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‘A internet está sob ataque do governo golpista’, diz sociólogo Sérgio Amadeu

O anúncio de que o governo interino de Michel Temer vai trocar a diretoria da Telebras, substituindo na presidência da empresa o petista Jorge Bittar pelo executivo Antônio Loss, que já prestou serviços à Oi, entre outras alterações, não é uma medida isolada. “Faz parte de um contexto”, diz o sociólogo Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC). “Faz parte do desmonte das políticas públicas de inclusão digital e de telecomunicação. Faz parte da privatização extrema que os golpistas vêm para fazer.”

Nesse contexto, não entram só medidas do Executivo, mas projetos de lei criados a partir da CPI dos crimes cibernéticos, cujo relatório final foi aprovado em maio e do qual saíram sete projetos que ameaçam o Marco Civil da Internet. “A internet está sob ataque. Por causa dos conservadores e por causa do atual governo golpista”, afirma Amadeu.

A Telebras, recuperada a partir de medidas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, para competir com as operadoras de telecomunicações para forçar um preço mais baixo e também levar banda larga onde o capitalismo oligopolista não levava, não interessa a um governo privatista que trabalha por um Estado mínimo. Ao anunciar a recuperação da Telebras, em 2010, Lula afirmou: “Nós vamos recuperar a Telebras. Vamos utilizá-la para fazer banda larga nesse país”.

“A mudança na Telebras provavelmente vem no sentido de atender os interesses das grandes corporações de telecom, que viam na Telebras uma ameaça aos seus planos de cobrança de preços abusivos”, prevê o sociólogo.

Outra entidade ameaçada nesse contexto, diz Amadeu, é o Comitê Gestor da Internet, que exerce papel fundamental no setor. Sua atual composição foi estabelecida por Lula, em 2003. Ele é integrado por nove representantes do governo, quatro do setor empresarial, quatro do terceiro setor, três da comunidade científica e tecnológica e um representante de notório saber em assuntos de internet, conforme o Decreto 4.829.

Sérgio Amadeu falou à RBA:

Em que medida a mudança na Telebras pode interferir no Marco Civil da Internet e na oferta de banda larga no país?

Faz parte de um contexto. Tem um conservadorismo no Congresso, por exemplo, que gerou uma CPI dos crimes cibernéticos, que gerou seis projetos de lei completamente contrários ao Marco Civil. Estão destruindo o Marco Civil. Por exemplo, o Marco Civil diz que nenhuma autoridade policial ou administrativa pode pegar dados sem ordem judicial. Isso para preservar um mínimo de respeito à cidadania, já que a polícia nem sempre é possível de se controlar e isso geraria uma absurda violação da privacidade, dos direitos dos cidadãos comuns, se para acessar a caixa postal de alguém ou se para obter dados que identifiquem pessoas ou o que elas fizeram na rede, não tivesse a intervenção de um juiz antes, mesmo sabendo que o Judiciário tem mil problemas. Tudo isso está sendo atacado.

Tudo isso via projetos de lei?

Que vão ser votados. A internet está sob ataque. Por causa dos conservadores e por causa do atual governo golpista. O atual governo quer subordinar a governança da internet, feita hoje a partir de um comitê gestor multissegmento, que tem uma concepção muito alinhada com a Constituição Federal de 1988. A ideia é ter um comitê gestor que tenha condições de governar a internet para além do poder Executivo. O Comitê Gestor foi fundamental para aprovar o Marco Civil da Internet.

A governança da internet no Brasil é elogiada no mundo inteiro, e está sob ataque do governo golpista. Antes do governo Lula, quem indicava os representantes da sociedade era o governo, o que pode gerar um vício muito grande, de só indicar os caras de sua força política. Com o governo Lula, isso mudou. Desde 2004, as entidades do terceiro setor se inscrevem, e depois elas elegem os representantes, no mundo científico e entre os empresários a mesma coisa. Ele democratizou o Comitê Gestor.

