A defensora informou que apesar de ter sido criada em 2001, a Lei 1.8216/01 que instituiu a política antimanicomial no Brasil, não é integralmente cumprida. Foi a busca por uma solução para o problema que motivou a Defensoria do Estado do Rio de Janeiro a organizar a primeira Reunião de Trabalho Ampliada: Um Olhar sobre Medidas de Segurança e Mulheres. O encontro reuniu especialistas, promotores de Justiça, defensores públicos, advogados, representantes de entidades sociais e integrantes de órgãos dos ministérios da Saúde e da Justiça que tratam do assunto.
“A gente imaginou que se conseguisse atores que dialogassem sobre a questão da mulher em cumprimento de medidas de segurança, dentro de um hospital masculino, a gente poderia começar a desatar um nó que ia servir de fluxo para outras questões e para tirar do papel a política antimanicomial que está fazendo aniversario. Ela é de 2001 e até hoje ainda está no papel, porque ainda tem manicômios tanto judiciários quanto particulares. Embora exista a política, a prática está dissociada”, revelou.
Para a psicanalista Tania Kolker, que trabalhou em hospital de custódia e nos últimos anos foi consultora do Ministério da Saúde, o Código de Execução Penal é anterior à Constituição e, além de não regular o tratamento, é ainda bastante marcado pelo modelo de saúde mental instituído na época da ditadura. “O espaço de privação de liberdade não é um espaço de tratamento. A pessoa com transtorno mental que comete delito é considerada inimputável e não deve cumprir pena. É uma inverdade dizer que a internação em hospital de custódia é para tratamento. Institucionalização em qualquer hospital não trata, traz uma outra doença.”
A psicanalista destacou que um hospital penitenciário com toda a violência do sistema carcerário provoca ainda mais insegurança à detenta, que pode cumprir pena potencialmente perpétua, pois o tempo de permanência no local é indeterminado. “Isso aniquila, mortifica, não trata”, resumiu. Tania Kolker informou que existem pareceres de juristas tratando da inconstitucionalidade da medida de segurança. “Agora é questão de reorientar o modelo, só que é preciso construir uma política substitutiva e isso ainda está em construção”, completou.
Os participantes da reunião apontaram que o melhor caminho é tratar essas mulheres no Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a supervisora do Centro de Atenção Psicossocial e integrante do Movimento Antimanicomial, Beatriz Adura, uma das principais questões do manicômio existir é o medo e a ideia de que o louco ou a louca são perigosos. “Muitas pessoas vão ser internadas por conta disso. E no final a gente vê que não é isso, que precisa de assistência ou de uma conversa. Na verdade, a gente quer que essas mulheres não fiquem nos hospitais de custódia nem nos manicômios judiciários e que elas possam responder pela pena também em liberdade no Sistema Único de Saúde”, explicou. “[Elas] seriam cuidadas e não só presas e recebendo maus-tratos.”
O encontro teve ainda a participação da defensora argentina Maria Fernanda López Puleio, que contou a experiência de seu país. De acordo com ela, a Argentina tem uma lei nacional de saúde mental que determina o tipo de tratamento. Além disso, as internações dependem da análise de uma equipe multidisciplinar de especialistas e as internações involuntárias só ocorrem com acompanhamento de especialistas. A norma define ainda um modelo de ações positivistas para a abordagem em um modelo integral de direitos e o fim dos manicômios. “A experiência enormemente positiva há três anos reduziu a quantidade de gente internada involuntariamente.” (Agência Brasil)