Pequena coletânea da resistência

Por Luís Fernando Praga

 

1) Os bons tempos voltaram!

Mais ódio, mais miséria e muita missa,

Sem voto, sem comida e sem direito,

Mais juiz criminoso e mais puliça,

Sem aula, sem merenda e sem respeito.

 

Mais gente alienada nas escolas,

Mais inocente útil e marionete,

Gente se corrompendo por esmolas,

Mais estupro, mais bala e cacetete.

 

Fascismo, malvadeza e mão na cara,

Traíras, mercenários e entreguistas,

Carrascos, pau no cu e pau de arara,

E aquele adeus solene pras conquistas.

 

O machismo, o cinismo e o Bolsomito,

Choques e farpas debaixo da unha,

A R.O.T.A., a Veraneio e o vômito,

A globo, a Janaína e o Cunha.

 

O DOPS, o DOI CODI e a censura,

Os exilados nos aeroportos,

A ordem e o progresso da tortura

E a dor gostosa pelo filhos mortos.

 

Sem compaixão, sem ética ou juízo,

Na voz do deus do povo que pedia,

Reconstruímos nosso paraíso,

“Sem liberdade! Sem democracia!”

 

Incrível que haja gente descontente,

Mas por falta de mérito ou de sorte,

Não quer que a ditadura a representante

E é gente pra lutar até a morte!

 

2) Falo da vergonha

Há peso em minhas costas, há dor em minhas pernas, imagens sobrepostas, efêmeras e eternas. Vejo luas crescentes em risos de crianças, se elas mostram seus dentes, há vida na esperança, na leve borboleta, numa folha rasgada que ao beijo da caneta pesa uma tonelada… Eu vejo estupradores e uma gente calada, não são suas as dores, “é a dor da favelada, é dor da vagabunda, imunda, ela não vale nada!”, mas ela é minha mãe, irmã e filha, ela sou eu, ela é minha família! É só uma menininha, gente que se cala, a dor é minha! Meu sorriso é minguante, o mundo é triste, será que a esperança ainda existe? Com pais criando filhos como bestas, com salvadores loucos por dinheiro, seu Deus é o que cabe em suas cestas, seu ódio cheira mal ao mundo inteiro e a gente que se cala grita “amém!”. Eu grito “amem!”, mas é pra ninguém, “pra que amar se não rende um vintém?”. Eu ando indignado e não me calo: no meu país das vítimas culpadas, a justiça se mede pelo falo e o povo é violado a canetadas. Eu vejo a lua, a menina, vejo o mar, vejo a beleza muito envergonhada, meus olhos não se cansam de chorar e a poesia é lágrima rolada num solo muito seco de afetos. Que o sal penetre a terra com doçura, que brote o amanhã de nossos netos, com o machismo numa sepultura! Que findem os empecilhos para o amor, que o luar traga clareza, um dia, para que um querer bem de toda cor se torne o fruto dessa rebeldia!

 

3) Recém dia

Abri meus olhos pra o novo dia

Beijei a amarga boca da alvorada

Cinzenta era a manhã, fria e fardada

E um mofo de passado poluía.

 

Uma palavra frágil, desarmada

Tentou pegar nas mãos da poesia,

Mas um podre de golpe recendia

E a poesia nasceu impregnada.

 

4) Não tão cedo

Quando as mães forem só intolerância e a Natureza sucumbir de vez, quando os risos sumirem-se da infância e a justiça for refém das leis, quando taxarem o ar, quando a escravidão vencer, quando o mundo se entregar, quando ninguém quiser ler, quando Deus extinguir a evolução e não houver amores, só ciúmes, quando o afeto perder sua função e as flores apagarem seus perfumes, quando os sonhos morrerem de anemia e o Sol só raiar escuridão e não se ouvir falar em utopia e a ganância secar nossa paixão, quando o cupido queimar as suas setas e só o medo emanar do povo e a poesia perder-se dos poetas e nunca mais surgir um dia novo, quando os pássaros deixarem de voar e trocarmos as vidas por seus ópios, quando a beleza não tiver lugar e todos desistirmos de nós próprios, quando um decreto calar a nossa voz e os hipócritas matarem a verdade e o lucro alienar a todos nós, quando a opressão superar nossa vontade, quando a paz nos legar terror e ira, quando a esperança abrir mão da humanidade, só então um governo de mentira poderá poder mais que a liberdade!

 

5) A Fênix

Tomada por cruel enfermidade,

Sucumbe ao mal do mundo e enfim descansa

E os doutores daquela sociedade

Decretam logo a morte da esperança.

 

Porém a esperança é feminina

E encobre encantos, doce e sorrateira,

Renasce livre, humana e mais divina

Oculta em cantos de segunda feira…

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