Não basta o lobby da imprensa que endossa a agenda do parlamento mais conservador desde a redemocratização. Não basta a espetacularização de atrocidades em rede nacional sob a aclamação de telespectadores que se entretêm com execuções a queima roupa, seja legítima defesa ou “apenas” sadismo. O mesmo brasileiro que defende a meritocracia como única forma de sobrevivência parece ser dependente de uma eterna relação de expurgo por meio da qual todos os problemas de responsabilidade do estado podem ser solucionados por um projeto moral. Na prática, cria-se um idealismo raso e então questões complexas como violência ou recessão podem ser magicamente resolvidas com o extermínio de condenados ou com ajustes econômicos protecionistas que violam acordos multilaterais. O meritocrata sabe tudo, é pleno, e, por ser um vencedor, resolveria facilmente todos os problemas sociais e econômicos de um dos maiores países do mundo implementando medidas que podem ser descritas em poucas linhas.
“Por que não matam todos os bandidos?” ou “por que os produtos brasileiros são mais caros que os chineses?”. Haverá de chegar o dia em que seremos presididos por este ser dotado de brilhantismo imensurável. Ó sábio meritocrata oniciente, acuda o povo brasileiro oferecendo uma alternativa, seja a terceira via, reinvente o cenário há tempos polarizado por “coxinhas” e “esquerdopatas”! Temos um excelente exemplo na presidência da baixa câmara, e, apesar de os arranjos mencionados acima serem consequência das ações atribuídas a um semideus, é possível visualizar o engrandecimento desta heroica gestão.
O fortalecimento do poder estatal seria justificado por um projeto moral que só pode ser alcançado através da integração, unidade e indivisibilidade do povo, algo que desconsidera minorias e liberdades individuais, diga-se de passagem. Acrescentemos então a “ameaça da extrema esquerda”, algo mitificado por parte da imprensa sob o pretexto de haver uma experiência socialista falha em um país vizinho. Ademais, não nos esqueçamos da benção de líderes religiosos, os mesmo que não detêm apenas influência ideológica como também poder financeiro, e, assim, além de respaldado pelo estado forte, o projeto moral é beatificado por homens que intermediam relações metafísicas.
Qualquer um que discorde minimamente do plano será considerado inimigo, portanto passível de perseguição, a exemplo dos “vagabundos”, os mesmos antissociais que tanto perturbam o cidadão de bem. Linchamentos serão cada vez mais comuns, podendo contar com o apoio de membros do funcionalismo público, já que o exército civil que castiga o criminoso não busca nada além da manutenção da ordem. Admirável.
Contemplem a terceira via. Assim, deparamo-nos com um paramilitarismo coercitivo fundamentado em valores religiosos e o estado com um plano que transcende todo o tipo de problema por meio da moral que acredita no expurgo do mal e no consequente aperfeiçoamento da nação. Sua repercussão social se dá por meio de um maniqueísmo intolerante, pois quanto maior a diversidade maior é a ameaça a unidade. O plano de nosso digníssimo futuro-presidente-meritocrata é tão prático e objetivo que pode ser resumido em uma palavra, mas aquele que a menciona em forma de advertência, como quem vos escreve pretendia fazer, é imediatamente rotulado como petralha comunista. Dadas as descrições, não será difícil, e qualquer semelhança não é mera coincidência.