O presidente de honra do PT já é réu em cinco ações – duas nas mãos de Sergio Moro (triplex e apartamento custeado pela Odebrecht, em São Bernardo do Campo) e três em Brasília (por tráfico de influência, organização criminosa e obstrução de Justiça). Veja também a resposta do Instituto Lula.
Por Alline Magalhães, Bruno Pavan, Reinaldo Chaves, Rodrigo Menegat
O amigo de R$ 35 milhões: como o ex-presidente Lula está envolvido nas delações da Lava Jato
The Intercept
O ENVOLVIMENTO DO ex-presidente Lula no esquema de corrupção agora revelado por quase 80 executivos, diretores e funcionários da Odebrecht sempre foi um dos principais pontos de tensão política ao longo da Lava Jato. As delações agora reveladas apontam que Lula não apenas saberia de tudo como, de acordo com depoimentos de diferentes delatores, se beneficiou diretamente dos desvios – e vai muito além de pedalinhos, reforma de sítio ou mesmo a compra de um triplex.
Em meio a tantas informações fragmentadas sobre o caso, The Intercept Brasil faz um panorama sobre quais são, afinal, os pontos que comprometem Lula de maneira relevante – a ponto de, eventualmente, impedir sua candidatura à Presidência no ano que vem, caso seja condenado pelo juiz Sergio Moro e tenha a sentença confirmada em segunda instância. Ao todo, Lula poderá ser investigado em pelo menos 11 inquéritos distintos, segundo indícios apontados pela Procuradoria-Geral da República.
Ele era considerado figura-chave nos planos da Odebrecht para garantir influência e vantagens. De acordo com os depoimentos dos delatores da empresa, parecia estar situado em um patamar acima dos demais políticos na hierarquia da empreiteira.
Enquanto nomes de alto escalão como Aécio Neves e Dilma Rousseff mantinham relações diretas com Marcelo Odebrecht, presidente do grupo a partir de 2008, Lula preferia conversar com Emílio Odebrecht, pai de Marcelo e o mais velho dos membros do clã ainda na ativa.
O relacionamento era aparentemente bastante aberto – Emílio narra, em sua delação, até uma espécie de “sermão” que deu no petista, que reclamava constantemente da relação turbulenta entre Marcelo Odebrecht e Dilma Rousseff. O vínculo, de acordo com o próprio Emílio, começou ainda nos anos 1980, quando Lula iniciava a carreira como sindicalista na Grande São Paulo.
Entretanto, a proximidade com o patriarca, que hoje ocupa o cargo de presidente do Conselho Administrativo da Odebrecht, não impediu que ele e outros executivos da empresa implicassem o petista em seus depoimentos.
Os informantes afirmam que, depois que Lula deixou a Presidência, em 2010, foi aberta uma conta com R$ 35 milhões para seu uso pessoal, contabilizados à parte de eventuais repasses para o governo do PT. Além disso, teriam sido realizados pagamentos para seu filho, Luís Cláudio, que sonhava em criar uma liga profissional de futebol americano no país.
De acordo com Emílio, o ex-presidente também se comprometeu a auxiliar a empresa na tramitação de duas medidas provisórias, em 2009. Lula teria conversado com o ex-ministro Guido Mantega para resolver pendências das MPs 470 e 472, que tratavam do refinanciamento de dívidas empresariais e que beneficiariam companhias do grupo Odebrecht.
Além do benefício ao filho, o irmão do ex-presidente também recebia uma mesada do grupo Odebrecht. De acordo com a delação do executivo do grupo, Alexandrino Alencar, a empreiteira pagava R$ 5 mil por mês para o irmão de Lula, conhecido como Frei Chico. “Foi uma opção da empresa, mas o Lula sempre soube que ele tinha uma ajuda nossa, sempre soube. Eu dava essa ajuda trimestralmente”, contou Alencar.
Alencar relata que, antes de Lula ser presidente, Frei Chico recebia para fazer a interlocução da Odebrecht com sindicatos. Quando Lula tomou posse a “mesada” foi mantida para manter boa relação, mesmo ele não prestando mais serviços para a empresa. O irmão de Lula era tratado nas planilhas da propina da Odebrecht pelo codinome “Metralha”.
Tentáculos internacionais
Outra demonstração do poder de Lula – e também da importância que ele tinha para os planos da empreiteira – teria acontecido em um negócio com ramificações internacionais. Um dos casos mais relevantes, senão o mais relevante, envolveu interesses da empresa em Angola.
Marcelo Odebrecht, em depoimento para o juiz Sergio Moro em audiência de 10 de abril, é questionado sobre uma planilha que está no processo contra ele, com data de 31 de julho de 2012. Entre os pagamentos listados estava um caso envolvendo o país africano.
O presidente da empreiteira conta que em 2009, começo de 2010, ocorreu uma negociação de uma linha de crédito envolvendo Angola que se dava nos dois países. “Tínhamos fechado vários contratos em Angola e que só demandavam essa linha de crédito para fazer essa exportação de bens e serviços”, lembra.
