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Primeiro dia do julgamento final do impeachment expôs as entranhas técnicas do golpe

Quem assistiu alguns minutos do primeiro dia do julgamento final do impeachment de Dilma Rousseff, que ocorreu ontem no Senado, pode ter a certeza de um Golpe de Estado.

O dia de ontem expôs as entranhas técnicas que formularam o golpe. Uma das testemunhas de acusação (vejam que é um procurador do Tribunal de Contas) foi desqualificada como testemunha. O segundo, o auditor do TCU, Antonio Carlos Costa D’ávila, também deveria ser desqualificada. Ele reconheceu que auxiliou na elaboração da representação que ele mesmo iria julgar.  Veja abaixo texto de Tereza Cruvinel, que se esquece de algo importante.

No final da sessão de ontem, o auditor do TCU cometeu uma contradição irreparável. Disse que os outros presidentes (Lula e FHC) não ‘pedalaram’ porque o ‘montante’ (a quantidade de recursos emprestados) não era relevante. Mas antes havia dito que o montante não tinha qualquer importância na caraterização do empréstimo. Veja resumo do dia:

Julgamento de Dilma: ideólogos das “pedaladas” saem chamuscados

O primeiro dia do julgamento da presidente Dilma confirmou a natureza do processo: foi calculadamente fundado em acusações técnicas e vem sendo conduzido por um discurso que não permite à população entender de quê mesmo a presidente é acusada. Seus defensores, entretanto, conseguiram ontem uma vitória moral e política importante com a desqualificação das duas primeiras testemunhas de acusação. A primeira, o procurador de contas Julio Marcelo, autor da representação contra o governo em 2014, da qual originou-se o conceito de “pedaladas fiscais”, foi rebaixado à condição de informante, por conta de sua postura militante contra o governo Dilma, revelada em redes sociais. Já o auditor federal do TCU, Antonio Carlos Costa D’Ávila, confirmou, em resposta ao senador Randolfe Rodrigues, que auxiliou o procurador a elaborar sua representação, que depois gerou uma auditoria coordenada por ele mesmo. “Isso é estarrecedor. É como se o juiz auxiliasse o advogado a escrever a petição que irá julgar!”, resumiu o advogado de Dilma, José Eduardo Cardozo.

A confissão, que depois ele tentou consertar, dizendo ter apenas lido a petição, como especialista que é no assunto, deve gerar uma ação da defesa contra esta “dobradinha” eticamente discutível, que viola os códigos de conduta tanto do Ministério Público como do TCU. O que Cardozo e os senadores que apoiam Dilma conseguiram ontem, com as intervenções de Vanessa Grazziotin, Gleisi Hoffmann, Lindberg Farias, Kátia Abreu, Jorge Viana e outros mais, além de Randolfe, foi a caracterização das “pedaladas” como uma criação conceitual destinada a fundamentar uma acusação contra Dilma. Ainda que nenhum voto seja virado, Julio Marcelo e D’Ávila, depois da sessão de ontem, passarão à História como os “construtores” ideológicos do “crime”. Desta construção se apropriaram os advogados Janaina Paschoal e Reale Júnior, aliciando Helio Bicudo, para apresentar o pedido de impeachment acolhido por Eduardo Cunha depois que o PT decidiu votar a favor da abertura de seu processo de cassação no Conselho de Ética da Câmara.

A ideia de que o governo Dilma pedalava para maquiar as contas tomou forma na auditoria decorrente da representação do procurador, coordenada pelo auditor. Os resultados foram sendo passados para a imprensa econômica e em breve a expressão “pedaladas” popularizou-se e começou a pautar o debate econômica. D’Ávila, nesta época, chegou a ser chamado de “caçador de pedaladas”. A ocorrência da “dobradinha” entre eles, entretanto,  só foi conhecida ontem, a partir da resposta à pergunta do senador Randolfe. Foi esta construção, e a cunhagem de uma expressão de mais fácil compreensão –  e não um suposto caos fiscal – que gerou a crise de desconfiança, acusou Cardozo ao final da sessão. No final, o auditor deixou sem resposta uma boa pergunta de Cardozo: Assim como ele “ajudou” o procurador na representação apenas por ser especialista, teria palpitado também sobre a defesa de Dilma na auditoria, se Cardozo, que a elaborou juntamente com a AGU, tivesse solicitado? D’Ávila fez rodeios verbais e não respondeu. Claro que não, seu negócio naquele tempo era fortalecer sua criação teórica, a ideia das pedaladas como crime.

O que prevaleceu ontem foi o discurso tecnicista que bem convém a um processo que exclui o povo e constitui o que foi definido pelo historiador José Honorio Rodrigues como uma “pactuação por cima!”, prática recorrente das elites brasileiras. Os dois técnicos repetiram à exaustão a tese central da acusação: Dilma violou a Lei de Responsabilidade Fiscal ao atrasar, em 2015, repasses devidos pelo Tesouro ao Banco do Brasil pelos empréstimos com juros subsidiados do Plano Safra. Isso caracterizou operações de crédito, vedadas pela lei. Ela não pode responder pelo ocorrido em 2014, ano que faz parte de mandato já encerrado, mas nele as pedaladas envolveram outras políticas públicas e os atrasos foram mais vultosos. A revelação do descalabro, disseram ambos, minou a credibilidade econômica do governo, gerando a crise econômica.

Este discurso aparentemente lógico foi bombardeado pelos senadores pró-Dilma em seguidas intervenções, com questionamentos já conhecidos e que, mais uma vez não foram respondidos. Ou o foram com evasivas. Por exemplo:

– Por que então os governos do passado, que adotaram as mesmas práticas, não foram denunciados? O TCU então prevaricou?

– O que acontecerá com os 17 governadores pedalantes da atualidade?

– Qual o critério para distinguir uma “operação de crédito”? Ambos disseram que as do passado não podem ser consideradas como tal. O senador Anastasia, relator na comissão especial, afirmou que era o montante de recursos, muito maior no governo Dilma. Não, disseram eles, é o tempo de atraso. Não conseguiram, entretanto, definir com precisão a partir de quanto tempo de atraso a pedalada vira operação de crédito. Para Anastasia, um prazo médio de seis meses. Segundo D’Ávila, tal prazo deve seguir “a lógica intrínseca do Plano Safra”. Entendeu? Nem eu.

– Em relação às pedaladas a presidente não teve qualquer participação direta. E no entanto, se foi crime, ela não teve cúmplices? Não há outros responsáveis a serem punidos? Se o julgamento fosse jurídico e técnico, e não político, se as cartas não estivessem marcadas, muitos senadores teriam reconsiderado ontem a decisão de votar pelo condenação de Dilma, tão fortes foram a fragilidades expostas da acusação.

E tal fragilidade era reiterada pela demonstração de uma ignorância oceânica sobre o tema pela advogada Janaína Paschoal, com suas perguntas rasas ao informante e à testemunha. Eles mesmos tiveram que corrigir suas gafes, explicando, por exemplo, que “cortes” em 2014 não teriam afetado a execução orçamentária de 2015, como ele deu a entender que supunha. Quis saber quantos órgãos foram envolvidos em pedaladas quando todo mundo sabe que, em 2015, o governo só ficou inadimplente no caso do Plano Safra. Fez outras perguntas tolas demais para quem está ajudando a derrubar uma presidente da República com seu pedido de impeachment baseado no assunto que conhece tão pouco.

Hoje, o circo continua. (Por Tereza Crunivel/247)

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