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Relatório do Plano Diretor de Campinas mostra pequenez dos governantes

Por Alessandra Caneppele

Em 16 de fevereiro passado esse mesmo site de notícias publicou um artigo inquieto, no qual lemos a preocupação dos cidadãos com os encaminhamentos feitos pela prefeitura de Campinas na elaboração do novo Plano Diretor (PD) para a cidade.

Nas deliberações do secretário de Planejamento e Urbanismo Carlos Augusto Santoro na aprovação da metodologia participativa, em reunião no Concidade no dia 15 de fevereiro passado, reconhecemos o início do que poderia se concretizar como uma farsa de contribuição popular através da qual avançariam os tratores dos interesses privados de um grupo de proprietários rurais aliados a empreendedores imobiliários.

Passado o tempo de realização do cronograma participativo então aprovado, vemos confirmado o que nos idos de fevereiro era apenas uma suspeita temerosa.

As irregularidades cometidas pela prefeitura durante esse percurso supostamente participativo são tantas que fica difícil elencar aqui. Assim como é difícil resumir todos os enormes problemas de conteúdo das duas minutas de Lei de Plano Diretor entregues pelo gabinete do prefeito. Mas tentaremos apresentar o essencial.

Quanto aos problemas na implementação da metodologia participativa, duas representações, entregues nos dias 5 e 20 de junho ao Ministério Público, descrevem minuciosamente os vícios de procedimento da prefeitura, que não disponibilizou à população todos os documentos referentes ao Plano Diretor, muito menos divulgou adequadamente os conteúdos do que estava propondo ou noticiou corretamente e em tempo a chamada para as reuniões nos bairros.

Como resultado dessas prevaricações da prefeitura, tivemos de fato uma baixa adesão participativa da população – não porque o morador de Campinas concorda com o que se propõe, mas simplesmente porque ele não sabe de fato o que está acontecendo e quais são as consequências das propostas para seus bairros.

Um exemplo evidente do não cumprimento por parte da prefeitura dos procedimentos acordados para garantir a participação popular: embora a metodologia aprovada obrigue a prefeitura a entregar suas versões do Plano no mínimo 15 dias antes das reuniões com a população e com grifos claros indicando o que foi modificado entre uma e a outra versão, a segunda versão do Plano foi entregue apenas na véspera da reunião que a debateria dia 20 de junho e sem todas as marcações das modificações. Exemplo manifesto de que a prefeitura atentou gravemente contra a participação popular.

Embora a prefeitura insista em dizer que fez tudo como devia e que são alguns poucos que reclamam sem fundamentos, felizmente o Ministério Público está reconhecendo o pleito dos cidadãos e associações descrito nessas representações e pediu a prorrogação do prazo de elaboração do novo Plano Diretor.

Mas, além da questão das impropriedades na implementação da metodologia participativa, o que a prefeitura omite agora é que a prorrogação indicada pelo Ministério Público é fruto do reconhecimento jurídico de que a minuta da prefeitura é inadequada tanto por o que traz em seu conteúdo como também pelo que não traz nela.

De fato, poderíamos dizer que a proposta da prefeitura seria um belo balão de gás cor de rosa, lindo em sua aparência, mas completamente vazio, sem de fato trazer os conteúdos necessários ao planejamento e desenvolvimento da cidade – notemos que a minuta indica a necessidade de criação de cerca de 14 novas leis específicas, que de fato regularão os conteúdos abstratos que ela apenas elenca, sem definir como de fato será essa nova legislação.

Com seu novo Plano Diretor, a prefeitura rasga a legislação que temos e coloca no lugar um texto vago, do qual não sabemos o que de fato sairá para a ordenação de nossos bairros, ruas, etc. Certamente o Ministério Público notou o vácuo jurídico e a desgovernança em que o novo Plano Diretor colocará de fato a cidade de Campinas.

Contudo, o novo Plano Diretor não é simplesmente esse balão cor de rosa vazio – ele carrega sim dentro de si um conteúdo bem específico: uma legislação que permitirá a conversão das zonas rurais da cidade em zonas urbanas.

Será que estaríamos sendo malvados demais com nossos governantes ao afirmar que o novo Plano Diretor de Campinas teria como finalidade quase única apenas aprovar a nova legislação que permitirá essa conversão?

Talvez essa afirmação fosse uma malvadeza injusta se não tivéssemos presenciado as reuniões de “Apresentação da Sistematização das propostas”, derradeiras do processo, bem como a última reunião do Concidade, de 21 de junho.

Nelas assistimos à orquestração entre o secretário Santoro que, levantando o dedo polegar em sinais de positivo, dirigia-se à ala do Salão Vermelho ocupada por proprietários rurais e agentes do setor imobiliário incitando-os a se manifestarem a favor da famigerada macrozona de desenvolvimento ordenado, a qual permitirá a tal conversão do rural.

