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A história da adolescente que tem o direito de escolher o dia em que vai morrer

Por Regis Mesquita

O nome dela é Jerika Bolen, de 14 anos. Ao contrário de outras garotas, ela não corre, passa seu dia tentando controlar a dor. Já passou por dezenas de cirurgias.

Existe perspectiva de melhora? Não, não existe. Ela sofre de atrofia muscular espinhal, uma rara doença degenerativa e progressiva. Passa 12 horas por dia usando uma máquina que lhe auxilia a respiração. Uma vida sofrida, muito sofrida. Dores, cirurgia, cansaço, falta de ar; fica deitada na cama a maior parte de seu dia.

Em uma entrevista para um jornal norte-americano, a adolescente disse que não pode fazer nada, somente ficar deitada por causa das dores. Isto a fez pensar na opção da morte. Sua mãe aceitou sua escolha e ela pode, legalmente, escolher quando morrer.

Uma vida de lutas e o direito de escolher

Desde seu nascimento esta garota vem sofrendo mais do que um idoso sofreu por toda sua vida. Por acompanhar este sofrimento é que os pais aceitaram a decisão da filha. O suicídio é sempre um tabu na sociedade. São muitos os que erguem o dedo acusador para esta decisão. Mas, será que eles têm razão em condenar alguém que sofre tanto?

As religiões sempre foram pródigas em criar regras para os outros cumprirem. Algumas vezes, porém, a realidade passa por cima destas regras opressoras. Da camisinha às vacinas, da reforma psiquiátrica ao direito feminino de votar, todas estas vitórias da sociedade foram conquistadas com forte oposição das religiões (todas elas). Isto acontece porque as religiões geralmente caminham olhando para o passado (em termos morais). Foram raros os momentos em que as religiões significaram uma mudança social positiva.

Espera-se discussões religiosas sem fim quando o assunto é a eutanásia e o suicídio. Estas duas ações ferem profundamente o instinto de sobrevivência de uma sociedade. Existe um pacto não verbalizado: todos devem aguentar os problemas e ninguém pode desistir de viver.

Quando assunto é viver ou morrer ninguém pode decidir por si. Mas, o que dizer de uma garota que está viva graças à intervenção humana, o que amplia os anos da sua tortura diária?

Tecnologia salva, mas também prolonga o sofrimento

Em condições naturais, sem intervenção médica, a adolescente americana já teria falecido. Seu calvário teria terminado há alguns anos.

Ela está viva graças ao conhecimento médico e as novas tecnologias. Geralmente estar viva é uma vitória. Mas, não neste caso. Pelo menos não na opinião da família da adolescente. Na realidade, esta família está em uma situação muito difícil: cada tratamento prolonga o sofrimento. Quando isto tudo terá fim?

Cada vez mais famílias vão passar por esta situação. Ter que decidir que tratamento fazer, se vão fazer algum tratamento e se manterão alguém vivo somente com paliativos médicos.

Esta garota é notícia de algo que será mais comum no futuro: o direito de escolher qual caminho tomar em sua vida.

Com o fim da idade média, o ser humano conquistou o direito de escolher sua profissão. Demorou séculos para as barreiras caírem uma após a outra. Muitos tabus, religiosos ou não, foram vencidos progressivamente.

Com o advento das ideias socialistas e anarquistas, o ensino passou a ser visto como um direito da pessoa. Todos devem ter acesso à educação pública. Séculos estão sendo necessários para implementar este desafio da humanidade.

Já o direito de decidir o momento do fim da vida, demorará algumas décadas para ser aceito.

O momento certo para morrer

Planejar a morte será parte do planejamento da vida. Esta é uma ideia que ainda assusta muitas pessoas. Alguém planejar a aposentadoria, a velhice e o momento em que irá desencarnar.

O mais provável é que esta escolha esteja muito relacionada às condições de saúde da pessoa. Um dos maiores medos dos idosos sem filhos ou cujos filhos estão distantes é: “alguém que eu não confio plenamente irá cuidar de mim quando não tiver mais condições de me defender”.

Imagine um senhor com Alzheimer sendo cuidado por uma pessoa qualquer em uma instituição qualquer. Sem defesa, com outra pessoa administrando seu patrimônio (que deveria servir para o bem estar do idoso).

Esta insegurança faz muitos deles temerem por estes momentos finais de suas vidas. Momentos que podem facilmente se transformar em momentos de profundos sofrimentos (se não encontrarem boas pessoas).

Concluindo:

Seja por causa do sofrimento que pode advir em consequência da evolução da medicina, seja por causa da insegurança causada pela mudança na estrutura da família, mais e mais pessoas poderão optar por estabelecer limites e parâmetros para suas vidas.

Para estas pessoas a morte não será vista como um tabu e um sofrimento. Será vista como descanso, alívio e segurança. A morte não será temida, será bem vinda.

A mãe da garota descreve a decisão da filha como tendo paz. Para Jerika Bolen é o momento do descanso. O descanso de uma guerreira que lutou bravamente e merece terminar sua vida em paz. Para ela, a morte é uma benção. Para os pais restará a saudade da filha à qual devotaram grande amor e grande companheirismo.

Regis Mesquita é o autor do site Psicologia Racional e da coluna “Comportamento Humano” aqui no site Carta Campinas

 

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