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Passagens e transições das múltiplas artes nas obras de Fabiano Carriero

.Por Allan Yzumizawa.

Nascido em Campinas, o artista visual Fabiano Carriero, que viveu sua infância em Araruama (RJ), fala sobre o universo da caricatura, da poesia, das artes plásticas e de como elas se intercruzam na sua produção.

Carriero começou a se interessar pelo desenho influenciado pelas histórias em quadrinhos. Com isso, ao retornar para Campinas, iniciou cursos de desenho e caricatura, processos que foram fundamentais para encaminhar no universo das artes visuais. Neste diálogo, o artista conta um pouco sobre seus percursos e seus processos de trabalho.

Allan Yzumizawa: Quando começou a se envolver com arte?
Fabiano Carriero: Comecei a trabalhar profissionalmente com caricatura e ilustração em 2007. Então, vai fazer 10 anos que estou no mercado como caricaturista e acho que lá por 2010 ou 2011, comecei a me envolver mais nas artes plásticas ao desenvolver um pouco mais meus trabalhos em telas. Em 2013 eu entrei na faculdade de Artes Visuais na PUC Campinas e terminei recentemente, em 2016.

AY: Quando foi a sua primeira pintura em tela?
FC: Em 2011 pintei a minha primeira tela que considero que teve um impacto para mim. Antes eram mais estudos, então não as considero muito.

AY: Era um momento em que já estava na transição da caricatura para as artes plásticas?
FC: Sim!

AY: Essa vontade de pintar surgiu naturalmente ou foi algum contato com outra obra que te despertou esse interesse?
FC: Então, eu venho do mercado editorial – fazendo caricatura e ilustração. Hoje quase não trabalho mais com isso, apesar de ainda realizar trabalhos de caricatura. Aí nessa época, estava dependendo muito da utilização dos programa de computador como photoshop, corel, illustrator… e de equipamentos como a mesa digitalizadora. Isso era quase uma exigência para que pudesse inserir-se no mercado. Como estava nessa, comprei meu computador, minha tablet… só que nunca fui adepto dessa técnica. E por incrível que pareça, calhou de eu ser roubado (risos). Entraram no estúdio, roubaram meu computador e minha mesa digitalizadora. Fiquei meio desanimado e além disso, sem dinheiro. Então comecei a pintar na mão mesmo, foi uma alternativa a continuar produzindo que acabou despertando um interesse maior para a pintura (além de ser mais barato). Assim que começou.
Mas aí é meio difícil passar da ilustração para a pintura. Não queria fazer uma caricatura numa tela. Eu queria ver o que os artistas faziam, e assim passei a estudá-los. No começo, peguei os mais conhecidos: Picasso, Monet, tals. E a partir do momento em que você ia compreendendo, começava a explorar cada vez mais. Tentar entender a pintura.
Outro ponto também foi quando eu comecei a misturar esse novo aprendizado da pintura, com as leituras de poesia que estava fazendo. Comecei a ler com mais atenção o Drummond, o Rubem Braga. Aí acho que misturou o que eu estava aprendendo com as visuais, e com a poética dos textos. Foi aí que deixei um pouco mais de lado a ilustração.

AY: Como funciona para você esses dois espaços? Eles são separados? O que tem de diferença entre eles?
FC: Hoje, a minha resposta é que não há diferença entre eles. Na época eu não sabia pintar, então tinha essa atenção de não misturar as coisas. Depois de um tempo, você começa a entender que a caricatura, a pintura, a performance, a video arte, tudo desse universo é parecido. Se junta.
Eu posso escrever uma poesia relatando um quadro meu. Posso fazer uma música que seja o meu quadro. Posso fazer a caricatura de uma forma mais plástica. A faculdade me trouxe esse lado mais observador, auxiliando a encontrar a minha poética. Então a partir daí eu poderia percorrer livremente na gravura, no livro, na pintura de acordo com essa poética.

AY: E qual seria a sua poética?
FC: É difícil definir… Eu mostrar a minha obra para você, você sentirá uma coisa se for outra pessoa, será outra coisa.

AY: Mas existe um motivo para você pintar, né? O que te desperta?
FC: Acredito que eu tenha várias fases… Numa época estava pintando tal coisa, outra época, já estava com outro motivo. Mas existe algo em comum em todas que são os signos. Gosto muito. Achei muito potente poder criar meu significado nas coisas. Pode observar que a maioria trata sobre bar, sobre vida noturna… tem copo, tem garrafa. É um cotidiano boêmio. A pessoa sozinha procurando algo. Gosto muito de trabalhar nesse caminho.
O que motiva fazer isso é a observação. Gosto de analisar a solidão. Pra mim isso é um dos maus da nossa época, a solidão das pessoas, o individualismo. Esses são temas que gosto de tratar, só que de uma maneira sutil.

AY: Talvez uma ilustração da música do Criolo: os bares estão cheios de almas tão vazias…
FC: Sim! Sempre quando passo nos bares, eu canto esse trecho! (risos) É isso mesmo. Pegando até o Criolo, eu acho que é um cara que está na atualidade. Por exemplo, ele é muito sutil, muito poético. Ele poderia simplesmente falar que não tem gente legal no bar. Mas não. Os bares estão cheios. Olha só que bonito: cheios… de almas tão vazias. Impacta mais, só que também fica mais difícil de entender.

AY: A vida não é fácil de entender. (risos)
FC: Eu gosto muito dessa linha de pensamento. Como eu falei, depois que a poesia e esse universo poético entrou no meu repertório… Acho que minhas obras são mais próximas dos poetas do que dos artistas plásticos. Quando olho para um artista, analiso muito mais seu lado técnico. Claro que existem algumas exceções, por exemplo o Caribé. Adoro. Tenho muita influência dele, do Caymmi, Portinari… Gosto muito dos brasileiros.

