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Haddad disseca o papel da mídia para fazer um Brasil obscurantista no século 21

O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, publicou um depoimento na revista Piauí, sobre sua experiência com o poder desde os tempos de Ministro da Educação.

No artigo, fala dos problemas de Dilma Rousseff, do papel deletério da mídia, aponta o promotor suspeito de receber propina, e que passou a persegui-lo, mostra que José Serra foi o principal mentor do golpe, entre outras revelações.

Abaixo os principais trechos que mostram o importante papel da mídia para transformar o Brasil em um país atrasado, desigual, arcaico e evangélico-obscurantista.

O papel deletério da imprensa de família
Para Haddad, movimento semelhante [avanço da extrema direita] ocorreu com a imprensa e o veículo que mais respaldou a pauta obscurantista foi a Folha de S.Paulo. “Sob o manto moderno do pluralismo, uma pretensa marca do jornal, a Folha legitimou, tornou palatável e deu ares de seriedade a uma agenda para lá de regressiva. Adotando inclusive a expressão “kit gay”, criada pela bancada evangélica do Congresso” diz ele, contribuindo “para que o debate sobre direitos civis atrasasse cinquenta anos no pais”.

A perda de rumo da Folha foi anotada por Haddad em editoriais e em campanhas internas, tentando alardear seu papel de “vanguarda da modernidade”.

Haddad aponta a falta de regulação como o principal problema da mídia no país. Do ponto de vista econômico, agem como oligopólio; do ponto de vista político, como monopólio. E a prova foi a tentativa de tirar do ar, por via judicial, os portais de informação estrangeiros em língua portuguesa – como BBC Brasil, El Pais Brasil ou The Intercept Brasil -, invocando o artigo 222 da Constituição, que reserva aos brasileiros natos a propriedade de empresas jornalísticas.

O maior problema é a propriedade cruzada dos meios de comunicação, diz ele. Os jornalistas que são alterego dos patrões a rigor estão em qualquer lugar, a qualquer tempo, no jornal, na Internet, na TV e no rádio.

“É bastante surreal que criticas ao modelo brasileiro de comunicação sejam apresentadas como um atentado à liberdade de imprensa, quando na verdade o modelo brasileiro é o que limita a atividade jornalística”, constata ele.

Mesmo assim, em ambiente de relativa liberdade, nem a Globo consegue destruir uma boa ideia, como foi o caso do Programa Bolsa Família. “Tentou-se por todos os caminhos deslegitima-lo, desconstrui-lo, mas essa iniciativa de caráter eminentemente liberal é hoje recomendada a outros países do mundo pelo Banco Mundial”, diz ele. Outro exemplo foram as cotas raciais.

A perseguição implacável da mídia
Mesmo esperando um tratamento bastante crítico da mídia, a maneira como foi atacado surpreendeu a Haddad. Antes, manteve interlocução com os Marinho, os Frias e os Civita. Mas durante todo seu governo, prevaleceu a intenção da desconstrução das políticas públicas em curso.

Lembra o caso da CBN, que estampava em seu portal reportagem com o título “Irmão de secretario de Haddad é denunciado por envolvimento na máfia do ISS.” Constatando que o secretário em questão era Rodrigo Garcia, do governo Alckmin, retificou a nota, mas sem incluir o nome do governador.

Ou o carnaval da revista Veja São Paulo, em matéria de 6 de fevereiro de 2015, sobre o custo das ciclovias, ignorando projetos especiais, como enterramento de fiação, readequação urbanística de canteiros etc. Mais de um ano de trabalho para desmentir o fato.

O problema maior era quando as reportagens afetavam negativamente a vida dos beneficiários de políticas públicas, diz ele.

Ele atribui o fim do programa De Braços Abertos ao tipo de cobertura da Folha. Nenhum prefeito ousara atuar na Cracolândia. Em um ano de Braços Abertos, o fluxo de moradores em situação de rua caiu de 1.500 para 500. A situação dos acolhidos foi auditada pela Open Society Foundations, que reconheceu os méritos da politica de redução de danos.

Foram necessárias semanas de negociação para a Folha informar seus leitores sobre isso. Ao mesmo tempo, para o Recomeço, programa de internação do governo do estado, não eram exigidos resultados e muito menos avaliação externa. “A cada eleição presidencial, o governo federal era cobrado pela vigilância de 17 mil quilômetros de fronteira seca, sem que o governo de São Paulo conseguisse vigiar um quarteirão da principal cidade do pais”.

