A exposição ‘Soulèvements’ (sublevações), aberta esta semana em Paris no espaço Jeu de Paume com curadoria do filósofo e historiador da arte Georges Didi-Huberman, traz um retrato de movimentos de insurreição em vários países do mundo.
O filósofo selecionou, entre as várias imagens da exposição, alguns artistas brasileiros. Entre eles, Cildo Meireles e Artur Barrio (luso-brasileiro) que expõem em suas obras a violência do Estado brasileiro. Cildo participa da exposição com a obra ‘Projeto Cédula’ em que carimba nas notas de dinheiro frases como ‘Quem matou Herzog?’ e ‘Cadê Amarildo?’, uma referência ao jornalista Vladimir Herzog, morto pela Ditadura brasileira em 1975 e, mais recentemente, ao ajudante de pedreiro que foi morto pela Polícia Militar do Rio de Janeiro em 2013.
Já Artur Barrio tem na exposição a obra “Livro da Carne”, uma referência ao período mais sangrento da ditadura civil-militar iniciada com o Golpe de 1964.
Dividida em cinco partes – “Elementos (desencadeados)”, “Gestos (intensos)”, “Palavras (Exclamadas)”, “Conflitos (em chamas)” e “Desejos (indestrutíveis)” – a exposição coloca no mesmo lugar imagens dos mais variados formatos e épocas, são fotografias, vídeos, cartazes, panfletos, gravuras, pinturas que vão de Goya, Marcel Duchamp, Victor Hugo, Antonin Artaud, Michel Foucault, Nietzsche, até Georges Bataille, Baudelaire, Eisenstein, entre outros.
Como uma onda de imagens montadas a partir da noção fundamental de gesto, a exposição expressa um movimento de levantar-se contra, de dizer não a certo estado de coisas que nos oprime e de dizer sim ao nosso desejo. Entre tensões e conflitos históricos, persiste o gesto que atravessa o tempo e diversas imagens da exposição: do braço que se ergue, das superfícies que se agitam, dos objetos que voam, das bocas que se abrem, da mão que escreve, da palavra que grita, do desejo que não morre.
A imagem do titã Atlas, personagem mitológico que se revolta contra a autoridade dos deuses do Olimpo e é, como forma de castigo, condenado a suportar sobre os ombros o peso da esfera celeste, serve como uma metáfora da exposição no sentido de que, como lembra Georges Didi-Huberman em entrevista ao jornal l’Humanité, mesmo tendo fracassado, algo de sua revolta persistiu, sobreviveu. “O que me interessa por meio desta parábola é que, pelas suas inúmeras derrotas, sempre há qualquer coisa de revolta que sobrevive e se transmite”.
Essa sobrevivência, expressa na forma de uma potência do desejo, é o que se transmite na exposição. Desejo que já se via nas vestes em movimento, vestes também elas levantadas, das ninfas do renascimento estudadas por Didi-Huberman a partir da obra do historiador da arte alemão Aby Warburg, cujo Atlas Mnemosyne encontra-se latente em toda a exposição. Feitas de tempo e memória, as ninfas são da mesma natureza de nosso desejo e luta, porque também elas não deixam de sobreviver, reaparecer, como uma bela sublevação do desejo.
Uma das imagens da exposição, um abaixo assinado feito pelo poeta Victor Hugo na primeira metade do século XIX contra a pena de morte, impressiona não só pela raridade do documento, mas também pelo desejo de vida contido nele. Nesta e nas outras imagens da exposição, como a das mães que, em desespero, se levantam contra a morte dos seus filhos, transformando suas lágrimas em luta, está o que Didi-Huberman chama os “possíveis de uma imaginação política”. Na mesma entrevista ao l’Humanité, ele diz: “A exposição o mostra em variações, com a ideia de que, até na maior dificuldade, na maior opressão, até no fracasso de uma revolta, o desejo, como mostra Freud no seu livro sobre o sonho, é indestrutível”. (Maura Voltarelli e Glauco Cortez)
Veja o teaser da exposição: