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O que está em discussão não é a política, mas a administração pública!

Por Rafael Martarello

O clima de tensão política advindo do pedido de impeachment da presidente do Brasil está atingindo seu ápice nos últimos dias. Pessoas apaixonadas pró-impeachment e contra impeachment se declaram sobre o cenário atual, esperando ações e posicionamento da Câmara dos Deputados. Mas precisamos deixar algo aqui claro, preferência política é decidida nas eleições, em urnas. Em um processo de impeachment deve-se discutir sobre a Administração Pública brasileira, com sua base de ação somente constitucional e seus procedimentos técnicos.

Primeiramente não quero dizer que os campos de análise do jogo político não são legítimos e que não devem fazer seu diagnostico. Nem que os deputados estão imunes a suas preferências ideológicas, mas não é isto que deve ser observado, o que deve ser observado é a conformidade das ações da presidência com os procedimentos legais previstos, e as sanções que podem se derivar disto.

E isto não nos priva de sentir paixão. Esta deve prosseguir acompanhada da racionalidade, e tendo como combustível os princípios constituidores de nossa ética e de nossa nação. Desta forma é possível apresentar um ponto de vista jurídico e técnico sobre o pedido atual de impeachment.

Como já aceito pelo Supremo Tribunal Federal a parte do processo que irá ser votado pela câmara só diz respeito aos acontecimentos após o ano de 2015, fazendo-se assim cumprir o Artigo 86 da Constituição Federal em seu paragrafo 4º diz: O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Tem que haver tipificação legal antecedente e não retroativa. Esta mesma Constituição Federal trás estabilidade ao chefe do Estado, em seus artigos 51, 86 e 102, para que haja somente cassação em casos extremos.

Como dito pelo Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, o pressuposto jurídico para haver o impedimento, é o crime de responsabilidade. Se não houver esse crime de responsabilidade, num Estado Democrático de Direito, não pode haver impeachment. O artigo constitucional que trata de crime de responsabilidade é o 85. Mas é uma lei que define o crime de responsabilidade e regula o processo de julgamento, Lei 1079/50. Ela dirá que só existe crime de responsabilidade se houver um atentado a Lei Maior, um ataque afrontoso aos princípios basilares da Constituição Federal. Esses atos afrontosos devem ser praticados diretamente pelo presidente, não derivar de sua função administrativa. Podemos concluir que é necessário ter iniciativa de dolo da presidência e má fé para se configurar como um delito praticado individualmente contra o Estado.

Sobre o pedido atual
Primeiramente é necessário apontar, como apontou a defesa da presidência, que o respectivo processo é fruto de desvio de finalidade pelo presidente da câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ele usou de chantagem, de vingança para acolher o pedido de impeachment. Isto é suficiente para anular o atual processo de impeachment corrente, pelo seu aceite de má fé. Outra questão é o anexo junto aos autos do processo da delação do ex-senador do PT, Delcídio do Amaral, este fato que só aumentou a quantidade de papel do processo diz respeito quase em totalidade ao mandato anterior da presidente e teve por finalidade causar uma comoção, um sentimento de procura de punição para com a presidente. Esta mesma procura de comoção social tem sido praticada por juízes, movimentos e partidos de oposição.

Outro fato que imputa em desorientação do presente pedido é ter chamado os requerentes do pedido para esclarecer a denúncia, se a denúncia não está clara, ela é inepta e não deve ser aceita. Isto se configura a uma ofensa ao direto de defesa ao não permitir que ela possa tirar dúvidas do pedido e levantar questionamentos.

Compare os vídeos e tire suas conclusões, se está se buscando técnica ou apelação emotiva:
Video 01        Vídeo 02

O presente pedido, que foi considerado como mal descrito, impreciso tecnicamente e subjetivo, se delimitou a dois fatos. O primeiro se trata da edição de seis decretos em 2015, que abriram créditos adicionais. O segundo, conhecido por pedaladas fiscais, é a inadimplência financeira da União com o Banco do Brasil.

Os decretos de suplementação baixados pelo governo são para alocação de recursos aprovados e para serem gastos dentro da previsão do orçamento. Entretanto, devido à situação econômica, não havendo recursos financeiros para efetuar a operação, foram feitos decretos de contingenciamento para impedir que o que estava autorizado fosse gasto.

Essa manobra foi aprovada pela câmara ao aceitar o ajuste das metas fiscais, afastando qualquer ilegalidade, além de não atrapalhar a saúde econômica do país, tendo em vista que não havia gasto efetivado, apenas programado.

O Tribunal de Contas da União passou a não admitir mais este tipo de manobra, fazendo com que o governo parasse de executar essa operação. O que não impediu que os pedintes do impeachment quisessem fazer o governo pagar por algo que está valendo a partir de agora.

Se caso admitíssemos que isto é uma ilegalidade por parte da presidência, deveríamos pensar, onde está o dolo que justifica o crime de responsabilidade? Quando houve, segundo a defesa, mais de vinte órgãos que deram parecer técnico e jurídico apontado que era possível realizar esta ação, inclusive o TCU que pediu um decreto de suplementação.

Ao que se refere às pedaladas fiscais, é proibido constitucionalmente que o governo faça empréstimos de instituições controladas. O que ocorre nesse caso: o Plano Safra do Ministério do Desenvolvimento Agrário tem seus recursos geridos pelo Ministro da Fazenda e pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que serão destinados a ações de apoio a agricultura familiar. O pagamento é realizado pelo Banco do Brasil, que depois recebe o repasse referente do

Tesouro, mas o governo não pagou. A acusação diz que houve uma operação de crédito e que a presidente não tem poder de gestão, mas conversava com o secretário do Tesouro Nacional.
Primeiramente não é cabível que haja uma afronta aos princípios constitucionais neste dialogo, em segundo ponto não é possível haver dolo da presidente por não haver uma ação dela. Por fim o governo é um inadimplente e não alguém que tomou algo emprestado, desta forma não há configuração legal para crime de responsabilidade fiscal. Ou você que não recebe seus direitos trabalhistas e seu salário está na verdade emprestando dinheiro para seu empregador?

Conclusão
Fecho o que tenho tratado aqui com as palavras históricas do Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo
“Neste caso por inexistir crime de responsabilidade configurada, por neste caso por não existir ato ilícito por parte da Presidente da República, por não existir ato doloso em nenhuma das duas situações, um processo de impeachment equivaleria ao rasgar da Constituição Federal de 88 se fosse acolhido. Seria, se me permite a licença seu presidente e a força das palavras, seria um Golpe!”
(…)
“O que é golpe?
Golpe é a ruptura da constitucionalidade, golpe é o rompimento de uma constituição, golpe é a negação de um Estado de Direito” (José Eduardo Cardozo – Advogado Geral da União)

Rafael Martarello é bacharel em Gestão de Políticas Públicas na Unicamp e mestrando em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, também na Unicamp.

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