Os desenhos em exposição utilizam a técnica simples da caneta esferográfica sobre papel.
Licenciada em Filosofia pela PUC-Campinas, a artista desenvolve a sua produção com a esferográfica nas séries Geografias Internas e Ovo, série de desenhos abstratos. Participa do movimento de Arte Postal desde 2009, tem produção escrita na revista Olho Latino e textos com suas impressões das exposições realizadas na Livraria Pontes desde 2013, além de trabalhos selecionados para a ilustração do dossiê de literatura neolatina da revista digital Philos.
“As Geografias Internas de Eni Ilis recordam-me as explicações de Nietzsche em O Nascimento da Tragédia: lá o filósofo compara a gênese da tragédia a uma experiência prosaica, que todos podemos fazer com facilidade. Depois da tentativa de olhar diretamente para o sol durante alguns momentos, nosso campo visual é inundado por manchas escuras, que têm uma função balsâmica e terapêutica.
Elas são um recurso natural do organismo para curar nossos olhos das feridas causadas pela exposição abrupta à luminosidade intensa e demasiado crua. Na recriação poética do mito trágico, esse processo ocorreria às avessas: nosso olhar é calcinado não pela luz fulgurante do sol, mas pelas trevas abissais do sofrimento humano, pela escuridão das dores do mundo.
Quanto mais profundamente o olhar mergulha nos recônditos da vida, mais fundo ele penetra na imensidade da penúria, no absurdo do tormento. Para curar-se desse pessimismo mortal, o artista simboliza o horror, converte-o em ditirambos entoados pelo côro, no drama vivido no palco pelos personagens da tragédia, conjurados pelo espírito da música: assim, transfigurada e envolta pelo véu sedutor da beleza artística, a vida e seus sofrimentos podem ser não apenas suportados, mas justificados e afirmados.
A arte nos salva, portanto, da experiência cruel da ausência de sentido para a dor, da morte, da finitude. O mesmo acontece com os desenhos de Eni Ilis, como as presentes Geografias. Elas são instantâneos da interioridade, dos labirintos anímicos, são fulgurações, de diáfanos contornos, brotados de um sofrimento inarticulado, que se oferece ao olhar como expressões de uma beleza delicada e pungente, envolta em evocações e pudores. São jogos riquíssimos claros e escuros, sombras e luz, de uma requintada leveza, que dão vida a formas hesitantes, embrionariamente plásticas, de linhas frágeis, mais insinuadas à liberdade de nossa faculdade de imaginação do que estampadas em traços massivos e linhas fixadas com nitidez contundente. As figuras de Eni Ilis sugerem a sabedoria dos mistérios profundos, aos quais têm acesso apenas aqueles que são capazes de silêncio reverente e escuta respeitosa às vozes do inconsciente, às queixas da alma.
Mas justamente porque elas não são os tristes lamentos de nosso vale de lágrimas, nem a resignação dos que sucumbem ao peso dos destinos cruéis, mas a sofrida extração do que há de belo e de promessa de felicidade nas experiências amargas, a sua resignificação sob a forma da expressão simbólica, por causa disso é que a arte de Eni Ilis realiza aquilo que promete à primeira aproximação com suas criações: elas são um estimulante e um convite a viver de modo que cada um de nossos instantes seja um anúncio de que valeu a pena ter vivido, para chegar até aqui.
É o mesmo que ocorre com as dores do parto, com o grito primal, que são a coincidência originária de indizível felicidade e insuportável sofrimento, de luzes e sombras, de agonias e êxtases, vida e morte, criação e destruição, fundidos em paradoxal unidade, em que os contrários se integram, no seu máximo de tensionamento: o mesmo grito, que desafoga a dor dilacerante de um novo começo, é também o hino jubiloso que acompanha o firme agarrar-se a vida que apenas se inicia. É isso que cada desenho de Eni Ilis suscita naqueles que os contemplam com a calma e a concentração que eles exigem, que ouvem a música silenciosa que deles brota e nos eleva”.
Oswaldo Giacoia Junior
IFCH – Unicamp
Departamento de Filosofia
Exposição: Geografias Internas (Eni Ilis)
Curadoria: João Bosco
Período da mostra: 28/07 a 11/08
Horário: 8h30 às 22h, sendo dia 11/08 até às 13h
Entrada gratuita
Local: Casa do Lago
Endereço: Av. Érico Veríssimo 1011, cidade Universitária Zeferino Vaz – Unicamp – Barão Geraldo , Campinas – SP CEP 13083-851 Fone: (19) 3521-1708