Por Regis Mesquita
A gratidão é um sentimento que é fundamental para o bom funcionamento do raciocínio lógico.
Ela ajuda a pessoa a reconhecer o positivo. Portanto, permite separar o positivo do negativo.
Cada situação é composta de muitas variáveis. Algumas positivas, outras negativas ou insignificantes.
Se você quer resolver um problema, é necessário saber qual a causa. Portanto, é necessário perceber a realidade em suas diferenças.
A gratidão é um dos filtros que permite com que a razão seja usada convenientemente.
Explico:
Uma pessoa vai a uma loja e é mal atendida. Depois de dois anos, ela ainda se lembrará desta loja.
Se a pessoa foi a uma loja e foi bem atendida. Dois anos depois, se ela precisar do mesmo produto é provável que ela tenha esquecido.
Esse esquecimento acontece porque a gratidão é muito fraca e não consegue manter na consciência a lembrança desta loja em que foi bem atendida.
Ela perdeu a oportunidade de guardar uma boa memória que lhe traria uma facilidade (identificar a boa loja facilmente).
Ao desprezar sua boa experiência pessoal, a pessoa aceitará a influência externa.
Ou seja, usará a experiência de um amigo, conhecido. Ou se deixará ser influenciado por televisão, revistas ou outra mídia qualquer.
Não fortalecer a gratidão é perder grande parte da sua própria experiência e abrir mão de construir sabedorias.
É ser influenciado facilmente, porque a pessoa fica sem referências pessoais.
Observe a situação dos agricultores do Brasil.
Estão atrás de mais uma anistia para suas dívidas. Algo em torno de 1 TRILHÃO de reais. (1)
A imensa maioria da dívida vem de grandes proprietários de terras, exatamente aqueles que passam na televisão como empresários modernos e eficientes.
Como assim? São eficientes, mas não conseguem pagar suas dívidas?
Quando a televisão mostra a reforma agrária, mostra um sujeito “ineficiente”.
Lógico que a TV esconde que agricultores ligados ao MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) são os maiores produtores de arroz orgânico do Brasil.
As grandes redes de TV não dão a menor chance de haver gratidão ao que eles não gostam. A pessoa poderia dizer: “que legal que o MST está desenvolvendo a agricultura natural no Brasil”.
Se houver um pouco de gratidão, esta deve ser direcionada para aceitar o agronegócio endividado (no Brasil e no mundo).
Afinal, a indústria de adubo, veneno, máquinas etc são grandes anunciantes destas redes de televisão.
Estas pessoas e empresas ligadas ao agronegócio já receberam, ao longo de várias décadas, muitos perdões de suas dívidas. De tempos em tempos eles conseguem este perdão.
Empresas chinesas, francesas, alemãs, já aprenderam a jogada: não pagam o que devem por que em algum momento haverá uma anistia.
Alguém pagará, mas não serão eles. Quem pagará: todos os cidadãos do Brasil.
Preste atenção:
O agricultor escuta a TV e copia o modelo de negócio que ela divulga.
Na televisão o negócio é bom. Na prática, ele não tem o sucesso esperado.
Ele poderia pensar: este modelo de veneno e destruição da terra não funciona.
Mas, ele está acostumado a desprezar sua experiência pessoal.
Com pouca gratidão, ele não é capaz de separar o positivo do negativo.
Ele sabe que alguém é o culpado. Não é ele e nem o agronegócio. É o governo, o MST, as leis ambientais.
Ele vai insistir em comprar adubo, venenos e outros itens vendidos com margem de lucro acima de 50%.
O lucro destas empresas é certo, o lucro o agricultor eventual.
Mas, o agronegócio é eficiente, muito eficiente: diz a reportagem da TV.
Ele acredita na TV. A TV enche sua mente de raiva por alguns “culpados”.
Ele trabalha, trabalha e não “chega lá”. Sua vida é difícil, alguém é culpado se ele não tem uma vida boa com a “agricultura moderna” que ele quer ter.
Recentemente, o deputado Bolsonaro discursou para agricultores empobrecidos da Paraíba. Disse para seus ouvintes que daria arma para eles se defenderem do MST.
O ódio diminui a gratidão. A gratidão faz as pessoas desprezarem sua experiência e chegarem a uma conclusão: a culpa é do MST.
Décadas atrás presenciei esta cena:
“Um grupo de pessoas reza em um kibutz de Israel. “Deus, o senhor nos deu a água e somos gratos por isto. Pedimos, senhor, que nos inspire para usarmos esta água da melhor forma possível.”
Este grupo vive em uma região com pouca chuva. Eles não pedem mais água. Pedem inspiração para usar a água da melhor forma possível.
O resultado é a grande produção de alimentos e o uso inteligente da pouca água que possuem.” (2)
O primeiro ponto da gratidão: valorizar o que existe na realidade. Os judeus do kibutz valorizam a água e querem aprender a usá-la bem. Assim evitam o desperdício e geram sabedorias.
O segundo ponto: quem tem gratidão aprende a cuidar. Para cuidar, a pessoa tem que prestar atenção. Prestar atenção na realidade e não na propaganda. Quem cuida, naturalmente sente uma força interior que a motiva a perseverar na vida.
A pessoa ingrata tem poucas fontes de motivação. Basicamente, o dinheiro e o orgulho. Quem cuida e é grato tem múltiplas fontes de motivação. O resultado é ter maior qualidade de vida.
A dominação das mentes inclui fazê-las valorizar o que é do interesse dos dominadores. Assim, o orgulho faz o pequeno agricultor comprar um trator muito maior do que necessita. Ou não compartilhar o mesmo trator com outros. O que aumenta seus custos, aumenta sua visão individualista da vida e sua percepção de que é vítima e “que ninguém me ajuda, só atrapalha”.
O resultado? Mais ingratidão, mais irracionalidade, mais ele REPETE os modelos que são valorizados pela indústria do consumo (seja de equipamentos, roupas e outros).
A realidade: para a maioria dos agricultores, o “agronegócio” não passa de uma espécie mais comportada de funk ostentação. (3)
(1) Governo Temer vai anistiar dívida trilionária do agronegócio
(2) Saber pedir para Deus e receber o que é realmente importante para sua vida
(3) ‘Funk ostentação’: a música que melhor retrata a ascensão da nova classe média
Regis Mesquita é o autor do Blog Psicologia Racional e da coluna “Comportamento Humano” aqui no site Carta Campinas