Por Régis Mesquita
Quando o governo militar criou várias leis beneficiando os donos de faculdades e universidades, a população se calou. Estes multimilionários usavam este dinheiro, que era para ser público, da forma como queriam. Compravam aviões, faziam festas, distribuíam presentes, etc. Tudo absolutamente normal para a população. A classe pobre e a classe média já está acostumada a que estes multimilionários tenham grandes privilégios.
Do senhor feudal ao grande latifundiário, todos sempre tiveram privilégios. Quanto mais riqueza mais privilégios. Na minha infância, um colega de aula bem rico se gabava de que o pai dele não pagava multa de trânsito. Segundo ele, o delegado rasgava quando elas chegavam. O pai e o delegado eram amigos, e você sabe que as leis são para quem não é amigo ou não tem poder. A classe média, que pagava multa, tinha como meta ser mais rica, ter mais poder e mais privilégios. A ideia nunca foi criar uma sociedade de respeito às leis e de igualdade de direitos e deveres.
O sonho do escravo não era o fim da escravidão, era ser ele próprio senhor de escravo. Foi o que fizeram vários ex-escravos libertos; compraram escravos. O funk ostentação é um reflexo desta mesma prática: copiar os mais poderosos, em seus privilégios.
Em alguns momentos da história, o pêndulo muda e a percepção do bem comum prevalece. É o que está acontecendo hoje em dia com o automóvel. Os primeiros carros foram comprados por gente muito rica. Lógico que, por este motivo, os carros ganharam grandes direitos. Os pedestres tem que parar para os carros passarem. Hoje, lentamente, os carros vão perdendo o status de prioridade. Justamente no momento em que os automóveis se popularizaram e os multimilionários agregaram outros “brinquedinhos”: helicópteros e aviões. Lógico que os novos brinquedinhos dos multimilionários têm amplos benefícios tributários. Em outras palavras, todo mundo que tem helicóptero pode pagar menos impostos (lógico que só os multimilionários usufruem deste direito).
Pagar menos impostos significa dinheiro no bolso. Muito dinheiro no bolso. Dinheiro que poderia ser usado para comprar remédio para o posto de saúde, por exemplo. Mas, parte do dinheiro não chega a esta finalidade, porque todos estão acostumados com o fato de ser muito rico ser igual a muitos privilégios. A controvérsia só existe quando o dinheiro chega até os mais pobres. É o caso do PROUNI.
Com o PROUNI, ao invés de gastar dinheiro com aviões e festas, os donos de faculdades tiveram que “dar” bolsa de estudos. A lei pode não ser perfeita, mas ajudou centenas de milhares de pessoas estudarem. Centenas de milhares de bolsas de estudas dá uma dimensão do dinheiro que estes multimilionários embolsaram durante a ditadura, governos Collor, Itamar, Sarney e FHC. É muito dinheiro. Na época da aprovação da lei (governo Lula), a Rede Globo (sempre ela) fez reportagens para mostrar que a lei do PROUNI seria ruim para os estudantes (dessa vez ela perdeu). Houve e há controvérsias, ainda tem gente querendo acabar com “este absurdo” (1).
É verdade que falta dinheiro no Brasil. A solução para alguns: acabar com o Bolsa Família. Afinal, dinheiro que vai para os mais pobres é motivo de polêmica. A história se repete. São pessoas acostumadas com o fato dos multimilionários terem direitos sem serem contestados.
Todos os anos o Itau, Bradesco e Santander pagam bilhões de reais para os acionistas. Este pagamento é uma renda, que NÃO paga imposto de renda. Não paga nada.
Você trabalha o mês inteiro e paga imposto de renda. Você que é pobre ou da classe média paga proporcionalmente muito mais impostos do que os beneficiários de suas ações de empresas (2).
Não, não pense que o fato destas pessoas não pagarem impostos incomoda. O que incomoda e é motivo de polêmica é o dinheiro do Bolsa Família e de outros programas sociais.