O Marco Civil do Brasil também é considerado de vanguarda…

Sim. O atual governo golpista, que atende ao lobby das grandes corporações, quer subordinar a internet à Anatel, quer dizer que internet não tem sentido sem ser fiscalizada e suas regras definidas pela Anatel, ou pelas empresas de telecomunicação.

Eles querem que seja enquadrada de maneira legal como é hoje o sistema de operações de TV a cabo, por exemplo…

Isso, exatamente. Eles querem transformar a internet numa grande TV a cabo. Mas isso é uma pressão mundial que antes não tinha cobertura no governo. Temer e os demais golpistas são suscetíveis às pressões de qualquer grande corporação. Ainda mais dos setores de telecom. É um governo plutocrático. Quem tiver mais dinheiro vai levar. É claro que o governo Dilma cometeu vários equívocos. Mas existia um mínimo de debate. Para formar a posição do governo, a sociedade tinha um peso, não só as corporações. Agora não. A sociedade não vai ter peso nenhum. A ideia deles é reduzir o peso da sociedade no próprio comitê gestor da internet e coloca-lo à disposição das corporações.

Tudo isso no contexto da mudança na Telebras?

Sim. Primeiro, estão tirando todo mundo da gestão anterior. Acham que vão consolidar o impeachment e já estão agindo como se o impeachment tivesse passado, e colocando pessoas do interesse deles. No caso do setor de telecom, eles nunca quiseram que tivesse a recuperação da Telebras. As corporações de telecomunicações querem pegar o dinheiro público e não querem fazer mais nada. Por que a Telebras foi recuperada? Para atuar nas áreas de necessidade de comunicação no Brasil.

As operadoras de telecom não levavam banda larga nem na periferia. Não era vantajoso, era muito caro. Eles não querem mudar o modelo de negócio. Foi aí que o Lula criou o Plano Nacional de Banda Larga (em 2010), para levar banda larga onde as operadoras não queriam levar de jeito nenhum. Na região Norte do país, nas periferias, nas áreas de pobreza.

Qual é o papel da Telebras na gestão da banda larga?

A Telebras foi recuperada e a ideia era competir com as operadoras de telecom para forçar um preço mais baixo e também levar banda larga aonde eles não levavam, mas não para ser um monopólio de telecom. A Telebras foi um monopólio no passado, mas quando foi recuperada não foi com a ideia de ser uma empresa monopolista. Veio com uma ideia, correta – já que as telecomunicações foram privatizadas –, de termos uma empresa estatal para competir com as de telecom, porque só a regulação da Anatel não dá certo. E não é só no Brasil. As agências de regulação têm problemas no mundo inteiro. Elas são reféns do regulado, do fiscalizado.

Em que exatamente a mudança no comando da empresa pode interferir nesse processo?

Faz parte do desmonte das políticas públicas de inclusão digital e de telecomunicação. Faz parte da privatização extrema que os golpistas vêm para fazer. É nesse sentido. É como no Comitê Gestor. Querem atender o interesse das teles destruindo ou subordinando o CG à Anatel. Está dentro de um contexto que é dar poder total às corporações, privatizar o máximo, retirar o poder do Estado de fazer política pública . Essa é a jogada deles. É para desarticular completamente o Plano Nacional de Banda Larga, onde a Telebras era importante, porque ela estava levando linhas de alta velocidade ligando lugares desconectados, e estava abrindo espaço para pequenos provedores de conexão comprar um link mais barato de internet, para poder vender nas localidades, forçando a concorrência com as grandes operadoras de telecom.

A mudança na Telebras provavelmente vem no sentido de atender os interesses das grandes corporações de telecom, que viam na Telebras uma ameaça aos seus planos de cobrança de preços abusivos, de aposta em infraestrutura lenta. Eles vão fazendo lentamente a mudança de infraestrutura. Não fazem de acordo com a necessidade do país, mas de acordo com os planos internacionais desses grandes oligopólios que controlam essas empresas de telecom. E outra: se dependesse da Anatel, estaríamos pagando por consumo de internet em casa como fazem com celular, por franquia. E se os golpistas consolidarem o impeachment, vão tentar fazer isso de qualquer jeito. (Eduardo Maretti, da RBA)

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