De acordo com projeções do Banco Mundial, o país terá, até o fim de 2017, 3,6 milhões a mais de pobres.
Essas são as constatações do relatório A Distância Que Nos Une, Um Retrato das Desigualdades Brasileiras, divulgado nesta segunda-feira (25) pela Oxfam Brasil. O relatório confirma as afirmações do economista irlandês, Marc Morgan Milá, que revela que o Brasil tem um projeto político de desigualdade social. Os 6 mais ricos foram beneficiados pelas políticas de desigualdade social e econômica.
A organização, que trabalha no combate à pobreza e à desigualdade, resolveu publicar pela primeira vez um estudo em que investiga, com base em vários dados, as raízes e soluções para um país onde se distribui de forma desigual fatores como renda, riqueza e serviços essenciais.
De acordo com Katia Maia, diretora-executiva da entidade, o objetivo é divulgar um relatório anual sobre a desigualdade e mostrar os diferentes problemas do tema, como, por exemplo, o da tributação brasileira. “Nós pagamos muitos impostos. Mas não é que a nossa tributação é excessiva, na verdade ela é injusta. A gente está abaixo da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) [em termos de carga tributária]. Mas é uma tributação onde quem paga o pato é a classe média e as pessoas mais pobres”, disse.
Tributação indireta
O documento identifica falhas na forma como o imposto é arrecadado no Brasil, em contraste com outros países. Além da alta tributação indireta, há questionamentos à isenção de impostos sobre lucros e dividendos de empresas e à baixa tributação de patrimônio, que, com isso, acabam contribuindo para aumentar a concentração de renda dos mais ricos.
A coordenadora do relatório defende que é possível que as autoridades brasileiras combatam fatores que impedem a tributação proporcionalmente igualitária, mesmo antes de uma necessária reforma tributária. Um deles é a evasão tributária, em que somente em 2016, segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), deixaram de ser arrecadados R$ 275 bilhões.
Como pontos positivos dos últimos anos, A Distância Que Nos Une credita ao mercado de trabalho o “principal fator” da recente redução da desigualdade de renda no Brasil. Com a estabilização da economia e da inflação nos últimos 20 anos, foi possível ao país investir na queda do desemprego, na valorização real do salário mínimo e no aumento do mercado formal.
Há diferenças, porém, que ainda precisam ser enfrentadas, de acordo com o relatório. Ele também enumera dados sobre as já recorrentes diferenciações salariais entre mulheres/homens e negros/brancos que possuem a mesma escolaridade.
“A média brasileira de anos de estudo é de 7,8 anos, abaixo das médias latino-americanas, como as do Chile e Argentina (9,9 anos), Costa Rica (8,7 anos) e México (8,6 anos). É ainda mais distante da média de países desenvolvidos”, indica o estudo, complementando que apenas 34,6% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados em universidades, dos quais apenas 18% concluem o curso.
Juventude negra e pobre é a mais afetada por barreiras educacionais
“Em geral, a juventude negra e pobre é a mais afetada pelas barreiras educacionais. Baixo número de anos de estudo, evasão escolar e dificuldade de acesso à universidade são problemas maiores para esses grupos, que, não por acaso, estão na base da pirâmide de renda brasileira”, afirma.
Para Katia Maia, a construção da sociedade brasileira é baseada em uma divisão entre cidadãos de “primeira e de segunda categoria. “Os números são muito fortes: 80% das pessoas negras ganham até dois salários mínimos, e estamos falando de 50% da população brasileira. A gente olha no nosso entorno e vê as bolhas de pessoas brancas, enquanto as negras são colocadas na periferia da cidade. É importante a gente debater e conversar sobre o racismo, mostrando que somos iguais. Esse déficit a gente tem de assumir, que somos país racista e enfrentar, buscar solucionar isso. É grave porque do jeito que estão colocados, os números falam por si, a gente quase não resolve isso nesse século”, alerta.
Embora aponte uma “notável universalização do acesso à educação básica”, o relatório pede cuidados para lidar com a evasão escolar, especialmente em séries mais adiantadas. No que diz respeito a outros serviços essenciais, apesar de elogiar uma “importante expansão” nos últimos anos, o documento coloca como desafio a ampliação do acesso de mulheres e negros ao sistema público de saúde.
O documento lembra – como exemplos de desigualdade – a situação de dois dos 96 distritos de São Paulo, a maior cidade brasileira: “Dados mais recentes dão conta de que, em Cidade Tiradentes, bairro de periferia de São Paulo, a idade média ao morrer é de 54 anos, 25 a menos do que no distrito de Pinheiros, onde ela é de 79 anos. Trata-se de um dado que resume como as desigualdades se manifestam de diversas formas, sempre a um preço muito alto para a base da pirâmide social no Brasil”.
Com elogios à redução geral da desigualdade de renda e pobreza após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o relatório considera ainda a retirada, nos últimos 15 anos, de 28 milhões de pessoas da pobreza e a saída do Brasil do Mapa da Fome, em 2015. A parcela da população abaixo da linha da pobreza caiu, entre 1988 e 2015, de 37% para 10%, conforme o estudo. Devido à crise econômica dos últimos anos, porém, os governos têm feito “mudanças radicais” que, segundo o levantamento, evidenciam uma “acelerada redução do papel do Estado” que “aponta para um novo ciclo de aumento de desigualdades”, segundo a organização.
Garantia de Direitos
A Emenda do Teto dos Gastos, que limita os gastos públicos por 20 anos, é considerada no documento como um “largo passo atrás na garantia de direitos”. De acordo com as constatações da Oxfam Brasil, há a necessidade de se revisar a reforma trabalhista aprovada recentemente pelo Congresso Nacional, “onde ela significou a perda de direitos”. Outros entraves ao fim das “desigualdades extremas” do Brasil, segundo a pesquisa, são a melhoria dos mecanismos de prestação de contas, mais transparência, combate à corrupção e uma “efetiva regulação da atividade de lobby”.
De acordo com Katia, a meta do relatório não é defender que todas as pessoas tenham a mesma coisa e sim mostrar os extremos que não devem ser aceitos pela sociedade. No dia em que se completam dois anos da assinatura dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pelos 193 Estados Membros da Organização das Nações Unidas (ONU), com metas para os países até 2030, a coordenadora do relatório acredita, corroborando o documento, que as desigualdades “não são inevitáveis”.
“Elas são fruto de decisões políticas, de interesses, e nos níveis que nós temos hoje no Brasil, são eticamente inaceitáveis. Estamos construindo uma sociedade onde uma parte da população vale mais que outra. Não pode ser assim, somos todos parte da mesma sociedade. Essa distância entre nós está tão grande que a única forma de reduzir é atuando juntos, nos unindo”, finaliza.