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‘Funk ostentação’: a música que melhor retrata a ascensão da nova classe média

Por Regis Mesquita

Quando uma pessoa passa a ganhar mais, o que acontece? Ela continua sendo a mesma pessoa, apenas com mais dinheiro no bolso. Significa que ela continuará com os mesmos valores, as mesmas crenças e, praticamente, os mesmos comportamentos.

Quando 35 milhões de pessoas ascendem à classe média acontece o mesmo. Pessoas que compravam um quilo de carne passam a comprar cinco. Mas, continuam quase sempre iguais ao que eram.

A letra da música abaixo foi escrita pelo Mc Leonardo SP. Chama-se “O sofrimento foi embora”.

“E o sofrimento que você viu foi embora
E agora é só pano novo, e agora é só pano da hora
E aí moleque, aqueles trajes do passado, se passou
Você lembra do chinelo? Se tornou Springblade
Você que bateu o martelo, eu que ando de Sportage.”

Se você não sabe, Springblade é um tênis da Adidas que custa aproximadamente mil reais. Ou seja, o sujeito saiu do chinelo de dedo (sofrimento) para um tênis de mil reais (satisfação).

Durante décadas as pessoas mais pobres sonharam em ter melhores roupas e melhores bens de consumo. Praticamente todo ganho financeiro era destinado ao consumo.

Observe: uma família com uma renda de R$ 800,00 por mês tem que direcionar todo seu orçamento para o consumo. O sonho desta família é ganhar mais para poder comprar mais.

Esta família vive em carência e tem que administrar a carência. Quando entra um dinheiro extra, ela usa para comprar alguns itens “melhores”. Por melhores entenda: uma roupa nova, algum alimento extra (uma extravagância) ou algum supérfluo.

Traduzindo: o sonho desta família é ter mais dinheiro para consumir “coisas melhores”. O que a limita em seus desejos de consumo é a extrema limitação de recursos.

O que acontece quando a renda familiar sobe para R$ 4 mil? Significa impressionantes R$ 1,1 trilhão de reais injetados na economia. Este dinheiro é gasto da mesma forma que era gasto anteriormente: o extra vai para ter coisas melhores.

Quando o MC Leonardo Mc diz que “o sofrimento que você viu foi embora”, ele está relatando a sensação de abundância e a oportunidade de realizar desejos. Estas pessoas deixam de administrar a carência e passam a administrar a abundância. Na época da carência, os impulsos eram controlados pela falta. Não havia como e nem porque adiar desejos e vontades. Na prática, era o ganhou, gastou. Com pouca capacidade de poupança e planejamento “do futuro”.

A carência obriga as pessoas a serem impulsivas. E ao mesmo tempo as controla. Uma mãe fazia uma faxina extra e já tinha destinação para o dinheiro extra. Algo estava sempre faltando. Ganhou, gastou.

Os mesmos comportamentos continuam. Ganhou, gastou. A impulsividade e a valorização excessiva do consumo ganham outra dimensão quando perdem o “freio da carência”. São os mesmos comportamentos, agora com mais dinheiro e mais desejos. Mais prazer e mais diversão.

Uma das consequências deste perfil impulsivo de consumo é o fato do jovem brasileiro estar entre os que menos poupam no mundo. Há uma necessidade urgente de aprender a controlar os impulsos, ou seja, começar a ter planejamento e eficiência.

Na prática acontece assim: um sujeito que ganha melhor, mas compra um tênis de mil reais está poupando menos e se divertindo menos. Mil reais continua sendo um valor alto. Ele se priva de várias outras ações para ter o tênis super caro.

Temos, portanto, uma geração que aproveita menos as facilidades do dinheiro porque se apegam excessivamente aos desejos. São milhões de pessoas que estão realizando o desejo de ter diploma de curso superior. Todavia, somente uma minoria consegue “pagar o preço” do estudo dedicado e intenso. O impulso e o dinheiro poderiam ser traduzidos em uma mudança forte de paradigma: não é faculdade que me fará melhor, é o quanto eu me esforçar para aproveitar esta oportunidade.

Traduzindo: realizar desejos é ótimo, o dinheiro facilita esta realização. Ficar prisioneira dos desejos é péssimo. Porque quando os desejos dominam, falta a disciplina para transformar desejos em sabedoria, eficiência, autocontrole; ou seja, para que as conquistas possam continuar.

A pessoa que olha uma vitrine e cede à tentação/impulso de compra está buscando uma recompensa imediata para sua vida. O planejamento significa colocar ordem nestes impulsos de consumo, dando o tempo certo para cada prazer e cada conquista. O objetivo é criar condições para atingir mais metas. Ou seja, a pessoa pode ter um diploma de faculdade ou pode ter o diploma somado a muito conhecimento. O planejamento permite que as pessoas tenham mais e tenham o que realmente interessa.

Funk ostentação jamais desaparecerá, pois serve para melhorar a autoestima de muitas pessoas. É importante, porém, que as pessoas entendam que é um modelo de crenças e comportamentos que dificultará novas conquistas e restringirá a satisfação das pessoas ao longo de suas décadas de vida.

Regis MesquitaPsicólogo e autor do livro Nascer Várias Vezes, que explica a reencarnação.

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