Incapaz de justificar tecnicamente a legislação sobre a expansão desordenada urbana que a prefeitura de fato quer aprovar (que o próprio estudo do Caderno de Subsídios dos técnicos da prefeitura diz ser desnecessária e ruim), o Secretário Santoro apelou para o recurso da claque do auditório, pronta para polemizar violentamente e pelo lado pessoal com qualquer outra opinião – daí o tumulto que resultou no encerramento abrupto da reunião do Concidade do dia 21 passado.

Enfim, triste presenciar um espetáculo desses: enquanto a cidade de Campinas sobrevive cheia de problemas, esperando que o espaço das discussões sobre o novo Plano Diretor possa ser usado para pensar, planejar e resolver os problemas que a cidade já tem hoje em seu atual perímetro urbano, a prefeitura usa o espaço coletivo essencial de discussão para propagar uma repetição monótona da fala dos proprietários defendendo o direito privado deles ganharem o seu dinheiro.

É a esse nível ridiculamente mesquinho, tão alheio a tudo o que interessa de fato aos moradores e à coletividade da cidade, que a prefeitura de Campinas limita e rebaixa a discussão do planejamento da cidade?

Governantes e elite proprietária usaram as últimas reuniões públicas na prefeitura para reiterar entre si, em harmonia, suas próprias concepções tacanhas sobre o direito do proprietário, o desenvolvimento da cidade, o interesse da sociedade, usando a palavra “sociedade” como sinônimo de clube de poucos, “desenvolvimento” como sinônimo de destruição, “propriedade” como sinônimo de direito absoluto privado.

Tantas coisas fundamentais para discutir e incorporar ao planejamento da cidade e a prefeitura de Campinas se mobiliza aparelhando e ocupando o espaço participativo do Plano Diretor para defender o interesse de tão poucos – enquanto, ao mesmo tempo, agride e desqualifica a participação daqueles que representam interesses mais próximos do que pedem os moradores da cidade.

Importante retomar aqui o fato de que a prefeitura simplesmente desconsiderou que, pelo canal oficial de contribuições online aberto pela própria prefeitura até o último dia 5, a maioria (92%) das manifestações sobre o macrozoneamento pediu para que fosse retirada a macrozona que legalizará a conversão do rural.

Lembremos também que os três abaixo-assinados entregues à prefeitura com quase 6.000 assinaturas foram considerados não representativos pela prefeitura. Enquanto isso, o secretário se põe alegremente de acordo nas reuniões com um grupo mínimo de empreiteiros, corretores e proprietários rurais supostamente mais “representativos” dos anseios de Campinas e seus moradores…

Mas não sejamos tão contundentes quanto à vacuidade da proposta de PD do gabinete do prefeito e reconheçamos nele também um segundo conteúdo: a criação de duas zonas de ação direta da prefeitura, uma em Barão Geraldo, outra na região de Viracopos.

Mudando radicalmente o zoneamento, o adensamento, os perfis construtivos e as diretrizes viárias dessas áreas, o novo Plano entrega-as a uma especulação imobiliária desenfreada, que descaracterizará brutalmente seus bairros, desrespeitando frontalmente as reivindicações reiteradamente expressas por milhares de moradores dessas regiões.

No caso de Barão Geraldo, ao desrespeito às contribuições dos moradores soma-se o insistente uso indevido do nome da Unicamp como justificativa para uma tamanha intervenção, quando essa mesma Universidade de fato já se manifestou oficialmente contra alguns aspectos específicos e outros gerais da proposta da prefeitura.

Portanto, o é apenas um Plano Diretor não debatido e não construído com os moradores e instituições da cidade que a prefeitura entrega aos cidadãos de Campinas. Não é apenas um Plano Diretor vago, vazio, preguiçoso, juridicamente perigoso e displicente com os reais problemas da cidade, sobre os quais ele deveria se debruçar.

O novo Plano Diretor do governo Jonas Donizete (PSB) é também um embrulho dentro do qual nossos governantes entregam à velha classe dos proprietários e especuladores o presente de uma nova liberdade, ampliada, de exercitarem seus altos ganhos financeiros em detrimento do que é pedido pela coletividade.

A decisão do prefeito Jonas Donizete de não acatar a prorrogação e os pedidos de revisão e ampliação da minuta feitos pelo Promotor Valdir Kobori apenas confirma a ilegitimidade da elaboração do novo PD de Campinas.

Aqui ou em Brasília, infelizmente, parece que nossa classe política e suas elites ainda governam como se a função da coisa pública fosse garantir benefícios privados. Mas nós cidadãos continuaremos mobilizados, acreditando na construção de uma cidade mais justa e democrática na qual, aos que ainda hoje alardeiam incautos sua pouca ética pública, restará apenas a vergonha pela pequenez venal e destrutiva de seus atos passados.

Apenas a participação ativa dos cidadãos de Campinas pode impedir essa farsa democrática e a consequente farra do setor imobiliário, recolocando como valor primeiro do plano diretor o bem-estar coletivo daqueles que moram, trabalham e se locomovem na cidade de campinas.

Uma carta aberta de apoio aos questionamentos jurídicos sobre a participação popular e os conteúdos da proposta da prefeitura está disponível para ser assinada pela população  neste link.

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