringido a perdas de trabalho ou expulsões de organizações de Hollywood – como dos sindicatos e da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

O que chama ainda mais a nossa atenção neste caso é que entre as denunciantes estão atrizes do quilate de Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow e Julianne Moore. Se estrelas como estas foram constrangidas e hostilizadas durante anos para não denunciarem o assédio de que foram vítimas imaginemos o que não acontece com mulheres muito mais próximas a nós – nossas amigas, namoradas, irmãs, mães. Há algo de podre no reino de Hollywood, mas esta podridão fede também sob nossos narizes.

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