A linha de crédito negociada era de US$ 1 bilhão, e Marcelo afirma que recebeu um pedido do ex-ministro Paulo Bernardo para liberar o crédito entre os países. Esse pedido teria chegado a ele, segundo narra Odebrecht, por indicação do ex-presidente Lula:
“Nesse caso, até porque eu acho que estava chegando a eleição, veio o pedido solicitado para mim por Paulo Bernardo, que veio por indicação do presidente Lula, para que a gente desse uma contribuição de US$ 40 milhões e eles aprovariam a linha de US$ 1 bilhão de exportação e crédito. E isso também beneficiaria a Odebrecht. Fui checar com nosso diretor no país e já tínhamos montado contratos que davam US$ 600 milhões, US$ 700 milhões, só precisava a linha de crédito para exportar, então perguntei se a gente conseguiria alocar esse pedido [de propina] no custo da obra. Ele disse que sim, iria reduzir a margem, mas conseguia. Eu acabei então aceitando”.
A propina paga, diz o empresário, foi de US$ 36 milhões, descontando o custo de operação dos repasses. Essa cobrança por parte de um emissário de Lula e seu correspondente pagamento aconteceram quando Lula ainda presidia o país.
Marcelo ainda relata que toda essa condução foi feita por Paulo Bernardo porque, na época, ele era o ministro do Planejamento. Guido Mantega não se envolveu nesse assunto, mas toda a transação foi acompanhada por Antonio Palocci. “Sempre dava ciência a Palocci, que me ajudava se precisasse”, completa.
Apagando incêndios
Dilma Rousseff e Marcelo Odebrecht tinham uma relação difícil, de acordo com mais de um delator. Em seu depoimento, o executivo Alexandrino de Alencar descreve uma convivência turbulenta. “Os dois têm personalidades muito fortes e de dificuldades”, afirmou.
Segundo Emílio Odebrecht, o problema também foi diagnosticado por Lula, que se queixava constantemente sobre o assunto. Em um encontro que teve com o ex-presidente em Angola, o empresário sugeriu uma solução: padrinho político de Dilma, ele poderia agir para mediar os conflitos.
“Eu disse ‘chefe’, o senhor não iria toda hora estar me fazendo essas reclamações se o senhor também não tivesse convencimento, concordando, usando o nome dela [Dilma] para reclamar, então vamos fazer um acordo”, relatou.
Como parte do acordo, Emílio teria convocado Alencar para prestar uma espécie de consultoria para Luís Cláudio, filho de Lula que é um dos gestores da Touchdown, grupo que organizava a maior liga de futebol americano do Brasil, na época. Em 2015, último ano em que o torneio foi disputado, a competição contou com transmissão televisiva no canal pago TNT e patrocínio da cervejaria Budweiser.
“Introduzi Alexandrino para que acompanhasse o assunto. Orientei para que procurasse patrocinadores, procurei ajudar como se meu filho fosse, para ajudar no empreendedorismo”, disse Emílio. A ajuda não veio apenas com conselhos, porém. O diretor não soube precisar valores, mas seus advogados presentes no depoimento esclareceram que, durante três anos, a Odebrecht pagou uma quantia entre R$ 50 mil a R$ 60 mil por mês para uma empresa de marketing que dava suporte ao negócio de Luís Cláudio, a Concept Idea Marketing & Empreendimentos LTDA. Os pagamentos teriam sido feitos entre 2012 e 2014 e estão registrados em documentos anexados aos termos da delação.
Alexandrino Alencar esclarece que foi ele quem trouxe a Concept para auxiliar o empreendimento do filho de Lula, já que a empresa atuava com o gerenciamento de marcas da Odebrecht. Ele narra também um esforço para dissimular o papel da empreiteira no negócio. “Eu combinei com o Luís Cláudio que nós pagaríamos 90% do custo da Concept e ele, com a Touchdown, pagaria 10%, para não parecer que éramos só nós no negócio. A Concept foi remunerada em torno de R$ 700 mil por nós, ou R$ 630 mil por nós e R$ 70 mil por ele [Luís Cláudio], totalizando cerca de R$ 700 mil por ano, durante três anos”, afirma.
Para mostrar que a influência de Lula não iria acabar após ele deixar o Palácio do Planalto, Marcelo Odebrecht, em acordo com o ex-ministro Antonio Palocci, resolveu que iria deixar uma parte do dinheiro arrecadado no chamado saldo “amigo” que seria usado por orientação do ex-presidente. Esse saldo seria de R$ 35 milhões. “A gente entendia que ele ainda teria muita influência dentro do PT”, diz Odebrecht.