São milhares de normas, leis, regras e instruções que existem no Brasil com uma única finalidade: manter a mesma cultura de privilégios que existe desde as capitanias hereditárias.
Abaixo transcrevo uma notícia site Poema – Política Econômica da Maioria (3)
“Refrigerantes são bebidas que não possuem valor nutricional satisfatório. Pelo contrário: são ricos em carboidratos, e mais nada. Diante disso, por que um governo daria incentivos fiscais a corporações que produzem refrigerantes, bebidas que prejudicam o organismo quando consumidas em excesso?
Não faz sentido, se o objetivo de um governo é melhorar a qualidade de vida da população. Mas como são as oligarquias que convertem seu poder econômico em poder de barganha junto aos governos eleitos, o que ocorre são privilégios para corporações que, além de obterem isenções, costumam deixar de pagar os seus impostos, como inclusive demonstramos em posts recentes.
Por exemplo, a Coca e a Pepsi devem R$ 280 milhões para o Estado do Rio de Janeiro e foram beneficiadas com renúncias fiscais equivalentes a R$ 337 milhões. Ou seja, além de darem o “calote”, ainda obtém benefícios fiscais justamente no Estado do Rio de Janeiro, que mal consegue honrar seus compromissos junto de seus servidores.
Vale lembrar que, entre 2007 e 2015, as renúncias fiscais do Governo do Rio de Janeiro somaram mais de R$ 185 bilhões.
POR QUE TANTA ISENÇÃO?
Simples: as corporações fazem “doações” de campanha (ou seria investimento?) e, em contrapartida, recebem benefícios fiscais.”
Jean-Paul Sartre dizia: “Tu és metade vítima e metade cúmplice como todos os outros”. O lema anarquista diz: “Ninguém é inocente”. A organização de uma sociedade somente se mantém estável quando existe uma ampla aceitação e concordância das pessoas que fazem parte dela. Como os multimilionários são poucos, para manter esta concordância eles precisam de amplo controle dos meios de doutrinação de uma sociedade: jornais, tvs, rádios, internet, judiciário, polícia, escolas, entre outros.
A História de São Francisco de Assis
Este fenômeno não é novo e nem exclusivamente brasileiro. O mesmo aconteceu com São Francisco de Assis, na Itália no Século XIII.
São Francisco… “olhou os (leprosos) nos olhos, um por um. Eles se sentiram acolhidos e amados. Depois colocou uma moeda na mão de cada um, beijando antes demoradamente a mão que recebia. … Enchia uma bacia de água morna, inclinava-se diante deles… e, lentamente, … lavava-os com delicadeza maternal, fazia-lhes um cuidadoso curativo e lhes atava as feridas.” (4)
Algum tempo antes da cena descrita acima, Francisco de Assis, filho de um rico mercador de Assis, bancava banquetes enormes, com música e serestas, que varavam a noite inteira. Ele era o “rei da boemia” de Assis, esbanjava dinheiro com dezenas de jovens que bebiam e comiam à suas custas.
O pai de Francisco foi à justiça reclamar dos gastos excessivos do filho. Responda: ele reclamou dos gastos com os jovens de Assis ou dos gastos do filho com os leprosos e mendigos? Os gastos que o tornava “poderoso” e popular enchiam o pai de orgulho. Os gastos com os miseráveis, eram perda de patrimônio.
Concluindo: a estrutura econômica é repleta de benefícios para os multimilionários. Um governo decente deve inverter este parâmetro: deve ser sempre PÃO DURO com esta “casta” superior. Isto deve acontecer, mas nunca vai acontecer sem luta e sem convencimento.
(1) O caminho do dinheiro. Da ditadura militar ao PROUNI
(2) No 1º mundo, os ricos pagam mais impostos. No Brasil, são pobres e classe média
(3) Benefícios fiscais e a crise no Rio de Janeiro
(4) O Irmão de Assis, pág 65. Autor: Inácio Larranga. Ed Paulinas.
Regis Mesquita é o autor do site Psicologia Racional e da coluna “Comportamento Humano” aqui no site Carta Campinas.