Haddad queixa-se, também, da omissão da autoria, do desvirtuamento da motivação e da desigualdade no tratamento das políticas públicas. “A inauguração do Hospital Vila Santa Catarina, na minha gestão, teve menos destaque que a recente reforma dos banheiros do parque Ibirapuera pela gestão de Doria”, diz ele.

“O Fantástico chegou a fazer uma serie de matérias sobre um programa municipal chamado FabLab – laboratórios de impressoras 3D que se espalham pelo mundo fomentando o empreendedorismo. Não me lembro de que tenham feito menção à Prefeitura de São Paulo”.

Em cidades grandes, é difícil a avaliação técnica do trabalho do prefeito. “Isso confere à mídia um poder enorme: ela tanto pode impedir que boas iniciativas se colem à imagem de um gestor, condenando-o a invisibilidade, como obriga-lo a compartilhar responsabilidades que recaem sobre outra esfera de governo, superexpondo-o indevidamente”.

Em nenhum momento, Haddad aborda o fato de nunca ter conseguido montar uma política de comunicação alternativa.

O caso Band, Record e Estadão
No trabalho, Haddad analisa individualmente a atuação dos órgãos de comunicação paulistas.

No caso do Estadão, foram 413 editoriais negativos, desde que seu nome passou a ser ventilado para concorrer a cargos majoritários.

O momento mais significativo foi no início de 2016, em um editorial em que o jornal apostou que ele seria “demagogo” e não reajustaria a tarifa de ônibus em ano eleitoral. Veio o reajuste. Em seguida, novo editorial criticando a decisão com o título “Cada vez mais caro e ruim”.

Com a Record, o contencioso envolvia a construção do Templo de Salomão. A obra foi licenciada em 2012 na gestão Kassab por Hussain Aref Saab – então diretor do departamento de aprovação de edificações da prefeitura, acusado em 2012 de liberar obras irregulares em troca de propina.

Haddad passou a negociar com a Record uma compensação, a doação de um terreno com as mesmas dimensões e na mesma região. O custo estimado era de R$ 40 milhões. Houve estresse.

O mesmo ocorreu com a Bandeirantes. O mote foi o fim da Fórmula Indy, que tinha custo estimado em R$ 35 milhões. Ganhou um inimigo. Houve campanha sistemática contra a atualização da planta de valores do IPTU e contra o plano municipal de mobilidade urbana. “Grande proprietário de terras na cidade, Johnny Saad chegou a me dar um telefonema dizendo: “Vamos para cima de você.”

O caso Jovem Pan
Mas a principal pedra no seu sapato foi a Jovem Pan, e os ataques sistemático de Marco Antonio Villa e Reinaldo Azevedo.

“Ver, de repente, e por imposição da atividade politica, a minha produção acadêmica avaliada por comentaristas como Marco Antônio Villa e Reinaldo Azevedo foi um dos ossos mais duros de meu novo oficio. Em 1989, escrevi um livro intitulado O Sistema Soviético, uma critica muito mais ácida àquele modelo do que, por exemplo, a elaborada por Bresser-Pereira no seu A Sociedade Estatal e a Tecnoburocracia, de 1981. Na verdade, minha tese antecipava o diagnóstico feito pelo pensador alemão Robert Kurz em O Colapso da Modernização. Não obstante, nossos dois comentaristas leram e não entenderam, considerando o livro, para meu espanto, uma defesa do comunismo”.

Haddad menciona o trote aplicado em Vila. Este tinha por hábito criticar diariamente a agenda do prefeito. Numa manhã, Haddad trocou sua agenda pela do governador – permanentemente elogiado por Villa. E o comentarista caiu na esparrela.

O caso do kit-gay
Segundo ele, a crise do “kit gay” decorreu de uma manipulação midiática. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara aprovou uma emenda de bancada ao orçamento, designando recursos para um programa de combate a homofobia nas escolas.

O Ministério Público Federal questionou o MEC sobre a liberação da emenda. Provocado, o MEC solicitou a produção do material a uma ONG especializada.

As primeiras notícias diziam que era iniciativa do Executivo e o material já estaria pronto. Haddad explicou à imprensa e às bancadas evangélica e católica no Congresso. Viajou em seguida quando saiu material do Ministério da Saúde, que se destinava à prevenção de DST/Aids – tendo como público-alvo caminhoneiros e profissionais do sexo nas estradas – logo, com linguagem direta e escancarada.

O deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) foi a plenário acusando Haddad de ter mentido. Virou uma explosão. E não adiantaram as explicações à imprensa.

Haddad passa ao largo do maior problema de suas gestões: o da comunicação, incapacidade de articular estratégias rápidas contra os diversos petardos enviados contra ele. (Do GGN; edição Carta Campinas)

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