Por João Neves
Era tarde da noite quando terminei de distribuir entre os principais bares de Barão Geraldo os cartazes informativos do programa Sala Aberta. Cansado de pedalar pela avenida central do distrito, resolvi procurar um canto para relaxar com uma gelada. Lembrei do convite feito por Cassiano – economista e historiador, tudo junto e misturado – para conhecer o projeto “Um samba, um gole”. – João, disse ele certa vez, basta descer a Avenida Santa Isabel que você encontrará o “Barbieri Futebol e bar”, não tem erro! Qualquer coisa deixe-se guiar pelos sons de terreiro. Com essas informações fui, após horas de pedaladas, a procura do Samba.
Mal sabia que naquela noite ouviria as mais belas recriações em ritmo de Samba, as quais eram entoadas por uma seleção de craques. O time era formado por experientes músicos da Região Metropolitana de Campinas. Jovens graduados e veteranos na escola do Samba. Dentre os músicos/jogadores que se apresentaram para aquele magnífico encontro de artistas estavam os titulares dos grupos “Samba de responsa”, “Sem Tempo” e “Grupo Alvorada”, todos representantes da elite de músicos e cantores do Samba/Pagode interiorano.
O jogo entre os instrumentistas começou devagar, experimentavam toques curtos e precisos, sambas mais contidos, cujo o tema se misturava com amores não correspondidos e novas paixões. Os dedilhados de violão chamavam a candência das canções para o campo das “dores de cotovelo”, brigas de amor e o tesão de novos amores. Nesse ritmo, demos o primeiro gole.
Com o time entrosado, víamos lançamentos longos, instrumentos de corda e percussão, nessa altura da noite, por volta das 00h, repercutiam sonoridades mais ousadas. Os músicos experimentavam variações rítmicas, breques, contratempos, puxadas e dribles à la Garrincha. Assim, as festividades afros, o cotidiano das periferias, o jeito malandro de lidar com a vida, começavam a aparecer, por meio das composições, no ambiente. Envolvidos com essas histórias entornarmos o segundo gole.
Já no segundo tempo de jogo, o povo suava e a carne pedia mais. Atento a esse momento, Rogerinho Amaral, hábil compositor e musicista, chama: “Aí vem São Benedito, aí vem São Benedito”. Pandeiro, tamborim, surdão e tan tan, aceleram o ritmo, os melhores momentos do jogo estavam para começar.
As jogadas seguintes sugerem outros goles de cervejas. A alegria é geral. Os passes de bola e as provocações se acentuam, as variações rítmicas e as brincadeiras no campo da canção preenchem o terreiro. Os diálogos e a sintonia entre os músicos era notado a cada (com)passo. Mesmo quando havia algum entrometido querendo roubar a cena – com sua esnobe gaita –, os profissionais tratavam de colocar o engraçadinho no banco de reservas [ – Periquito, não!!], afinal a beleza era coletiva, não havia espaço para vaidades ou arrogâncias individuais.
Durante essa noite, vi e ouvi o melhor do futebol e do samba brasileiro ressoando nas terras de Barões. Se cuidem! A senzala está se preparando!
Caso, queiram participar desse espetáculo de resistência cultural:
Todas as quintas-feiras, às 22h no “Barbieri Futebol e Bar” – Av. Sta Isabel, 2295 – Barão Geraldo.
Aproveitando o espaço:
O carnaval vem aí! Precisaremos desses pulsos para resistirmos à agenda racista que colocara centenas de soldados da Guarda Municipal para nos vigiar e separar o preto do branco.
aLgUNS doS JoVENS QuE EStAvAM PREsentes NAqueLa NoITE ComPOndo a SELeÇãO Também sE FaZEM PreSENTES nESSA PrODUção:
Pra saber dessa cultura, necessita vivência
Das agruras deste povo, fez-se nossa essência
Quanto samba, ah que saudade, dos poetas e das rimas
Fazer samba na verdade, nos exige disciplina
Sou da noite sou da rua, sou a voz da consciência
E no lombo da cultura, eu carrego a procedência
Pra não cair na malha fina
Tem que ter disciplina
Versar partido é uma ciência
Tem que ter procedência
Pra cantar João Nogueira e Jovelina
Tem que ter disciplina
Sou direto da linha desde Pixinguinha e o malandro que vinha, vinha com prudência
Tem que ter procedência
Bom preceito é feito na surdina, Tem que ter disciplina
Velha Guarda cantou com sapiência
Tem que ter procedência
Nego veio falou, a vida ensina
Tem que ter disciplina
Cuidado malandro, não saia versando, não vai assinar sua sentença
Tem que ter procedência
“Disciplina” (Diogo Nazareth/Matheus Crippa)
Arranjo e Direção Musical: Matheus Crippa
Produção Musical: Diogo Nazareth e Ricco Santos
Texto inicial: Sinhá Rosária
Grupo Alvorada:
Francisco Cardoso – Cavaco, Banjo e Repique de anel
Gabriel Simões – Tantan
Matheus Crippa – Violões e Voz
Victor Prudencio – Pandeiro
Ricco Santos – Surdo e Reco de bambu