AY: Enxergo muito deles em você.
FC: É mesmo? Eu levanto a bandeira para os artistas brasileiros. Tem que estudar um Mondigliani, Picasso, esses caras… Só que adoro os brasileiros. Quando crescer, eu quero ser igual o Caymmi! (risos) As músicas dele, as pinturas… O Paulo Cesar Pinheiro.. tem muita coisa dele que reverbera em mim. Sabe aquelas coincidências da vida? Eu era muito do rock, e um dia um amigo meu me pediu pra fazer uma exposição com 25 caricaturas de sambistas e quando eu faço a caricatura, eu não gosto de simplesmente chegar, olhar e começar a desenhar. Se for uma coisa emergente, tudo bem, mas quanto mais eu sei da pessoa, mais vou saber fazer a caricatura dela. Por isso que hoje em dia, voltando na pergunta que você fez sobre as fronteiras entre caricatura e arte, agora eu consigo compreender que a caricatura que eu faço é o retrato da sua personalidade, não é só mais um desenho, uma ilustração. E eu estudo. Se é um cantor que não conheço, eu tento ouvir a música dele e às vezes você acaba gostando. Eu comecei a gostar de samba assim, não fazia parte do meu universo. Eu comecei a ouvir muito, fiz até aula de samba. É o que eu tento fazer em cada obra minha. E na mesma época que conheci Paulo César Pinheiro, eu tava estudando Guimarães Rosa, e aí vi uma entrevista do Paulo falando que ele tinha muita influência em Guimarães, aí fiquei super animado! Parece que está andando no mesmo passo, caminhando no mesmo sentindo. Então essas fontes, somada com acontecimentos na nossa vida, vão criando um repertório de coisas que influenciam na produção. Por exemplo, a Folha (fb.com/espacofolha/), ou morar com a Duda, que é minha parceira, é algo super novo. Como explorar isso?
Isso me influencia não diretamente, mas discretamente. Essas coisas do cotidiano.
E uma outra coisa que eu vejo é isso: não sei se é porque eu venho da ilustração, mas eu tento trabalhar todos os dias. Tem dia que sai e tem dia que não sai. Quando não sai, eu relaxo e saio pra rua, vou tomar um café, andar… Mesmo quando não estou fazendo nada, estou fazendo alguma coisa. Quando teve o Trânsito Livre, por exemplo, eu adorei porque pude entrar na casa de vários artistas e isso me inspira a produzir, porque é a fonte. Adoro conversar com o artista, tomar uma cerveja, conhecer de fato a fonte da obra.

AY: Você falou das suas referências brasileiras, tanto da música, das artes plásticas e da poesia. Hoje, qual artista vivo de Campinas é a sua referência?
FC: Tem bastante. Gosto muito do trabalho do Álvaro Azzan. De referencia, eu gosto muito de uma grafiteira paulistana chamada Mag Magrela. Pra mim, ela tá num nível muito alto. Gosto de um artista de São Paulo, que inclusive morava em Barão Geraldo e fazia caricatura que é o Flávio Rossi. Tem o Paulo Branco, que é professor e uma lenda viva. Quando vou começar uma obra, eu dou uma olhada neles.

AY: Acho muito importante essa “conversa de trabalho”. Descobrir quem são seus pares dos quais enfrentam as mesmas questões, para poder trocar, discutir, reclamar etc.
FC: Sim! Eu gosto muito disso. Eu falei desses artistas, mas foi o que me veio na cabeça nesse momento. Eu tenho um caderno onde anoto todos esses artistas que me influenciam. Mesmo que de uma maneira sutil…

AY: Sim, às vezes as referências não tem nada a ver com a gente e às vezes são coisas opostas, mas quando há a troca, isso te alimenta. Os opostos tem muito a acrescentar para nós também.
FC: É isso. E eu vou anotando tudo. Quando vou fazer uma pintura, vou consultando essas coisas que vão compondo o esqueleto da obra. Hoje em dia eu uso muito o instagram. Tem muito artista bom lá. Às vezes um artista do Japão que faz algo que dialoga muito com você.

AY: A última pergunta. O que você projetaria para o futuro?
FC: Pergunta difícil… (risos)

AY: É que muitos artistas tem aqueles projetos dos sonhos, que só realizariam se tivesse uma verba enorme etc… e que por causa dessas inviabilidades, deixam engavetados. Então, mudo a pergunta: se você tivesse muito dinheiro, o que você realizaria de projeto artístico?
FC: A vida não tá fácil pra ninguém. Tem gente que consegue achar um meio pra viver de arte. Tem outras pessoas, tão boas, que tem dificuldade até pra tomar um café. Eu vivo cada dia um dia. Não tenho medo de trabalhar atrás do balcão.
Gosto do que faço, e não me incomoda ter uma vida simples para que isso se viabilize. Mas se me perguntar o que eu quero? Eu gostaria que meus trabalhos tivessem uma maior visibilidade. Eu fico pensando como é ter um quadro meu nas casas das pessoas. As músicas são espalhadas. Você citou Criolo, porque você ouviu uma mensagem dele. Eu quero espalhar a minha mensagem, seja num museu, dentro de uma casa, numa galeria… Então a única coisa que eu quero é não parar de fazer minhas obras, e poder divulgá-las para as pessoas.

Allan Yzumizawa é curador e faz parte do Núcleo Artístico Torta.

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