Por Guilherme Boneto
O ator Bruno Gagliasso e a esposa, Giovanna Ewbank, deram queixa à polícia na última quarta-feira (16) por racismo contra a filha do casal, Titi, de 2 anos. Natural do Malauí, país do sudeste da África, a menina teve sua adoção formalizada neste ano e foi vítima de insultos racistas numa foto postada pela mãe em seu perfil do Instagram. Aqui, uma fotografia da família. Gagliasso tomou a iniciativa muito correta de prestar queixa formal às autoridades para tentar identificar e punir os agressores, porém lamentavelmente a atitude do ator e da esposa é rara num universo diário de agressões verbais e até mesmo físicas contra pessoas negras em nosso país, que vivem um martírio muitas vezes silencioso.
Também nesta semana, o governo do Estado do Paraná publicou em seu perfil do Facebook um vídeo no qual eram apresentadas algumas imagens a profissionais de R.H. As fotografias mostravam, a dois grupos diferentes, pessoas brancas e negras na mesma situação – entre outras, um jovem correndo, uma moça limpando uma pia, um homem em pé, vestindo um terno. Segundo os profissionais, o jovem branco correndo estava atrasado; o negro, um ladrão, alguém fugindo. A moça branca estava limpando a pia de casa; a moça negra era diarista. O homem branco de terno era um executivo; o homem negro de terno era um segurança de shopping ou motorista particular.
Veja bem, eu não acredito que nenhuma das pessoas que identificaram dessa forma os negros nas imagens apresentadas, sejam escancaradamente racistas, como as pessoas que insultaram a filha de Bruno Gagliasso. Também não acho que, ao dizer o que disseram, tenham sido maldosos ou agido com intenções racistas. Contudo, acredito que haja aí um claro racismo velado e enraizado na mente do nosso povo, que precisa ser combatido todos os dias. O dia da consciência negra serve para lembrar a cada um de nós que o racismo existe e destrói vidas, de forma física e psicológica.
Ao publicar o vídeo, o governo do Paraná estimula um raciocínio muito interessante, à qual nem todos se dedicarão porque pensar, afinal de contas, dá trabalho. É preciso estudar o racismo todos os dias e refletir: onde eu estou sendo racista? Em que eu devo mudar? A consciência negra deve estar em nós todos os dias. Hoje, você verá em seu Facebook pessoas dizendo que a “consciência” não deve ser apenas negra, mas de todas as raças. Essa galera não se deu ao trabalho da reflexão e nunca foi vítima de preconceito. É preciso ter a consciência de que o racismo existe, está presente no nosso cotidiano e a batalha contra ele deve ser diária e incansável. É preciso que façamos a diferença no mundo.
Acho muito delicado da minha parte escrever sobre o racismo porque eu, afinal de contas, não sou um homem negro e nunca vivi esse tipo de preconceito. Diante disso, não escrevo do ponto de vista da vítima, mas de alguém que compreende a necessidade de políticas de Estado em favor da população negra e de seu bem-estar. É preciso que nos debrucemos sobre esse tema de forma efetiva e definitiva. Por que o racismo ainda existe? Todos os veículos de comunicação repudiam essa forma de preconceito específica, ao menos em público. Existe hoje uma movimentação para incluir pessoas negras, de forma muito justa, em telejornais, novelas, atrações de entretenimento na televisão.
O racismo é um crime tipificado pelo código penal do Brasil. Todos os Estados e municípios da federação declaram-se abertamente a favor da inclusão. O assustador, entretanto, é que não parece ser suficiente. Existe uma outra agenda a ser aplicada em forma de campanha de conscientização? Como fazer para que os nossos jovens parem de morrer, de forma literal ou não, todos os dias por conta da cor de sua pele? Acima de tudo, quais são as origens do pensamento racista no Brasil? A herança escravocrata dos séculos passados, facilmente identificável no preconceito de classe que vem se tornando tão visível em nosso país, também faz vítimas pela cor?
Talvez seja demais esperar que o Estado se responsabilize pela conscientização das pessoas, mas creio que o racismo esteja ligado diretamente à falta de educação, no sentido de formação escolar e também de polidez, do nosso povo. A instituição de um dia da consciência negra é de fundamental importância, mas apenas fazer dele um feriado não basta: é preciso encontrar maneiras de que a consciência exista, de fato. Deve-se punir, é verdade, mas creio que o crime em si pode ser evitado se formos capazes de mostrar às pessoas que todos somos iguais perante o Estado brasileiro. Para isso, é necessário fazer com que de fato sejamos iguais, abandonando o preconceito racial nas instituições e utilizando a escola, a justiça, as igrejas, os órgãos públicos e a estrutura do Estado para combater o racismo todos os dias. Essa luta é de todos os brasileiros e precisa ser encampada, porque essas vidas perdidas custam o futuro ao Brasil. Conscientizar-se é urgente.