Na verdade, o valor que Lula tinha à sua disposição a partir dos cofres da Odebrecht (sempre bom lembrar, abastecidos de dinheiro desviado de obras públicos) era ainda maior, segundo depoimento de Marcelo Odebrecht. O plano da conta dos R$ 35 milhões era dele, Marcelo. Mas seu pai, Emílio, e Alexandrino Alencar deixavam de avisar quando Lula fazia pedidos a ele. Com isso, esses valores não eram descontados da conta Amigo, e o saldo permanecia intocado.
Além dessa, existiam mais duas contas geridas por petistas ilustres: a “Itália”, de responsabilidade do ex-ministro Antonio Palocci, e a “pós-Itália”, gerenciada pelo também então ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pelo novo governo.
O ex-ministro Antônio Palocci seria o responsável por solicitar as movimentações para Lula, que geralmente aconteciam na forma de saques em dinheiro vivo. O ex-presidente jamais teria feito solicitações pessoalmente.“O Lula nunca me pediu diretamente. Eu combinei via Palocci. Ao longo de alguns usos ficou claro que era para o Lula”, afirmou Marcelo Odebrecht, em depoimento para o juiz Sérgio Moro.
As suspeitas, relata o empresário, foram confirmadas graças a algumas operações específicas. Entre elas, está a compra em 2010 de um terreno na rua Dr. Haberbeck Brandão, no bairro da Vila Clementino, que seria utilizado para a construção de uma nova sede do Instituto Lula em São Paulo – negociação que acabou não se concretizando, de modo que o valor foi estornado para os “créditos” da conta. Marcelo afirma não lembrar exatamente de quem partiu o pedido de verbas, mas relata que veio ou de Paulo Okamoto, presidente do instituto, ou de José Bumlai, pecuarista e notório amigo do ex-presidente.
Ainda sobre o terreno do Instituto Lula, em depoimento para o juiz Sergio Moro em audiência de 10 de abril, o diretor do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, Hilberto Mascarenhas, detalha uma planilha de pagamentos. O juiz pergunta sobre uma anotação “Prédio IL 12422”, e Mascarenhas confirma que seu setor chegou a fazer um pagamento para a compra do terreno para a nova sede do Instituto Lula.
“Isso foi uma solicitação de um saque dessa conta para compra de um terreno que seria do Instituto Lula, que terminou não sendo. Terminou depois vendendo esse terreno, devolveram esse dinheiro”, explica em áudio do depoimento.
Moro pergunta, então, por que não foi estornado na planilha. “Criou-se um crédito aqui em cima [entende-se que aponta na planilha]. Deve ter sido dado algum crédito aqui. Eu não podia estornar aqui. Eu tinha que lançar outro para eu saber com foi a história”, explica.
O imóvel foi adquirido pela DAG Construtora, mas na verdade foi pago pela Odebrecht. Com base nas quebras de sigilos fiscais e bancários dos investigados, os procuradores apontaram que a Odebrecht pagou, em 2010, R$ 7,6 milhões para a empresa DAG Construtora, que adquiriu o imóvel investigado. Essa compra é ponto central na denúncia em que o ex-presidente Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
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Em sua colaboração premiada, o empresário Emílio Odebrecht, presidente do Conselho de Administração da Odebrecht, confirma que pediu ao então presidente Lula para que conversasse com o ministro da fazenda Guido Mantega para destravar a questão dos Refis da crise, por ser um assunto de interesse da Braskem, petroquímica do grupo Odebrecht, e de vários outros setores.
“Fui ao Lula e inclui este item na minha agenda pedindo a ele que procurasse verificar porque o Guido estava colocando dificuldade para resolver o assunto. Se estava precisando coragem ou se estava precisando de alguma coisa que ou nós pudéssemos suprir ou o próprio governo”, relata.
“Vou falar com o Guido para verificar e qualquer coisa eu lhe falo”, teria respondido Lula, segundo Emílio.
Lula diz que não sabe de nada
O Instituto Lula enviou notas ao longo dos últimos dias desmentindo as acusações ou informando que o ex-presidente não tem conhecimento de fatos narrados pelos delatores. Sobre a conta com os R$ 35 milhões, ele disse não ter conhecimento ou relação com qualquer planilha na qual outros possam se referir a ele como “amigo”.
O instituto também reforça que Lula jamais solicitou ou recebeu qualquer recurso indevido para a Odebrecht ou para qualquer outra empresa e sempre agiu dentro da lei antes, durante e depois de ser presidente da República democraticamente eleito por dois mandatos.
“Seus familiares tiveram seus sigilos fiscais e telefônicos quebrados, sua residência e de seus familiares sofreram busca e apreensão há mais de um ano, mais de 100 testemunhas foram ouvidas em processos e não foi encontrado nenhum recurso indevido ou ilegalidade cometida pelo ex-presidente”, diz a nota do instituto.
Colaboração: Jéssica Sbardelotto, Guilherme Zocchio, Kleyson Barbosa, Lúcio Lambranho e Renan Antunes de Oliveira. (Do The Intercept Brasil/ GGN)