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Fui!

Por Luís Fernando Praga

As férias de inverno das pessoas já estão acabando e as minhas ainda nem chegaram, mas isso não há de ficar assim! Este texto, já escrevo no meu último dia de trabalho, antes do período de meu merecido descanso. Sou veterinário autônomo e “do lar” em meio período, e não disponho daquelas férias que a CLT garante à humanidade em geral, então consegui pegar sete dias.

Um breve aparte: as pessoas ficam confusas e às vezes contrariadas quando leem algo de alguém que se diz veterinário, mas fui consultar o estatuto e afirmo que a lei me assegura esse direito. Não deixo de cumprir a contento minhas funções de veterinário e “do lar” em meio período, só porque ganho muito mais dinheiro escrevendo. Consigo fazer muito bem essas três coisas e até junto outras, às vezes. Por exemplo agora, termômetro já introduzido, Rambo rosnando sobre a mesa, com a mão direita sou capaz de digitar essas belas palavras que o leitor amigo nem imagina como nasceram.

Mas o fato é que tenho trabalhado muito e essas mini férias vieram a calhar. Não, não vou dizer aqui minha carga horária pra que 90% dos leitores tripudiem dizendo que é pouco, que sou folgado e preguiçoso. Pra mim é muito e pronto! Pouco… pouco são 7 dias!

Não que não goste de trabalhar com bichos, mas é que o veterinário também precisa trabalhar com gente, nos seus mais diversos estados emocionais. Como atendo um paciente (ou mais) e seu proprietário (ou mais de um) a cada meia hora, o meu estado emocional também tende a ficar meio confuso, cansado e menos apto a ajudar do que poderia. Às vezes me estresso com o grandalhão dono do Pit Bull e desforro, meia hora depois, esculhambando a garotinha dona do coelhinho. Acho que isso não está certo!

Então serão apenas 7 dias, mas as paisagens e as preocupações serão outras. Espero ver bichos, porque gosto de estar com eles, mas serão mais para me curar do que para serem curados por mim. Também desejo encontrar pessoas em situações menos problemáticas do que costumo encontrar na minha rotina e desejo estar aberto a assimilar seus ensinamentos mais do que transmitir minhas orientações a elas.

Serão 7 dias em que algum profissional, e não eu mesmo, irá cozinhar para mim e para minha família. Não que eu não goste de cozinhar, mas a obrigatoriedade diária torna desgastada e conflituosa minha relação com as panelas, o fogão e o sabor dos alimentos. Além disso, quando minha filha reclamar da comida (e farei gosto que ela reclame também da comida preparada por um profissional), não sentirei aquela triste punhalada no coração.

Serão sete dias num lugar que não me é familiar e isso me permitirá escapar um pouco das minhas manias, abrir a mente pra que entre o que ainda não está lá dentro, pra que se acomode melhor o que estiver meio bagunçado e até pra jogar fora o que entrou lá e não devia.

Serão só 7 dias, mas haverá ar fresco, passarinhos livres, mato e cachoeiras. Haverá história, arquitetura, museus e jardins. Espero que haja um céu azul algum dia.

Serão só 7 dias, mas haverá o frio da montanha, o calor da família, das risadas e da poesia que é viver quando faz frio do lado de fora.

Serão 7 pores de Sol consecutivos em que não estarei fechado no consultório. Poderei até escolher um lugar diferente de onde apreciar a cada um deles.

Também serão 7 alvoradas, e pelo menos numa ou duas delas, espero não escolher ficar na cama, culpando a exaustão da véspera ao invés de sair para ver as cores invadindo o dia.

Ah, que legal! Serão 7 dias pra minhas sandálias de couro matarem a saudade dos meus pés e de passearem com eles, pra minhas pernas matarem a saudade de subir morros, pros meus pulmões relembrarem o gosto do ar puro, pra minha pele arrepiar palavrões de água gelada mas não querer mais sair.

Nesses 7 dias também vou querer escrever, porque gosto de fazer isso. Acho bom que não receba dinheiro algum por essa ocupação (é, contei umas mentiras lá pra cima). Acredito que se fosse remunerado escreveria de um jeito diferente, e o jeito de escrever de quem não visa lucro também é um jeito que pode acrescentar alguma coisa a quem lê. Tenho vários assuntos em mente, alguns textos começados e sempre um espaço aberto e receptivo para que a inspiração me surpreenda e eu possa falar de algo ainda fora de cogitação.

Nesses próximos 7 dias quero fazer palavras cruzadas com minha filha e acabar de ler “Zorba, o Grego”. Farei muito gosto em conhecer palavras novas, rever algumas esquecidas e também terei prazer em reler, quantas vezes forem, aquelas palavras que me dão prazer de ler.

Quero voltar revigorado e que meus clientes me reencontrem feliz e competente. Quero me desculpar com a menininha do coelhinho e relevar a insensatez daquele dono do Pit Bull. Quero voltar sem essa barba de um mês e cheio de saudades do meu trabalho. Quero…

Nossa, fui proseando e nem reparei, já passa da meia noite, 25/07/2015 e parto em alguma horas! Quando o primeiro leitor colocar os olhos nesse texto, já estarei longe de casa e da minha rotina. Estou ansioso e feliz, mas tenho que encurtar o texto e arrumar as malas… quero levar bem pouca coisa, não preciso de muito.

Preciso é pegar a estrada logo e dirigir algumas horas. Sentir que a liberdade existe e que as fronteiras são só convenções que não são minhas. Ver o horizonte lá longe e devagarinho ir vendo ele mais de perto até chegar nele… ver o horizonte lá longe e devagarinho ir vendo ele mais de perto até chegar nele… e repetir esse processo várias e várias vezes, até fixar que o segredo de viajar, como o de viver, é saber apreciar a beleza do trajeto e buscar o horizonte mais bonito. E mesmo sabendo que o que se atinge é uma outra coisa, nunca o horizonte, utopizar sempre!

 

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